A Caatinga

Um bioma exclusivamente brasileiro

Resumo

O Brasil é o país mais megabiodiverso do mundo, abrigando uma diversa variedade de ecossistemas, como o Pantanal, Cerrado, Mata Atlântica, Amazônia, Pampa e Caatinga. A Caatinga é um bioma exclusivamente brasileiro que ocupa aproximadamente 54% da Região Nordeste e 11% do território nacional, distribuído em nove ecorregiões distintas. Apesar de sua importância para a biodiversidade brasileira, a Caatinga ainda continua sendo um dos biomas menos conservados e conhecido cientificamente do país. A vegetação da Caatinga faz parte de um sistema global chamado Florestas e Arbustais Tropicais Sazonalmente Secos (FATSS) com a maior diversidade de espécies entre os núcleos de FATSS no Novo Mundo. A Caatinga é marcada por variações climáticas, vegetação diversificada e espécies únicas, formando um mosaico de flora, fauna e relevo. No entanto, a exploração dos recursos naturais ameaça este rico bioma que possui apenas 8% de proteção dentro das unidades de conservação. Nas últimas décadas, a Caatinga vem passando por um processo de degradação ambiental, causado pelo uso não sustentável dos seus recursos naturais e agravado pelo aumento da temperatura média global devido às mudanças climáticas. Isso está resultando na rápida extinção de suas espécies únicas, muitas das quais desaparecem antes mesmo de serem catalogadas e estudadas cientificamente. Apesar disso, a Caatinga ainda continua sendo o lar de milhões de pessoas que desenvolveram estratégias específicas para lidar com as condições do clima semiárido, especialmente durante longos períodos de estiagem. Essa interação entre o homem e este bioma é digna de destaque. Assim, o presente artigo de divulgação científica apresenta uma abordagem geral das principais características e a atual conjuntura do bioma Caatinga, abordando sua biodiversidade única, em relação às espécies vegetais e animais, com especialidade nas adaptações às condições semiáridas. Além disso, também será apresentado de forma geral os principais desafios enfrentados pela Caatinga, como a degradação do habitat devido à exploração insustentável, o desmatamento, as espécies em extinção e as ameaças crescentes das mudanças climáticas. Por fim, foi destacada a importância das iniciativas e projetos que visam proteger e restaurar a Caatinga, e a divulgação dos desafios futuros que este bioma enfrenta, incluindo as projeções de perda de espécies devido às mudanças climáticas, e a necessidade de conscientização e ação para preservar e restaurar a Caatinga.

Introdução

O Brasil lidera a lista entre os países mais megabiodiversos do planeta,[1,2] composto por uma variedade de ecossistemas, que incluem desde áreas alagadas (Pantanal), savanas (Cerrado), florestas tropicais úmidas (Mata Atlântica e Amazônia), pastagens (Pampa) até as vegetações bem definidas, inseridas entre os núcleos das Florestas Tropicais Sazonalmente Secas, como a Caatinga.[3,4] A floresta semiárida da Caatinga é lar de uma das maiores e mais densamente povoadas áreas de terra seca do planeta. Essa região, localizada predominantemente no Nordeste do Brasil, é uma unidade fitogeográfica bem definida com mais de 900.000 km², que engloba múltiplos tipos de vegetação organizados em nove ecorregiões distintas.[5] A Caatinga se estende por praticamente toda a região Nordeste e seus estados federativos, bem como o norte de Minas Gerais. Apesar de ser considerada um ponto de destaque em biodiversidade, a Caatinga permanece como uma das regiões biogeográficas menos estudadas entre os biomas brasileiros,[3,6] ainda que pesquisas científicas tenham aumentado consideravelmente nessa temática na última década.[7,8] Ao referenciar um bioma específico, é fundamental destacar, primeiramente, a vegetação que o define (Figura 1). A vegetação característica da Caatinga pertence a um bioma global denominado Florestas e Arbustais Tropicais Sazonalmente Secos (FATSS), conhecido como SDTFW em inglês. Sua importância primordial reside no fato de que esse bioma, exclusivamente brasileiro, representa a maior e mais contínua extensão dentro da categoria de Florestas e Arbustais Tropicais Sazonalmente Secos, além de abrigar a mais vasta diversidade de espécies entre os núcleos de FATSS no Novo Mundo.[9]


Figura 1: A composição florística e geomorfológica da Caatinga fazem uma composição única da paisagem. Lugares como este são singulares em um bioma que ainda é considerado como pouco estudado e explorado.
(Fonte: Elaborado pelos autores)

 

