O empreendimento de Ciência Aberta do SciELO

Plataforma foi fundamental para melhorar a pesquisa no Brasil, promover a equidade nos acordos transformativos e aprimorar a avaliação da produção científica nos programas de pós-graduação.

Resumo

O Programa SciELO celebrou 25 anos em 2023, consolidando seu modelo inovador de Ciência Aberta baseado na IDEIA – Impacto, Diversidade, Equidade, Inclusão e Acessibilidade. Pioneiro no Acesso Aberto, o SciELO fortalece a comunicação científica de qualidade no Brasil, ampliando visibilidade, impacto e integração com o cenário global de pesquisa.

Em setembro de 2023, o Programa SciELO celebrou seu 25º aniversário de operação regular e reafirmou seu modelo inovador de comunicação de pesquisas com a divisa SciELO Ciência Aberta com IDEIA – Impacto, Diversidade, Equidade, Inclusão e Acessibilidade. Produto de políticas públicas de agências de fomento, com o apoio de sociedades e associações, e construído coletivamente por pesquisadores, editores científicos e profissionais da informação, essa abordagem abrangente do modus operandi de Ciência Aberta na comunicação de pesquisas é amoldável às condições e prioridades nacionais do sistema de pesquisa do Brasil e dos demais países da Rede SciELO, estando alinhada com o estado da arte internacional. Mais especificamente, adapta-se à razão de ser do SciELO de reconhecer e fortalecer a relevância das pesquisas comunicadas por periódicos de qualidade editados nacionalmente.

Centrado em três eixos convergentes – publicação online centrada nas potencialidades da web para virtualização, interoperabilidade, desintermediação e universalização; maximização da qualidade editorial; e Acesso Aberto (AA) aos textos – o modelo SciELO, proposto em 1996, recebeu o incentivo da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) e foi desenvolvido em 1997 por meio de um projeto piloto com auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), executado em colaboração com a BIREME/OPAS/OMS e com a assessoria de um grupo focal de editores-chefes de dez periódicos de referência das ciências biológicas, físicas e sociais. Foi lançado em 1998.[1] O SciELO foi pioneiro global na adoção do AA na operação pública de coleções de periódicos de qualidade sem barreiras, quatro anos antes da Declaração de Budapeste, que propôs formalmente a modalidade de Acesso Aberto. O objetivo específico do SciELO, que justificou seu desenvolvimento, persiste até hoje: a busca pela maximização da visibilidade e impacto dos periódicos de qualidade e das pesquisas que comunicam.

Líderes nas áreas de fomento à pesquisa e gestão de informação científica, a Fapesp e a BIREME qualificaram a criação e o desenvolvimento do SciELO como política pública de apoio à infraestrutura de pesquisa. Com apoio do grupo focal e da ABEC, instituíram o SciELO com governança coletiva centrada nas comunidades de pesquisa. O modelo SciELO de publicação envolve políticas, metodologias, tecnologias, produtos e serviços que evoluíram continuamente à luz do estado da arte internacional. A decisão de alinhamento com as práticas de Ciência Aberta foi tomada formalmente na Reunião Quinquenal da Rede SciELO de 2018, durante a semana de celebração do seu 20º aniversário, e expressada nas linhas de ação prioritárias para o período 2019-2023.

Em 2024, após 27 anos como programa de infraestrutura de pesquisa da Fapesp, o SciELO foi formalizado como programa nacional do Brasil, a ser mantido por um consórcio nacional formado inicialmente pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fapesp, e aberto à participação de outras instituições. Essa decisão das principais agências de pesquisa do Brasil reforça o SciELO como política pública e amplia a capacidade do Brasil de operar com soberania o ciclo completo de produção de conhecimento, desde a realização das pesquisas até a publicação de artigos em periódicos de alto impacto e a produção de periódicos de alto impacto. Ou seja, abre-se a perspectiva de dotar o sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação com infraestruturas competitivas internacionalmente para a comunicação de pesquisas em Ciência Aberta.

Neste artigo, vou dar minha contribuição – por certo interessada – sobre o sucesso do modelo SciELO em sua natureza essencialmente inovadora, comprometida com o desenvolvimento de infraestruturas e capacidades nacionais integradas ao fluxo global de comunicação científica. O texto busca situar a função do SciELO no contexto da busca pelo aperfeiçoamento da pesquisa nacional por meio do avanço das práticas de Ciência Aberta, da equidade nos acordos transformativos e do aperfeiçoamento da avaliação da produção científica dos programas de pós-graduação.

 

Ciência Aberta por quê?

Desde 2018, o SciELO promove a adoção de práticas de Ciência Aberta na comunicação de pesquisas no Brasil e em outros dezesseis países, com dois objetivos convergentes: de um lado, maximizar a qualidade dos periódicos e das pesquisas que comunicam; de outro, ampliar a visibilidade e o impacto, medidos pelo número de acessos e citações. Embora esses objetivos sejam louváveis, óbvios e inerentes ao SciELO, a abertura das pesquisas e de sua comunicação tem gerado desafios e resistências, por vezes até mais contundentes do que aquelas enfrentadas na adoção da publicação online em acesso aberto há 27 anos, na adoção do XML como linguagem de estruturação dos textos de artigos há 10 anos (para maximizar a interoperabilidade) e na internacionalização, que estabeleceu critérios mínimos para publicação de artigos em inglês.

 

“O crescimento sustentável dos periódicos SciELO reflete não apenas a qualidade editorial, mas também o compromisso com a diversidade, inclusão e acessibilidade na ciência brasileira.”

 

Esses desafios têm seguido os estágios clássicos de inovações e vêm sendo superados por meio de diálogo, capacitação e das crescentes evidências de ganhos notáveis na qualificação e visibilidade dos periódicos. Os editores que adotaram inicialmente as novas práticas desempenham um papel decisivo nesse processo, pois, na posição de pares, são mais eficazes em aconselhar outros editores. Vale notar que, em todas essas inovações, sempre houve editores simpatizantes ou já familiarizados com as mudanças.

Assim, a resposta à questão “Ciência Aberta, por quê?” é clara no posicionamento inovador da direção do SciELO em prol do progresso da pesquisa. No entanto, essa resposta precisa ser assimilada, primeiro pela maioria e depois por todos os editores, equipes editoriais e autores. No contexto da evolução do SciELO, essa questão emerge frequentemente como um ponto de contestação entre os editores, que são esperados liderar o processo, mas que, muitas vezes, se posicionam em nome dos autores das respectivas comunidades de pesquisa:

 

  • Por que mudar, se a modalidade clássica de comunicação científica sempre (aparentemente) funcionou tão bem?
  • Por que nos posicionarmos como mais inovadores que periódicos de referência internacional?
  • Por que adotar essas práticas sem uma política institucional ou nacional clara?
  • Por que investir nisso, se o Qualis não valoriza — e até desincentiva — essas mudanças?
  • Por que adotar práticas que implicam mais gastos e exigem especialização além das capacidades dos periódicos?
  • Por que apostar em algo que pode nunca se tornar o modus operandi dominante na comunicação científica?
  • Por que adotar uma prática potencialmente disruptiva, que pode afetar o desempenho dos grupos de pesquisa e as carreiras dos pesquisadores?

 

As respostas para essas questões estão na evolução da comunicação científica rumo à Ciência Aberta, como demonstra a própria literatura científica. A Figura 1 mostra a evolução, entre 2014 e 2023, do logaritmo do número de documentos resultantes da busca por [“Open Science” and impact] no Google Acadêmico e no SciELO, realizada em fevereiro. Nos últimos cinco anos, o crescimento médio anual de documentos sobre esse tema foi de 29% no Google Acadêmico e de 75% no SciELO.


