Como uma descoberta acidental no litoral paulista desafiou paradigmas da biologia e pavimentou o futuro da ciência genética no Brasil e no mundo.
Como muitos avanços na ciência, a principal descoberta de Crodowaldo Pavan nasceu de um acaso. No final da década de 1940, durante uma expedição de coleta de drosófilas em Mongaguá, litoral sul de São Paulo, Pavan chutou uma bananeira caída e encontrou, sob ela, o que inicialmente pensou serem vermes. O olhar atento do cientista, entretanto, transformou o incidente em uma das descobertas mais relevantes da genética molecular: as larvas eram de uma mosca do gênero Rhynchosciara, mais tarde identificada como R. americana. Esse pequeno inseto revelou um fenômeno até então inimaginável: a amplificação gênica.
“A descoberta derrubou um paradigma científico e abriu novas fronteiras para a genética.”
Até a década de 1950, acreditava-se que o DNA era constante em quantidade e estrutura nas células de qualquer organismo. No entanto, ao estudar os cromossomos politênicos das glândulas salivares da Rhynchosciara, Pavan identificou os chamados “pufes” — regiões que cresciam significativamente. Essa observação o levou a descrever o fenômeno da amplificação gênica, no qual genes específicos fazem cópias extras de DNA em momentos cruciais do desenvolvimento celular. A descoberta, publicada em 1955 em colaboração com Marta Breuer, derrubou um paradigma científico e abriu novas fronteiras para a genética.

Figura 1. Representação minuciosa dos cromossomos feita por Marta Breuer até hoje é referência
(Fonte: Reprodução)
Contribuições para a ciência mundial
A amplificação gênica, além de desafiar as bases da biologia molecular, forneceu ferramentas conceituais para avanços como a técnica de PCR (reação em cadeia da polimerase), essencial para estudos de DNA e amplamente usada em laboratórios ao redor do mundo. Essa conexão entre as descobertas pioneiras de Pavan e tecnologias modernas demonstra como seu trabalho antecipou caminhos inovadores na genética.
“A amplificação gênica forneceu ferramentas conceituais para avanços como a técnica de PCR.”
Além disso, Pavan não apenas produziu conhecimento, mas também influenciou diretamente o desenvolvimento de novos pesquisadores e laboratórios no Brasil, consolidando um dos pilares da genética nacional.
Uma carreira de impacto
Antes de suas descobertas com a Rhynchosciara, Pavan já demonstrava curiosidade científica e dedicação. Durante seu doutorado, estudou o bagre-cego Typhlobagrus kronci, que habita cavernas em Iporanga (SP). Posteriormente, influenciado por Theodosius Dobzhansky, voltou-se ao estudo de drosófilas, contribuindo para a descrição e catalogação de espécies brasileiras.
Nos anos 1970, Pavan ampliou sua atuação para áreas de relevância econômica, sugerindo que cientistas estudassem insetos prejudiciais à agricultura. Em seus últimos anos, voltou-se ao papel das bactérias na fixação de nitrogênio, demonstrando seu interesse contínuo por questões cruciais para a biologia e a sociedade.

Figura 2: Crodowaldo Pavan em laboratório do Departamento de Biologia Geral (1958)
(Foto: Arquivo família Pavan. Reprodução)
Um legado para o futuro
Mais de meio século após suas descobertas, o impacto do trabalho de Pavan ressoa na biologia molecular e na genética aplicada. Suas contribuições ajudaram a construir bases para debates atuais sobre biologia sintética e organismos geneticamente modificados, áreas que moldam o futuro da ciência e da tecnologia.