Biodiversidade: haverá um mapa para este tesouro?

É importante divulgar e usar as informações valiosas que nosso patrimônio tem

Resumo

O Brasil, com sua vasta biodiversidade, é comparado a um grande tesouro que precisa ser explorado com responsabilidade. Para aproveitar essa riqueza de maneira sustentável, é crucial o suporte do conhecimento científico em projetos que investiguem e apliquem racionalmente esses recursos. Visando a preservação e uso responsável dessa biodiversidade, especialistas discutem suas pesquisas no Núcleo Temático da Ciência & Cultura para orientar políticas que garantam o crescimento sustentável e o contínuo estudo do Brasil.
“Diversidade biológica” significa a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas.
(Artigo 2 da Convenção sobre Diversidade Biológica)

 

O Brasil, país de dimensões continentais, sabidamente possui uma enorme biodiversidade, sendo definida como a maior do planeta. Possuir muito, e de diferentes fontes, ecoa aos nossos sentidos como ter à disposição, ao alcance de todos, um grande tesouro. No entanto, todos sabemos que um grande tesouro escondido em locais inacessíveis, ou mesmo localizado sob os nossos olhos, sem que tenhamos possibilidade de enxergá-lo, significa um grande sonho… e sonhos não costumam tornar-se realidade… podem até evoluir para pesadelos…

Assim, fica evidente que o conhecimento científico, embasado em fatos, é essencial para dar suporte a hipóteses que gerem projetos que permitam expandir esses conhecimentos e servir de partida para projetos que permitam a aplicação racional e sustentada dessa riqueza. Todos sabem que a pior atitude é “…matar a galinha dos ovos de ouro…”. Portanto, precisamos saber de onde vêm os ovos, e como cuidar da galinha e fazê-la reproduzir para que possamos transmitir essa riqueza como herança.

 

“Fica evidente que o conhecimento científico, embasado em fatos, é essencial para dar suporte a hipóteses que gerem projetos que permitam expandir esses conhecimentos e servir de partida para projetos que permitam a aplicação racional e sustentada dessa riqueza.”

 

Com o objetivo de dar subsídios concretos para que o Brasil possa usufruir de sua biodiversidade, na nossa e nas futuras gerações e para que leis que têm como objetivo primário proteger, não sejam impeditivas a ponto de penalizar os que buscam entender como esses “ovos de ouro” são gerados, especialistas de diferentes áreas reunidos neste Núcleo Temático da Ciência & Cultura expõem os seus dados e opiniões. Este número servirá para sinalizar e fomentar o debate do tema dentro da SBPC e da sociedade científica para que esta possa se posicionar de forma organizada frente aos desafios da busca e da aplicação responsável desses conhecimentos. Somente assim poderemos planejar e executar políticas norteadoras que não tragam no bojo impedimentos ao crescimento sustentado da nação e ao estudo do Brasil pelos brasileiros.


Figura 1. Brasil possui maior biodiversidade do planeta
(Foto: Leandro Cagiano/ Greenpeace. Reprodução)

 

Na organização deste núcleo procuramos inicialmente responder à pergunta básica, “O que sabemos sobre nosso acervo biológico?”. A importância das coleções científicas, do descobrir, descrever e inventariar a diversidade das espécies é destacado pelas pesquisadoras da área de Botânica – Ariane Luna Peixoto (UFRRJ) e Jardim Botânico – RJ) e Marli Pires Morim (Jardim Botânico – RJ) e pelos zoólogos Hussam Zaher (Museu de Zoologia da USP) e Paulo S. Young (Museu Nacional da UFRJ). Vanderley Canhos (Cria – Centro de Referência em Informação Ambiental) faz o mesmo com relação às coleções de microorganismos. Como expõem os pesquisadores, o problema não é só inventariar, mas também tornar disponíveis e utilizar as informações fabulosas que esse valioso patrimônio encerra. Neste contexto, também está incluído o texto de Guita Grin Debbert (Unicamp), onde é discutida a ética dentro da pesquisa científica, com uma importante ênfase na antropologia. A recontextualização de informações e sua utilização têm que ser debatidas quando encaramos a grande diversidade do território nacional.

 

“Finalmente, vem a questão de como usufruir das informações obtidas, como regulamentar a sua utilização e como, de forma organizada, congregar cientistas com diferentes capacitações sob um projeto comum.”

 

A existência dessa enorme biodiversidade tem implicações diretas para a saúde humana e animal? Esta importante pergunta é avaliada, quanto à saúde animal, no artigo de José Luiz Catão-Dias (USP) sobre a relevância do conhecimento sobre doenças infecciosas de animais silvestres para a proteção de nosso patrimônio biológico e como questão central para nosso futuro bem-estar. Para conservar é preciso conhecer.