Figura 1. Resultados da busca ‘”open science” and impact” no Google Acadêmico e SciELO
(Fonte: Produção dos autores)

 

A presença do tema na literatura dos periódicos SciELO Brasil é tardia em comparação com a tendência global, mas apresenta um crescimento notável nos últimos cinco anos. Esse movimento ganhou força com o posicionamento do SciELO, que incorporou a adoção progressiva das práticas de Ciência Aberta em seus critérios de indexação de periódicos desde 2017, com a expectativa otimista de que os periódicos estivessem plenamente alinhados com os princípios e práticas da Ciência Aberta até 2021. Em 2018, o 20º aniversário da Rede SciELO foi celebrado “em pleno processo de alinhamento com os avanços da ciência aberta”. Desde então, a adoção da Ciência Aberta tem sido uma linha prioritária de ação para o período 2019–2023. Cinco anos depois, no 25º aniversário, essas linhas foram atualizadas para o período 2024–2028, com uma visão ampliada de Ciência Aberta, expressa pelo conceito de IDEIA.

Houve avanços significativos na capacitação, na infraestrutura e nos indicadores de acompanhamento, que mostram que a maioria dos periódicos já expressa em suas políticas editoriais e instruções aos autores o alinhamento com o modus operandi da Ciência Aberta. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar a plena adoção dessas práticas. Será necessário superar resistências e dificuldades políticas, programáticas e tecnológicas, apoiando-se em evidências dos ganhos em qualidade, visibilidade e impacto das pesquisas.

O SciELO tem trilhado esse caminho com sua política de construção coletiva, baseada no diálogo com as autoridades e os periódicos sobre os benefícios das práticas de Ciência Aberta, no aprimoramento metodológico e tecnológico da plataforma e na capacitação das equipes editoriais. Para se ter uma ideia, em 2024, o SciELO Brasil participou de 55 reuniões com editores e equipes editoriais de periódicos. A agenda da reunião de avaliação anual do SciELO, realizada em dezembro do ano passado, com a participação de representantes da Capes, CNPq, FAPESP, editores e da ABEC, centrou-se nos avanços do programa SciELO em relação ao impacto dos periódicos, à adoção das práticas de Ciência Aberta e ao uso de IA generativa.

 

Ciência Aberta – Fundamentos e práticas na comunicação de pesquisas

 A emergência da Web como meio online de intercâmbio assíncrono e síncrono de textos e outros conteúdos, além de meio virtualizado com a perspectiva de acesso universal desde qualquer lugar e a qualquer hora, potencializou os fundamentos do acesso aberto (AA) à literatura científica. Entre esses fundamentos, destacam-se o acesso equitativo ao conhecimento como determinante do progresso cultural, social e econômico, o financiamento com recursos públicos da maioria das pesquisas e o conceito econômico, político e sociológico de que o conhecimento científico é ou deve ser encarado como um bem público global [2] e um direito humano.

Além do acesso aberto à literatura científica, o movimento rumo ao modus operandi de Ciência Aberta reuniu outras práticas, com destaque para a publicação de manuscritos na condição de preprints antes da submissão a um periódico, a disponibilização dos dados usados e gerados na pesquisa como parte integral da sua comunicação e a abertura nos processos de avaliação por pares. Essas práticas afetam todo o ciclo de produção de pesquisa e sua apropriação pelas instâncias e atores da pesquisa, exigindo mudanças conceituais e culturais nas comunidades de pesquisa e de comunicação científica.

Os preprints foram introduzidos como meio de divulgação nos anos 1960 [3] e legitimados a partir dos anos 1990 com o desenvolvimento do arXiv para manuscritos de física, matemática e áreas afins. O arXiv recebeu, em 2023, mais de 200 mil novas submissões e registrou mais de três bilhões de downloads. Com a pandemia da covid-19, os servidores bioRxiv e medRxiv, nas áreas biológicas e médicas, e o multidisciplinar SciELO Preprints foram essenciais para a comunicação rápida de novos conhecimentos. Hoje, há dezenas de servidores de preprints. Quando este texto foi escrito, o diretório da ASAPbio listava 65 repositórios e a Wikipedia listava 76, ambos incluindo o SciELO Preprints.

Os preprints são manuscritos publicados em acesso aberto em servidores especializados antes de revisão por pares e edição por periódicos. Passam por um processo de avaliação denominado moderação, que verifica o caráter científico dos artigos e os antecedentes dos autores. O objetivo é dar aos pesquisadores maior controle sobre a comunicação das suas pesquisas, definir precedência de descobertas, ideias e propostas, e acelerar e dar visibilidade aos resultados. Para atender sua natureza e objetivos, os preprints são de acesso aberto.

As duas outras práticas de comunicação na Ciência Aberta – a disponibilização dos dados de pesquisa subjacentes aos textos e a transparência nos processos de avaliação das pesquisas – são as que, na experiência do SciELO, são atualmente percebidas como as mais arrojadas e que enfrentam mais resistências. Enquanto o acesso aberto aos artigos e os preprints já publicados são práticas que ocorrem no final do ciclo de pesquisa, a abertura dos dados e dos processos de avaliação está relacionada aos processos e aos indivíduos envolvidos na construção e comunicação das pesquisas. Por isso, as justificativas para essa abertura devem ser bem fundamentadas e convincentes.

 

“O SciELO Data representa um avanço crucial na adoção da Ciência Aberta, permitindo maior transparência e visibilidade para dados de pesquisa, e abrindo caminho para uma gestão de dados mais integrada e colaborativa.”

 

A disponibilidade dos dados permite a avaliação das metodologias e resultados apresentados nos textos dos manuscritos, prática que adquiriu relevância frente à chamada crise de reprodutibilidade e replicabilidade das pesquisas comunicadas por artigos de periódicos.[4] O compartilhamento de dados fortalece a credibilidade e a cooperação entre pesquisadores, essenciais para o avanço das pesquisas. A credibilidade e a aparência de credibilidade tornaram-se vitais na comunicação de pesquisas diante da emergência dos periódicos predatórios, que não conduzem avaliações sérias, e da proliferação de artigos fabricados (paper mill).[5]

Além dessas razões inquestionáveis, a abertura de dados (ou sua disponibilidade restrita em casos especiais) tem dois efeitos-chave para a ciência. O primeiro é a preservação, pois evita a perda de dados – que, em 2014, Timothy H. Vines et al.[6] estimaram em 17% ao ano após a publicação – e o declínio nas chances de contatar os autores, que diminui 7% ao ano. O segundo é o retorno ao investimento de recursos públicos, ao contribuir para o aperfeiçoamento das pesquisas e permitir que os dados sejam utilizados por outros pesquisadores. A exigência de que o autor declare, no artigo, a disponibilização dos dados subjacentes ao texto é um critério comum para a aceitação de manuscritos em periódicos de qualidade. Exceto pela Fapesp, nenhuma outra agência de pesquisa do Brasil tem uma política explícita de gestão de dados de pesquisa.

Já a abertura dos processos de avaliação dos manuscritos submetidos aos periódicos, com a publicação dos relatórios dos pareceristas, é bastante polêmica, pois afeta uma prática centenária, aprimorada no último século e considerada essencial para atestar a confiabilidade na comunicação científica.[7] No artigo de revisão publicado em 2017 no F1000Research,[8] Tony Ross-Hellauer identificou 122 definições dos conceitos de open peer review ou open review, convergindo-as para 22 diferentes definições e propondo a seguinte: “Revisão por pares aberta é um termo guarda-chuva para várias formas sobrepostas em que os modelos de revisão por pares podem ser adaptados de acordo com os objetivos da Ciência Aberta, incluindo tornar abertas as identidades dos pareceristas e autores, publicar os pareceres das revisões e permitir maior participação no processo de revisão por pares.”