Como o homem pode utilizar esses conhecimentos. É sobre esta óptica que os pesquisadores Elaine Elizabetsky (UFRGS) e João Batista Calixto (UFSC) escrevem seus artigos. O primeiro versando sobre a Etnofarmacologia, ou seja, “a exploração científica interdisciplinar dos agentes biologicamente ativos, tradicionalmente empregados ou observados pelo homem” e o segundo avaliando as possibilidades de utilização de fitoterápicos e fármacos derivados de produtos nacionais. Neste artigo são apontadas direções e metas que permitam ao Brasil usar o seu parque científico para esse desenvolvimento.


Figura 2. Museus dão maior visibilidade para biodiversidade do Brasil e a necessidade de preservação
(Foto: Marcos Santos/ USP. Reprodução)

 

Finalmente, vem a questão de como usufruir das informações obtidas, como regulamentar a sua utilização e como, de forma organizada, congregar cientistas com diferentes capacitações sob um projeto comum. Gostaríamos de ter incluído um texto sobre o problema da biopirataria, diretamente relacionado ao tema da biodiversidade e tão em moda, mas a limitação de espaço e a profundidade de tratamento que requer não nos permitiram fazê-lo.

São descritos dois projetos em andamento. O primeiro chamado de “Memória Naturalis”, assinado por Leandro O. Salles (Museu Nacional – RJ), Peter Mann de Toledo (Museu Paraense Emílio Goeldi) e Marcos Tavares (Museu de Zoologia da USP) que pretende viabilizar a formação de uma rede informatizada dos acervos das coleções nacionais. Os pesquisadores contam os passos que, iniciados sob a égide do MCT em reunião realizada em 2002, resultaram na carta de Brasília e permitirão ao Brasil unir as diferentes coleções e facilitar o seu acesso e estudo. Saber qual é e onde está nosso acervo biológico é uma questão estratégica para o país.

 

“É muito importante que seja entendida a complexa legislação gerada sobre o assunto, e qual a relação da mesma com as atividades de pesquisa científica.”

 

Em outro artigo que mostra a relevância do trabalho multidisciplinar, Carlos Alberto Joly (Unicamp) e Érica Speglich (Cria) relatam a história e o sucesso do projeto Biota/Fapesp que nasceu de uma vontade da comunidade paulista e permitiu a formação de uma rede de projetos e a organização dos pesquisadores envolvidos no desvendar da biodiversidade do estado. No artigo, os pesquisadores não só relatam o projeto em si, mas fornecem os endereços já disponíveis para consulta.

Ainda no tópico de gerenciamento, é muito importante que seja entendida a complexa legislação gerada sobre o assunto, e qual a relação da mesma com as atividades de pesquisa científica. É importante que o país tenha uma legislação própria que permita salvaguardar suas riquezas, mas a não utilização e o desconhecimento fazem com que qualquer riqueza seja inócua. Este assunto é tratado por Walter Colli (USP) que fez um importante levantamento das leis, portarias e outros instrumentos legais que versam sobre o tema. O cotejamento destas com a própria constituição brasileira visa dar uma perspectiva que admita a busca do conhecimento de forma continuada e progressiva, sem deixar de lado, sua possibilidade de exploração e a necessidade da conservação. Em outras palavras, como pode ser legislada a exploração sustentada de nossas riquezas. O último artigo versa diretamente sobre o gerenciamento de projetos que possam direcionar o esforço de cientistas de diferentes áreas para a colocação de produtos no mercado. Este é o tópico tratado por Miguel Trefaut Rodrigues (USP), onde são analisadas as formas de execução sendo exemplificados modelos que poderiam contribuir para colher os nossos “ovos de ouro”, não só mantendo a galinha, mas também gerando descendência para a biodiversidade brasileira ser algo mais que história para os nossos filhos e netos.


Texto publicado originalmente em:
MARKUS, Regina Pekelmann e RODRIGUES, Miguel Trefaut. Biodiversidade: haverá um mapa para este tesouro? Cienc. Cult. v.55 n.3 São Paulo jul./set. 2003
Leia o texto original em:
http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v55n3/a15v55n3.pdf
* Esse texto foi atualizado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Capa. Ter muito, de fontes diferentes, é como ter um grande tesouro.
(Foto: Michel Gunther / WWF. Reprodução)
Regina Pekelmann Markus é professora emérita do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo e Pesquisadora Sênior do CNPq.
Miguel Trefaut Rodrigues é professor aposentado do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo desde 1996, foi Diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (1997-2001), Membro do Conselho Deliberativo de Curadoria das Coleções Científicas Zoológicas do Instituto Butantan (2003-2007) e do International Herpetological Committee.

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