Vale a pena acessar esse artigo, publicado em sua segunda versão com quatro pareceres positivos no F1000Research, pois ele é um exemplo seminal de avaliação aberta. Outros exemplos de periódicos de prestígio que adotam a revisão por pares aberta são o BMJ Open, que informa em sua página inicial que seus “procedimentos de publicação são formulados em torno da revisão por pares totalmente aberta e da publicação contínua, disponibilizando as pesquisas online assim que o artigo estiver pronto”, e o eLife, com uma operação inovadora na qual os autores submetem preprints disponibilizados nos servidores bioRxiv ou medRxiv. Para os artigos aceitos para revisão, cada parecerista escreve uma revisão pública do artigo e recomenda melhorias aos autores. O editor e os revisores também escrevem uma “Avaliação eLife” que resume a relevância das descobertas e a força das evidências.

 

A infraestrutura de Ciência Aberta do SciELO – governança e sustentabilidade

O breve olhar sobre o porquê e os fundamentos das práticas da Ciência Aberta oferece um marco para olhar os esforços, avanços, desafios e perspectivas que molduram o desenvolvimento da infraestrutura de comunicação de pesquisas que o SciELO vem desenvolvendo nas condições do Brasil e demais países da Rede SciELO. A infraestrutura dota os pesquisadores com o poder de comunicar as pesquisas em um modus operandi mais avançado por meio de uma plataforma de gestão de coleções de objetos de comunicação que compreende o servidor SciELO Preprints, a Coleção SciELO Brasil de periódicos, o repositório SciELO Data de dados de pesquisas e a coleção SciELO Livros. Trata-se de uma das poucas plataformas de comunicação de pesquisas com essa abrangência.

Uma questão central que desafia o desenvolvimento e futuro do SciELO como infraestrutura de Ciência Aberta é a sua sustentabilidade política, financeira e operacional. É especialmente desafiador sustentar o escopo abrangente adotado pelo SciELO resumido na divisa Ciência Aberta com IDEIA e a sua implementação com governança, sustentabilidade e controle da comunidade alinhada com os Princípios para Infraestruturas Acadêmicas Abertas propostos inicialmente por Bilder, Lin e Neylon em 2015 [9] e nova versão sob revisão pública.

Entretanto, três fortalezas adquiridas e geridas cuidadosamente pelo SciELO contribuem para a sua continuidade e principalmente para sua expansão como a instância publicadora de referência do Brasil. A primeira é a condição de infraestrutura de comunicação de pesquisas abertas mais importante do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação em termos de qualidade editorial, cobertura e alinhamento com o estado da arte internacional. Esta condição é evidenciada por dados sobre a evolução da composição e desempenho do SciELO que apresentamos a seguir. O programa é implantado por projetos trienais cuja execução é realizada legal e administrativamente pela Fundação de Apoio à Universidade Federal de São Paulo (FapUNIFESP) desde 2010. A segunda é a sua governança coletiva, presente nos níveis de manutenção financeira, científica e operacional. O acordo entre a Capes, CNPq e Fapesp em prol do estabelecimento de um consórcio de manutenção dota o SciELO com o apoio político e financeiro das três principais agências de fomento à pesquisa do Brasil. O desenvolvimento das coleções de periódicos e de livros são assistidas por comitês científicos cujas funções se expressam na atualização periódica dos critérios de indexação e avaliação de desempenho segundo o estado da arte e nas decisões sobre o ingresso e permanência de periódicos e editoras na plataforma. O terceiro é o selo de qualidade que qualifica os periódicos e os orienta na direção dos padrões e boas práticas que maximizam a visibilidade, interoperabilidade e impacto. Essa condição passa a ser especialmente importante com a mudança da política de qualificação da produção intelectual dos programas de pós-graduação que finalmente passa a adotar o impacto observado dos artigos e não o da face dos periódicos, seguindo recomendações antigas e consagradas como a Declaração de São Francisco sobre Avaliação da Pesquisa lançada há 12 anos que começa com a seguinte frase “Há uma necessidade urgente de melhorar a maneira pela qual as agências de financiamento, as instituições acadêmicas e outros grupos avaliam a produção da pesquisa científica”. Como veremos mais abaixo o conjunto dos periódicos SciELO das diferentes áreas temáticas em índices de referência como o Scopus devido principalmente aos controles de qualidade das pesquisas comunicadas detém impacto médio bem acima dos periódicos não SciELO.

 

SciELO – pioneirismo e liderança no AA global

Produto da sua evolução histórica, o Modelo SciELO de Publicação e sua plataforma têm como centralidade os artigos de pesquisa e outros tipos de documentos publicados pelos periódicos indexados na coleção SciELO Brasil em AA. O AA é explicitado sem restrições com o uso das Licenças Creative Commons, que se aplicam a todos os objetos de comunicação de pesquisas, sejam textos, dados ou programas de computador, quase sempre armazenados em arquivos. Igualmente, as licenças CC0 de domínio público se aplicam aos metadados que descrevem, segundo padrões, o conteúdo e a localização dos objetos de comunicação. Os metadados, herdeiros da ficha catalográfica das bibliotecas físicas, são quase sempre armazenados em arquivos coletivos conhecidos como índices ou bases de dados, segundo os tipos de objetos que descrevem. Na web, os metadados alimentam as funções mais críticas da comunicação de pesquisas. Quando o Google Acadêmico responde a uma busca, ele a aplica a seu imenso repositório de metadados da quase totalidade dos documentos disponibilizados na Web. Todos os objetos de comunicação operados pelo SciELO têm metadados exaustivamente construídos. Os metadados dos artigos dos periódicos são os que refletem o fluxo principal da comunicação de pesquisas pelo SciELO.

Essa abordagem de acesso aberto reflete o primeiro princípio do Programa SciELO, que concebe o conhecimento científico como um bem público global e o objetivo específico permanente de maximizar a visibilidade e o impacto dos artigos e demais objetos de comunicação de pesquisas. O acesso universal viabilizado pela licença CC-BY inclui o uso dos textos e dados que comunicam pesquisas em ambientes comercializados, como os repositórios usados para treinar IAs generativas.

O modelo SciELO de coleções de periódicos de qualidade em acesso aberto foi adotado pelo Chile em 1998, no mesmo ano do seu lançamento, e nos anos seguintes por outros países que conformam a Rede SciELO, hoje operando regularmente em 17 países — 14 da América Latina, além da África do Sul, Espanha e Portugal. O pioneirismo do SciELO no acesso aberto, com apoios políticos e soluções metodológicas e tecnológicas, contribuiu para o surgimento de outros avanços em prol do acesso aberto no Brasil e demais países da América Latina. Esse empreendimento em rede colocou a América Latina na liderança da publicação de pesquisas por periódicos que publicam todos os artigos em acesso aberto sem embargo, com a denominação genérica Ouro e mais específica Diamante quando não cobram taxa de publicação.

Na Figura 2, o gráfico à esquerda mostra, por regiões do mundo para o ano de 2023 (com dados do Scimago/Scopus), a proporção de artigos de periódicos Ouro ou Diamante por região de afiliação dos autores. O gráfico central mostra a proporção de artigos Ouro e Diamante publicados nos periódicos de cada região, e o gráfico à direita mostra os artigos em qualquer tipo de acesso aberto. Assim, somente 36% dos artigos da produção científica global são publicados em periódicos Ouro e Diamante, enquanto os autores da América Latina publicam 51%. Essa liderança se deve ao fato de que 94% dos artigos publicados por periódicos da América Latina são Diamante ou Ouro. Já a proporção de artigos em qualquer tipo de AA sobe para 50%, com liderança da Europa Ocidental e da Ibero-América, graças à contribuição dos artigos híbridos, produtos dos acordos transformativos que estão mais avançados na Europa. A América Latina, onde os acordos transformativos ainda não têm presença significativa, continua em boa posição devido à alta proporção de artigos Ouro e Diamante.


Figura 2. Proporção de artigos Ouro e Diamante por região de afiliação e publicação, 2023
(Fonte: Produção dos autores)

 

Vale a pena destacar essa contribuição pioneira do Brasil ao AA como um antecedente de viabilidade e de retorno político para orientar as políticas de Ciência Aberta das agências do Brasil.

 

Coleção SciELO Brasil – periódicos rumo à Ciência Aberta com IDEIA

Os periódicos SciELO são todos de acesso aberto, editados nacionalmente sem fins de lucro, com um modelo de produção e distribuição que se diferencia dos periódicos comercializados. A Figura 3 mostra a evolução do número de periódicos e de documentos da coleção SciELO Brasil entre o ano de 1997, quando foi lançado o projeto piloto, e 2024. Ao longo dos 27 anos, foram indexados 412 periódicos, dos quais 323 estão ativos. Foram desindexados 89 periódicos, metade por mudança de nome e a outra metade por desobediência aos critérios. O crescimento anual a partir de 2015 tem sido igual ou inferior a 2%.


Figura 3. Evolução do número e crescimento anual de periódicos e de documentos da coleção SciELO Brasil
(Fonte: Produção dos autores)

 

O número de documentos na base de dados SciELO alcançou 532 mil no final de 2024, dos quais 448 mil foram indexados e disponibilizados online no ano de publicação, e os demais foram incorporados como produção retrospectiva publicada antes da indexação no SciELO. Houve uma queda média anual de 8% no número de documentos no último quinquênio, acompanhando a queda na produção científica do Brasil após a pandemia da COVID-19.

O baixo crescimento anual do número de periódicos indica que foi alcançada a coleção núcleo de periódicos de qualidade do Brasil, segundo os Critérios SciELO Brasil. Esse fato é importante, pois uma política nacional para aumentar a indexação de periódicos no SciELO, como meio de ampliar o impacto da pesquisa brasileira, vai requerer tempo e recursos para a capacitação das equipes editoriais dos periódicos candidatos e o processamento de mais periódicos e artigos.

Uma característica da indexação do SciELO enquanto programa de ciência aberta é a obediência aos princípios de DEIA (diversidade, equidade, inclusão e acessibilidade). Na verdade, esses princípios estão presentes desde a origem e conformação do SciELO, que emergiu em 1998 como índice internacional de periódicos de qualidade, complementando os índices de referência internacional e promovendo um notável salto no reconhecimento da relevância de periódicos de qualidade editados nacionalmente no Brasil e, progressivamente, nos demais países da Rede SciELO. A obediência aos princípios DEIA é assegurada pela operação em rede e pela governança coletiva, circunscrita aos critérios de qualidade e boas práticas. Assim, a indexação de periódicos é avaliada segundo a versão atualizada dos Critérios SciELO Brasil de Indexação pelo Comitê Consultivo SciELO Brasil.

As afiliações geográficas e temáticas dos periódicos e o idioma de publicação dos artigos são as dimensões mais críticas na aplicação dos princípios DEI na indexação dos periódicos. A presença dos periódicos na SciELO é determinada pela estrutura da produção científica nacional, sendo também um fator determinante no desempenho dos periódicos em relação aos acessos e citações que recebem.

Estão indexados periódicos de todas as oito grandes áreas do conhecimento da Capes, afiliados a 179 instituições de 51 cidades de 17 unidades federativas. A Tabela 1 apresenta, com dados de 2024, a composição da coleção com base na distribuição das instituições, dos periódicos e dos documentos por regiões do Brasil e por tipo de instituição. O Sudeste tem presença predominante, com 70% das instituições publicadoras, 71% dos periódicos e 75% dos documentos. Juntamente com o Sul, compõem em torno de 90% da coleção. As universidades são as principais publicadoras no Sul e no Nordeste, com mais de 60% dos periódicos e documentos, enquanto as sociedades científicas e associações acadêmicas predominam nas demais regiões. Os governos federais e estaduais publicam 12% dos periódicos e 14% dos documentos. As cinco editoras comerciais brasileiras publicam pouco mais de 1% dos documentos.

 
Tabela 1. Composição da SciELO Brasil por região e tipo de instituição, 2024
(Fonte: Produção dos autores)

 

A Figura 4 apresenta a composição de periódicos da SciELO Brasil e documentos publicados em 2024 por colégios e proporções por grandes áreas do conhecimento. Essa composição tem permanecido estável na última década, com variações mínimas e predomínio dos colégios de Ciências da Vida e Humanidades. Os periódicos de Humanidades alcançaram, em 2024, a metade da coleção, mas publicaram somente um terço dos documentos, enquanto os periódicos de Ciências da Vida (44%) publicaram cerca de 60% da coleção. Os periódicos de Ciências Físicas representam somente 12% da coleção e publicam menos de 10% dos artigos. Entre as grandes áreas do conhecimento, destacam-se as Ciências Humanas e da Saúde, que em conjunto abrangem 60% dos periódicos e 65% dos documentos.


Figura 4. Composição SciELO Brasil por colégios e áreas do conhecimento, 2024
(Fonte: Produção dos autores)

 

O multilinguismo é uma característica inerente ao desenvolvimento dos periódicos SciELO. A Figura 5 mostra a evolução entre 2015 e 2024 das proporções de artigos nos idiomas inglês (En), português (Pt), espanhol (Es) e dois ou mais idiomas simultaneamente, envolvendo principalmente o português e o inglês, e em menor grau o espanhol. A linha de ação de internacionalização do SciELO, a partir de 2014, e dos programas de pós-graduação foram determinantes na evolução da estrutura de idiomas de acordo com as áreas do conhecimento.[10]


Figura 5. Evolução do multilinguismo por colégios na SciELO Brasil, 2015-2024
(Fonte: Produção dos autores)

 

O inglês alcançou 50% dos artigos a partir de 2012 e, desde 2014, é o idioma mais utilizado, predominando na comunicação das pesquisas de Ciências da Vida e Ciências Físicas. Nos últimos dez anos, o uso do inglês cresceu a uma taxa média anual de 3%, estabilizando-se nos últimos três anos com um crescimento médio anual em torno de 1%, alcançando 77% dos artigos. Nas Humanidades, o uso do inglês cresceu a uma taxa média anual de 3%, enquanto o português teve uma queda média anual de 2%, mas continua como o idioma predominante com 72% dos artigos. Nas Ciências da Vida e nas Humanidades, há um esforço editorial notável para promover a visibilidade das pesquisas, tanto doméstica quanto internacionalmente, com o uso simultâneo do inglês, português e espanhol, com uma média de 27% e 24% nos últimos três anos, respectivamente.

Em relação à indexação internacional, tomando como referência o Scopus, que indexa 80% dos periódicos da SciELO Brasil, 82% dos periódicos não indexados são das Humanidades, com apenas 9% dos artigos em inglês. O SciELO aplica equitativamente os critérios de indexação para todos os periódicos, que são em geral mais restritivos que os da Scopus. A seletividade na indexação pela Scopus é uma iniquidade em relação aos periódicos de Humanidades, que publicam predominantemente em português. A indexação do SciELO, seguindo os princípios DEI, minimiza essa iniquidade.

Outra dimensão crítica no desenvolvimento dos periódicos do Brasil é a afiliação dos autores, tradicionalmente dominada por instituições do Brasil, embora com um crescimento sistemático de autores estrangeiros, estimulado pela linha de ação de internacionalização. A Figura 6 mostra a evolução da afiliação nacional dos autores. A afiliação estrangeira cresceu na última década a uma taxa média anual de 4%, alcançando 32% em 2024, próximo da meta de 33% almejada pelo SciELO. A autoria estrangeira é liderada pelos demais países ibero-americanos (11%) seguidos pela Asia (8%).


Figura 6. Evolução da afiliação dos autores e sua distribuição por regiões do mundo e do Brasil
(Fonte: Produção dos autores)

 

Os artigos com autor único são 13% da coleção, sendo 77% deles em periódicos de Humanidades. A colaboração entre autores do Brasil com pares do exterior estabilizou-se em torno de 8,5% nos últimos três anos. A afiliação nacional é dominada pelo Sudeste (67%) e a colaboração entre diferentes estados foi de 29%, e entre regiões, de 22%.

 

SciELO Brasil – desempenho dos periódicos e das pesquisas que comunicam

O desempenho dos periódicos é avaliado em três dimensões, segundo as particularidades das áreas de conhecimento. A primeira é a obediência aos critérios de indexação, com ênfase na adoção das inovações, atualmente centrada no nível de adoção das práticas de Ciência Aberta. A segunda é a evolução do número de acessos, que mede a visibilidade das pesquisas que os periódicos comunicam. A terceira é baseada nas citações recebidas, com base nos indicadores h5 do Google Acadêmico e I4 (média de impacto a quatro anos, similar ao indicador CiteScore da Scopus), aplicado ao SciELO Citation Index, que integra a Web of Science All Databases, e ao indicador Source Normalized Impact per Paper (SNIP) do Centre for Science and Technology Studies (CWTS), Leiden University, com dados da Scopus.

A obediência aos critérios de indexação é determinante para manter e aumentar a qualidade e o impacto dos periódicos. É essencial na adoção das práticas de Ciência Aberta nos prazos previstos. A avaliação é conduzida pelo Comitê Consultivo SciELO Brasil e compreende três áreas. A primeira abrange a continuidade do fluxo de produção dos periódicos, medida pelo número de manuscritos recebidos, aprovados e o tempo médio de aprovação, com base em uma consulta semestral ou anual aos periódicos. A segunda se refere à contribuição de cada periódico para o desempenho da área de conhecimento correspondente, considerando o número esperado de artigos publicados, a proporção em inglês e a proporção de autores estrangeiros. A terceira abrange os critérios de adoção das práticas de Ciência Aberta. A Tabela 2 mostra o estado de adoção no final de 2024, informado na reunião de final de ano do SciELO.


Tabela 2. Estado de adoção das práticas de Ciência Aberta, dezembro 2024
(Fonte: Produção dos autores)

 

Os critérios de adoção da publicação contínua e licença CC-BY tiveram adoção próxima a 100%, com um avanço geral nos critérios-chave de adesão: descrição da política editorial (61%), aceitação de manuscritos já disponibilizados como preprints (60%) e disponibilização dos dados de pesquisa (53%). A adoção abaixo de 50% na publicação do nome do editor responsável pela aprovação dos artigos revela as dificuldades para avançar na abertura do processo de avaliação por pares, que prevê como avanço mais significativo a publicação dos pareceres de aprovação.

O SciELO recomenda aos periódicos a adoção do Formulário sobre Conformidade com a Ciência Aberta, que consulta, na submissão, se o manuscrito é um preprint, se os dados subjacentes aos textos estão declarados e disponíveis e se o autor concorda com opções de abertura do processo de peer review. O formulário é educativo e permite aos periódicos avaliarem o nível de conhecimento e adoção das práticas de Ciência Aberta pelos autores. Atualmente, 48% dos periódicos já usam o formulário.

Os indicadores de adoção das práticas de Ciência Aberta indicam que o cumprimento da meta de ter todos os periódicos alinhados até o final de 2025, como requerem os Critérios SciELO, demandará uma intensificação da capacitação dos editores, equipes editoriais e empresas que prestam serviços de editoração. A dificuldade maior reside na ausência de políticas públicas em prol da Ciência Aberta e no alinhamento tradicional dos programas de pós-graduação às políticas de avaliação do Qualis, que sempre ignoraram a contribuição decisiva da abertura para o melhoramento e impacto das pesquisas. Entretanto, assim como nas inovações anteriores, há sempre um fluxo significativo de adesões tardias.

A segunda dimensão de avaliação do desempenho dos periódicos é a medida dos acessos que as pesquisas comunicadas pelos periódicos recebem. Para tanto, o Programa SciELO usa o protocolo ANSI/NISO Z39.93-2014 (The Standardized Usage Statistics Harvesting Initiative – SUSHI) para a coleta de estatísticas de uso, registradas e disponibilizadas conforme o COUNTER Code of Practice Release 5.0.2 (Counting Online Usage of NeTworked Electronic Resources). O COUNTER filtra robôs e assegura, com grande precisão, que os acessos aos arquivos (PDF, XML, HTML, etc.) sejam contabilizados corretamente. Para cada sessão do mesmo usuário, são contabilizados todos os acessos por documentos e produz-se o indicador de acesso único, que descarta possíveis acessos repetitivos ou a diferentes versões do mesmo documento.

Os acessos são também classificados como “requisições” quando se trata do documento completo e como “investigações” quando se contabilizam metadados e outros links associados aos documentos. Neste texto, consideramos somente acessos-requisições únicos. A Figura 7 mostra a evolução dos acessos únicos mensais e diários entre 2018 e 2024. Os acessos mensais, com média de 26,4 milhões e desvio padrão de 7,4 milhões (coeficiente de variação de 28%), indicam alta variabilidade entre meses e anos. A linha de tendência com melhor ajuste é a polinomial (R²=0,157).


Figura 7. Evolução do número de acessos por mês e a distribuição do acesso por áreas temáticas e idiomas entre 2018 e 2024
(Fonte: Produção dos autores)

 

A variabilidade entre meses é uma das características mais representativas da visibilidade e relevância dos periódicos SciELO, pois os picos e vales seguem o calendário dos cursos universitários no Brasil. Podemos definir a SciELO como uma das mais importantes bibliotecas da universidade brasileira. A variabilidade entre anos indica a evolução da força e exuberância da pesquisa nacional, em especial dos programas de pós-graduação.

A terceira dimensão de avaliação dos periódicos e das pesquisas que comunicam é a medida das citações recebidas, utilizando diferentes indicadores com algoritmos específicos. A Figura 8 mostra a evolução, entre 2014 e 2023, das medianas dos indicadores h5 do Google Acadêmico e I4 (similar ao CiteScore), com dados do WoS All Databases, e o SNIP, com dados do Scopus. Os dois primeiros cobrem todos os periódicos, e o SNIP, os indexados no Scopus (80%). Os indicadores de 2024 serão calculados até julho de 2025, à espera da alimentação dos artigos em atraso e do tempo de cálculo.


Figura 8. Evolução dos indicadores H5, I4 e SNIP, 2014-2023
(Fonte: Produção dos autores)

 

Os gráficos suavizados, com base na composição de cada base e no algoritmo de cálculo, mostram o crescimento do impacto das pesquisas até 2020, seguido de estagnação ou queda. O gráfico à direita mostra esse desempenho com a variação média anual do SNIP, com crescimento estável até 2020, seguido de queda acentuada. A partir de 2021, a queda no impacto normalizado dos periódicos SciELO indexados no Scopus coincide com a produção menor de artigos e a menor participação na produção científica do Brasil.

A Figura 9 apresenta, no gráfico à esquerda, a evolução entre 2014 e 2023 da proporção dos artigos do Brasil (BR) em relação à produção mundial, dos publicados em todos os periódicos do Brasil (BR em BR) e na SciELO Brasil em relação à produção do Brasil. No gráfico central, mostra a evolução do impacto normalizado do Brasil medido pelos indicadores FWCI (Field-Weighted Citation Impact) no Scopus e CNCI (Category Normalized Citation Impact) na coleção núcleo do WoS. No gráfico da direita, mostra a evolução do indicador SNIP (Source Normalized Impact per Paper) para os periódicos do Brasil SciELO e não SciELO indexados no Scopus.


Figura 9. Evolução da produção científica do Brasil por origem do periódico, desempenho normalizado e impacto dos artigos
(Fonte: Produção dos autores)

 

Os três gráficos indicam que, no período de 2014 a 2023, houve uma mudança na estrutura da comunicação de pesquisas do Brasil, com redução na participação mundial, que atingiu o pico de 2,9% entre 2017 e 2021 e caiu para 2,4% em 2024. A queda mais significativa, de 32% para 25% (-22%), ocorreu no número de artigos em periódicos do Brasil.

 

SciELO Preprints

O servidor SciELO Preprints foi lançado em 2020, no início do confinamento devido à Covid-19. Com a plataforma de software provida pelo sistema Open Preprints Systems (OPS), da mesma família de software de gestão de manuscritos da PKP, segue os padrões de servidores confiáveis, com moderação dos manuscritos submetidos, apoiada por critérios de aprovação automática centrados na seleção de artigos de pesquisas de autoria com produção científica indexada ou realizada por editores SciELO, atribuição de DOI, versionamento que permite aos autores atualizarem os preprints, preservação e promoção de indexação.

Não obstante as vantagens que os preprints oferecem, ainda há grande resistência na comunidade científica devido a vários fatores, entre os quais o compromisso de autores e editores com a tradição do registro e avaliação das pesquisas comunicadas em periódicos — prática que foi reforçada pelo sistema Qualis nas últimas três décadas — o temor dos autores de que a disponibilização em preprints afete negativamente a aceitação da pesquisa por periódicos, o medo de ter ideias e dados roubados, as dificuldades em gerir a contagem das citações recebidas da versão preprint e da versão final do periódico.

A capacidade de acelerar a comunicação das pesquisas é a contribuição mais importante que os preprints podem trazer para a coleção SciELO Brasil. Considerando os manuscritos aprovados de 2023, as medianas (em meses) entre a submissão e a aprovação foram de cinco meses para Ciências da Vida, seis meses para Ciências Físicas e sete meses para Humanidades. Já entre a aprovação e a publicação no SciELO, foram de quatro meses para Ciências da Vida e Ciências Físicas e cinco meses para Humanidades — ou seja, uma média geral de 10 meses entre a submissão e a publicação no SciELO. Os periódicos podem depositar como preprints os manuscritos aprovados enquanto realizam a edição final dos artigos, o que representa um ganho médio de quatro meses e meio para todos, especialmente em relação à visibilidade dos artigos. Entretanto, apenas 10 periódicos fazem uso frequente dessa opção.

Os critérios de indexação da SciELO Brasil exigem que os periódicos especifiquem na política editorial e nas instruções aos autores que aceitam a submissão de manuscritos já disponibilizados em servidores de preprints confiáveis. O número de periódicos que segue essa orientação é um dos indicadores de adoção da Ciência Aberta (ver Tabela 1). No final de 2024, 60% dos periódicos já seguem esse critério. A adesão a esse critério depende somente da decisão da editora ou editor-chefe.

Como propuseram em 2019 Sever R, Eisen M e Inglis J: “Se todas as agências financiadoras de pesquisa exigissem que seus beneficiários depositassem primeiro seus manuscritos em servidores de preprints — uma abordagem que chamamos de Plano U (de “universal”) — o desejo generalizado de fornecer acesso livre imediato à produção científica mundial seria alcançado com mínimo esforço e custo.” [11]

Essa proposta foi adotada em 2024 pela Fundação Bill e Melinda Gates e pode sinalizar uma opção para que as agências de fomento promovam o acesso aberto às pesquisas que financiam, independentemente do avanço do acesso aberto entre os periódicos comercializados. Se as agências e os programas de pós-graduação do Brasil adotarem os preprints como início do processo de comunicação de pesquisas, haverá certamente um aumento progressivo na qualidade, visibilidade, impacto e, provavelmente, uma diminuição de custos da produção científica brasileira.

Nos cinco anos de operação, entre 2020 e 2024, o número de manuscritos aceitos para o SciELO Preprints alcançou 3.683, com uma taxa de aprovação média de 65%. A Figura 10 mostra, no gráfico à esquerda, a evolução do número total e por colégio temático de preprints, com uma média anual estabilizada de 735 preprints — o que representa menos de 1% do número total de manuscritos submetidos anualmente aos periódicos SciELO. O gráfico central mostra a distribuição geográfica e temática, com predomínio de manuscritos do Brasil (79%), seguidos dos demais países ibero-americanos (19%) e de outras regiões (2%). Consequentemente, o idioma mais utilizado foi o português (67%), seguido pelo espanhol (17%) e pelo inglês (16%). O gráfico à direita mostra o número de acessos totais e por preprint segundo o colégio temático, com destaque para Ciências da Vida (2.250 acessos por preprint), seguidas por Humanidades (1.225) e Ciências Físicas (835).


Figura 10 Evolução e composição do SciELO Preprints e acessos servidos, 2020-2024
(Fonte: Produção dos autores)

 

A Figura 11 mostra o desempenho do SciELO Preprints comparado com os servidores bioRxiv (específico das Ciências Biológicas), Open Science Framework (OSF) Preprints e todos os preprints indexados pelo Dimensions. O número de preprints do SciELO é ínfimo (0,2%) em relação aos demais servidores, mas eles apresentam um desempenho destacado no indicador de proporção de preprints com pelo menos uma citação e, mais importante, no indicador FWCI (normalizado de citações recebidas em relação aos documentos da base do mesmo ano e área temática), que está bem acima de todos os preprints e da OSF e, como esperado, abaixo dos preprints do bioRxiv.


Figura 11. Evolução do desempenho do SciELO Preprints no Dimensions, relativo a outros servidores, 2020-2023
(Fonte: Produção dos autores)

 

SciELO Data

O SciELO Data teve início como piloto em 2020 e iniciou a operação regular em 2022. Com a plataforma de software desenvolvida pelo Projeto DataVerse do Institute for Quantitative Social Science (IQSS) da Universidade de Harvard, o SciELO Data é um repositório confiável que segue os padrões internacionais, com a estruturação dos dados e metadados alinhados aos princípios FAIR. Os arquivos de dados são disponibilizados em modo “público” com acesso aberto sob licença CC-BY ou “restrito”, usado em situações especiais, como durante o processo de avaliação do artigo ou quando se tratam de dados sensíveis que requerem disponibilidade restrita.

A tecnologia Dataverse é especialmente adequada à condição de metapublisher do SciELO, pois tem a capacidade de encapsular, em um repositório abrangente como o SciELO Data, repositórios específicos de cada periódico, com edição e curadoria de dados realizadas pelos próprios periódicos. Assim, por um lado, assegura-se a independência editorial dos periódicos, e, por outro, permite-se aos usuários o acesso tanto a cada um dos repositórios quanto ao conjunto de todos eles. Até o final de 2024, o SciELO Data implantou 59 repositórios de periódicos da SciELO Brasil, um do SciELO Preprints e outro da coleção SciELO México. O número de repositórios de dados de periódicos da SciELO Brasil ainda é pequeno (19% do total de 323 periódicos), o que é compreensível pela resistência à abertura dos dados e pela dificuldade operacional dos periódicos em adotar práticas editoriais de curadoria de dados.

O SciELO Data estrutura a coleção de arquivos de dados em três níveis: um repositório para cada periódico, um conjunto de dados para cada artigo e, por sua vez, um ou mais arquivos que podem conter dados numéricos, textuais, códigos de programas de computador etc. Os conjuntos de dados associados a cada artigo e cada arquivo do conjunto recebem um identificador único DOI atribuído pelo sistema DataCite, têm licença CC-BY e são descritos em registros de metadados normalizados que seguem os princípios FAIR. Entre os vários campos dos metadados, um aponta para os metadados do texto do artigo.

O uso de repositórios de dados representa o maior desafio para os periódicos avançarem na adoção de Ciência Aberta. Requer um avanço na política editorial para que a gestão de dados passe a fazer parte do processo de edição. Até o final de 2024, haverá um número acumulado de 63 repositórios criados, com um crescimento médio anual de 15 novos repositórios. Entretanto, apenas 25 periódicos e o servidor de preprints fazem uso sistemático do repositório. No total, os repositórios indexam 636 conjuntos de dados de artigos, que somam 4.020 arquivos e resultaram em mais de 14 mil downloads.

Os critérios de indexação da SciELO Brasil exigem que os artigos contenham uma declaração sobre a disponibilidade dos dados associados, critério que deverá ser seguido por todos os periódicos a partir de 2026. A declaração pode ter três formatos. O primeiro e mais recomendado é a indicação do endereço do conjunto de dados associado ao artigo, seja no SciELO Data ou em outro repositório. O segundo é a afirmação de que todos os dados estão integrados no texto do artigo. Por fim, a terceira opção é a afirmação de que os dados estão disponíveis mediante solicitação ao autor correspondente. Essa opção deve ser utilizada quando houver um motivo ético, de segurança, financeiro ou outro impedimento apresentado pelos autores e aprovado pelos periódicos.

 

SciELO Livros

A coleção SciELO Livros foi lançada em 2012 como parte da infraestrutura de comunicação de pesquisas do Programa SciELO. O estabelecimento da coleção foi resultado de uma iniciativa conjunta da Editora FIOCRUZ, Editora UNESP e UDUFBA, que contribuíram com o financiamento e a assistência ao desenvolvimento da plataforma, formando o núcleo inicial da rede de editoras. A Associação de Editoras Universitárias (ABEU) é parceira no desenvolvimento do SciELO Livros desde sua criação. A Figura 12 mostra, à esquerda, a evolução da composição da coleção, ao centro o número de acessos únicos e, à direita, o impacto por citações. Até o final de 2024, a SciELO Livros conta com 25 editoras ativas e 8 coleções, que publicaram um total acumulado de 2.127 livros, dos quais foram indexados 28.280 capítulos. Os acessos acumulados atingiram 126 milhões em 2024, e o acesso anual por livro estabilizou-se em torno de 2.500. O número de livros citados alcançou 75% há 10 anos, com uma média de 10 citações por livro. Como era esperado, esse número caiu progressivamente para 25% dos livros, com metade dos livros citados em 2024.


Figura 12. SciELO Livros: evolução da composição, acessos e citações, 2012-2014
(Fonte: Produção dos autores)

 

Seguindo o modelo de construção coletiva, a SciELO Livros é governada por dois comitês: o Comitê Gestor, que assiste o desenvolvimento qualificado e sustentável da coleção, e o Comitê Consultivo, responsável pela indexação de editoras e coleções, segundo critérios que exigem boas práticas relativas ao funcionamento dos conselhos editoriais, avaliação por pares e indexação de livros em processo de moderação, com foco no caráter científico.

 

O SciELO como metapublisher de comunicação de pesquisas de qualidade em Ciência Aberta

O fluxo de produção dos artigos na plataforma SciELO segue o modelo clássico no contexto dos periódicos, de acordo com suas políticas editoriais e em consonância com os Critérios SciELO de Indexação e as linhas prioritárias de ação de profissionalização, internacionalização e sustentabilidade. A Tabela 3 resume o fluxo anual de produção do conjunto dos periódicos do SciELO. Nos últimos dois anos, com a queda da produção científica do Brasil, os periódicos receberam uma média anual de 77 mil manuscritos, aprovaram 19,7 mil e publicaram 18,9 mil artigos. No contexto dos periódicos, a média do tempo de avaliação foi de aproximadamente cinco meses, enquanto nos registros dos artigos publicados, as médias de avaliação foram de 6,8 meses e 12,1 meses para o tempo total entre a submissão e a publicação no SciELO.


Tabela 3. Fluxo de produção dos periódicos SciELO Brasil , 2018-2023
(Fonte: Produção dos autores)

 

Os artigos, após aprovação pelos pares, são editados de acordo com a metodologia do Modelo SciELO de Publicação, que requer os arquivos em dois formatos: um em XML, segundo a norma ANSI/NISO Z39.96-2021 (JATS: Journal Article Tag Suite), e outro em PDF, seguindo o estilo do periódico e a organização dos arquivos de dados associados. Os artigos em XML e PDF são enviados para carga na base de dados da SciELO Brasil, e os arquivos de dados associados para o repositório SciELO Data. O SciELO promove o armazenamento, preservação digital, publicação, disseminação e interoperabilidade dos textos e arquivos de dados. Os artigos são publicados na web em formato HTML derivado da versão em XML.

O SciELO opera como uma metaeditora (metapublisher) das instituições responsáveis pelos periódicos, que, como vimos acima, somaram 179 em 2024. Como metaeditora, o SciELO assegura, ao mesmo tempo, a independência editorial dos periódicos e o desenvolvimento descentralizado de capacidades, com acesso ao estado da arte em comunicação de pesquisas a custos acessíveis. Essa modalidade segue o princípio do SciELO de trabalho em rede, governado coletivamente, que resulta em ganhos de escala e gestão de assimetrias. Assim, a operação e o financiamento do SciELO ocorrem, por um lado, descentralizadamente no contexto de cada periódico e, por outro, centralizadamente na infraestrutura central da Rede SciELO.

Em maio de 2021, o Programa SciELO estabeleceu um grupo de trabalho para sistematizar as análises, propostas e recomendações sobre a sustentabilidade do Programa SciELO diante de uma eventual redução do auxílio da Fapesp e, principalmente, das dificuldades financeiras enfrentadas por um número crescente de periódicos, em grande parte devido ao limitado fomento público, desinteresse ou limitações das instituições publicadoras e aos custos crescentes decorrentes da metodologia SciELO. As recomendações do grupo de trabalho foram aprovadas pelo Comitê Consultivo SciELO Brasil e comunicadas a todos os periódicos em julho de 2021. A Fapesp assegurou a continuidade de sua liderança no custeio de 80% a 90% do orçamento do SciELO. Quanto aos periódicos, o posicionamento do GT foi, em primeiro lugar, que “cabe, em primeira instância, às instituições publicadoras a responsabilidade pela manutenção de seus periódicos. Aquém das funções providas pelo SciELO, os periódicos operam sob as mais diferentes condições de sustentabilidade e são custeados por uma ou mais fontes de recursos, destacando-se a imperiosa necessidade de manutenção/aprimoramento das políticas editoriais públicas para o contínuo financiamento”. Após compartilhar os resultados de uma consulta com os periódicos, o GT ponderou que “os critérios de indexação do SciELO são atualmente neutros em relação aos modelos de financiamento dos periódicos. Os periódicos que enfrentam dificuldades para custear sua publicação regular têm como uma das opções a cobrança de taxas de publicação (APC). Uma das vantagens do APC é dotar os periódicos de autonomia orçamentária, o que permite planejamento com investimentos a médio e longo prazo”.

A partir de 2024, a infraestrutura centralizada do SciELO passou a ser custeada pelo Consórcio SciELO, formado pela Capes, CNPq e Fapesp, tendo como unidade orçamentária o custeio por artigo estimado em torno de USD 100,00. Já o custeio dos periódicos continua advindo de um mix de recursos aportados pelas instituições responsáveis pelos periódicos, por agências nacionais ou estaduais de pesquisa, por cobrança de taxa de publicação e alguns com patrocínios. Estimar os custos de produção nos 179 diferentes contextos dos periódicos SciELO é muito difícil. A maioria usa recursos financeiros, de infraestrutura e humanos das instituições responsáveis, difíceis de serem orçados em uma planilha normalizada para todos os periódicos. Muitos recebem recursos dos programas editoriais irregulares do CNPq com apoio da Capes (por exemplo, o “resultado final” da Chamada CNPq/Capes nº 30/2023, que disponibilizou R$ 6 milhões e contemplou um total de 260 periódicos, apoiando 64% dos periódicos da SciELO Brasil, que receberam R$ 4,2 milhões, ou seja, uma média estimada de R$ 25 mil por periódico e de R$ 435,00 por artigo, considerando uma média de 60 artigos por periódico). Em 2024, um conjunto de 89 (28%) periódicos cobrou taxas de publicação. Eles publicaram 7.188 documentos, 36% do total. Entre os periódicos que cobram taxa de publicação, 24 (7% do total) cobram taxa de submissão. As taxas de cada periódico têm diferentes valores e moedas, dependendo da afiliação nacional ou estrangeira dos autores, da vinculação a uma sociedade ou associação e das características do manuscrito. Assim, 85% dos periódicos têm dois ou mais valores, 35% têm três ou mais, 17% têm quatro ou mais, e um tem 15 diferentes valores. Estimamos, com viés para cima, uma média de USD 300,00 de taxa de publicação, que está bem abaixo da média estimada de USD 2.000,00 pela OpenAPC.

 

“A adoção do SciELO como plataforma preferencial de publicação científica no Brasil contribuirá decisivamente para fortalecer a soberania nacional, promover a equidade no acesso ao conhecimento e aumentar a competitividade internacional da ciência brasileira.”

 

Nessas condições, uma estimativa confortável é de USD 400,00 (R$ 2.200,00, ao câmbio de R$ 5,50 por dólar) por artigo. Considerando que o custeio na plataforma SciELO gira em torno de USD 100,00 (R$ 550,00) por artigo, o custo total de um artigo publicado na plataforma SciELO gira em torno de USD 500,00 (R$ 2.750,00). Entretanto, quando o processo do fluxo editorial é realizado pelo SciELO, devido à combinação de eficiência e alta produtividade gerada por ganhos de escala, esse custo se reduz à metade (USD 250,00 por artigo), mantendo-se a política editorial e a avaliação por pares sob responsabilidade integral dos periódicos e sem custos de tradução. Nessas condições, o custo total estimado de produção do SciELO é de USD 5 milhões. Com base no Scopus de 2024, esse custo cobre 15% da produção científica do Brasil, que gira em torno de 5% do seu custeio total estimado em USD 100 milhões, considerando 70 mil artigos com primeiro autor brasileiro. Assim, o SciELO, como metaeditora dos periódicos de qualidade do Brasil, com custos por artigo em torno de 12% do custo médio dos publishers comerciais, representa, além da possibilidade de aumentar o impacto da pesquisa brasileira, uma solução disponível para reduzir os custos da comunicação da produção científica do Brasil.

 

Conclusão: O SciELO como infraestrutura nacional de comunicação de pesquisas em Ciência Aberta

A trajetória inovadora e bem-sucedida de 27 anos de comunicação de pesquisas em AA e, ultimamente, no modus operandi de Ciência Aberta qualifica o SciELO como componente estratégico do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação. Três características fundamentais derivadas do artigo sustentam essa posição.

A primeira é sua governança superior, estabelecida em três níveis convergentes: político-financeiro, com o consórcio nacional formado pela Capes, CNPq e Fapesp; científico, com comitês consultivos que orientam o desenvolvimento das coleções segundo o estado da arte internacional; e operacional, com uma rede descentralizada de cerca de 180 instituições responsáveis por mais de 320 periódicos, que compartilham metodologias, tecnologias e boas práticas. Essa estrutura de governança promove construções coletivas e assegura a sustentabilidade do programa, além de seu alinhamento com as políticas, programas e comunidades nacionais de pesquisa.

A segunda característica é o alto impacto alcançado pelos periódicos SciELO até 2020, evidenciado pelo desempenho consistentemente superior em diferentes métricas. Os periódicos SciELO mantiveram, na última década, o indicador SNIP médio (0,619), significativamente maior que os demais periódicos brasileiros não-SciELO (0,361), demonstrando que a plataforma contribui efetivamente para a maximização da visibilidade e impacto da produção científica nacional. Este desempenho é ainda mais relevante para a comunicação de pesquisas, considerando que o SciELO opera com custos substancialmente menores que as editoras comerciais.

A terceira característica é a implementação abrangente das práticas de Ciência Aberta com IDEIA (Impacto, Diversidade, Equidade, Inclusão e Acessibilidade), que dota o Brasil com uma infraestrutura avançada e integrada de comunicação científica. O SciELO opera uma plataforma completa que compreende preprints, periódicos, dados de pesquisa e livros acadêmicos, todos em acesso aberto e interoperáveis internacionalmente. A interface também promove a avaliação por pares informada.

Essas características emergem em um contexto em que a evolução da pesquisa nacional e sua comunicação carecem de aperfeiçoamentos. O primeiro, derivado de dados bibliométricos, é o aprimoramento da qualidade das pesquisas como fator determinante para o impacto da produção científica nacional. O segundo é a atualização dos critérios de avaliação da produção científica dos programas de pós-graduação, com base no impacto observado das pesquisas, e não mais no impacto previsto do periódico. O terceiro é dotar a política nacional de acordos transformativos com equidade, valorizando os artigos dos pesquisadores brasileiros publicados em periódicos de qualidade, tanto no Brasil quanto no exterior, e editados por editoras comerciais. A adoção do SciELO como plataforma preferencial de publicação científica no Brasil, como parte do fluxo global de comunicação de pesquisas, contribuirá decisivamente para esses aperfeiçoamentos e representa uma oportunidade estratégica para fortalecer a soberania nacional na comunicação de pesquisas, promover a equidade no acesso ao conhecimento e aumentar a competitividade internacional da ciência brasileira.

 

Capa. assinatura do memorando de entendimento entre a CAPES, CNPq e FAPESP com a presença da Presidente da CAPES, do CNPq e do Diretor científico da FAPESP.
(Foto: SciELO. Reprodução)
[1] Packer, A. L. (2020). The Pasts, Presents, and Futures of SciELO. The MIT Press EBooks, 297–314. https://direct.mit.edu/books/oa-edited-volume/chapter-pdf/2253781/9780262363723_c002100.pdf. Acesso: 24/02/2025
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Abel L Packer é coordenador de projetos da FapUNIFESP, cofundador do SciELO, um Programa pela Capes, CNPq e FAPESP. Foi diretor da BIREME/OPAS/OMS entre 1999 e 2010. É diretor do Programa SciELO desde 2010. Possui graduação em Business Management e mestrado Master of Library Science – Syracuse University. Tem experiência em desenvolvimento de projetos de gestão de informação e conhecimento científico.

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