As interações entre plantas e animais na Caatinga refletem fortemente o uso mutualístico, como a polinização e a dispersão de sementes, bem como mutualismos de proteção entre formigas e plantas. Além disso, também são observadas interações antagônicas, como a herbivoria. As relações entre plantas e seus polinizadores são o tipo de interação planta-animal mais amplamente pesquisado na Caatinga.[10, 11, 12] Diversos vetores de polinização já foram documentados no bioma,[12] distribuídos em cerca de 13 tipos de sistemas de polinização, destacando-se por formigas, morcegos, abelhas, besouros, borboletas, “diversos pequenos insetos”, beija-flores, lagartos, mariposas, mamíferos não-voadores, esfingídeos, vespas e vento.  Com relação à herbivoria, efetivamente, há uma escassez de investigações que se evidencia no que tange esta temática, sendo que a maioria dos estudos direciona seu enfoque para a resposta dos insetos herbívoros diante das pressões ambientais peculiares a este bioma, ou seja, a relação planta e estresse ambiental. Pesquisas que abordam as características de defesa das plantas contra herbívoros na Caatinga são ainda mais escassas.[13]

O ambiente morfoclimático da Caatinga é classificado por meio de uma notável combinação de fatores climáticos, geomorfológicos, hidrológicos, pedológicos e botânicos.[14] Neste domínio fitogeográfico, encontramos uma variação climática marcante, relevos e paisagens diversas, uma ampla gama de fitofisionomias, uma variedade de tipos de solos e abundantes estruturas geológicas.[15] No que concerne aos solos, a Caatinga apresenta substratos pedregosos e rasos com grande presença de afloramentos de rochas maciças. A formação desses solos iniciou com o processo de pediplanação, seguido de erosão, predominando o intemperismo físico ao longo de milhões de anos na região Nordeste do Brasil.[16] Em resumo, os solos resultam da interação complexa de diversos fatores ambientais, como o tempo, clima, relevo e os processos mecânicos, químicos e biológicos.[17]

Apesar da sua grande importância, a Caatinga é um dos biomas mais ameaçados do Brasil pela constante exploração dos seus recursos naturais: apenas 8% da sua extensão estão dentro de unidades de conservação e menos de 2% estão dentro de unidades de conservação integral (CNUC/MMA), o que tem levado ao desmatamento e a degradação florestal com impactos na biodiversidade, nos serviços ecossistêmicos e na fragmentação do bioma.[18] Contudo, estudos recentes mostram endemismo de cerca de 54% para peixes, 48% para lagartos, 23% para plantas, 20% para anfíbios e 6% para mamíferos no bioma.[19]

 

“A Caatinga passa por um extenso processo de alteração e deterioração ambiental provocado pelo uso insustentável dos seus recursos naturais e acelerado pelas mudanças climáticas que vem aumentando ano a ano a temperatura média na Terra.”

 

A Caatinga se destaca por apresentar uma vegetação composta predominantemente por espécies de baixa a média estatura, principalmente arvoretas e arbustos.[20] Muitas dessas espécies são sofisticadamente adaptadas às condições do ambiente semiárido, demonstrando uma variedade de estratégias para assegurar sua sobrevivência. Estas incluem a capacidade de reter água nos tecidos, a queda de folhas para minimizar a perda de umidade durante os períodos de seca e ciclos de floração definidos conforme os períodos chuvosos,[21] bem como adaptações fisiológicas que refletem na produção de metabólitos e proteínas especializados. Além disso, as espécies da Caatinga podem estar adaptadas a longos períodos de seca, enquanto algumas espécies podem ser extremamente vulneráveis a mudanças climáticas rápidas. Apesar da alta diversidade, atualmente apenas metade de sua floresta original está preservada, sendo que a maior parte continua desprotegida por lei.[22] A fragmentação deste bioma influencia negativamente algumas interações ecológicas em múltiplos níveis e, consequentemente, a adaptação da biodiversidade nativa e endêmica em cenários degradados, favorecendo principalmente a sobrevivência de plantas xerófitas que apresentam adaptações especiais tanto estruturais quanto funcionais.[18, 21] As plantas xerófitas são espécies vegetais adaptadas a condições áridas (desérticas) e semiáridas (secas de longo prazo), e são encontradas em regiões com pouca disponibilidade de recursos hídricos.[23] No Brasil, as plantas xerófitas ocorrem com maior evidência no bioma Caatinga e possuem características morfológicas particulares que permitem diferenciá-las de outros grupos vegetais, como a perda das folhas, aumento da raiz e interrupção do crescimento das partes aéreas nos períodos de seca.[18, 21] A exposição virtual “Caatinga em foco: biodiversidade, ciência e preservação” está hospedada no site do Museu Câmara Cascudo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e apresenta características do bioma, bem como, de forma especial, de uma planta considerada como resistente à dessecação, e, portanto, chamada planta da ressurreição. Trata-se de Selaginella convoluta, uma licófita conhecida como mão fechada ou jericó, utilizada popularmente para tratar de problemas urinários femininos. Ao acessar a exposição virtual, o visitante tem a oportunidade de conhecer melhor intrigantes características e impacto da Caatinga e sua preservação na vida cotidiana.

Devido à fácil adaptação de algumas espécies vegetais a condições extremas de seca, tais como o umbuzeiro (Spondias tuberosa Arruda), baraúna (Schinopsis brasiliensis Engl.), imburana (Commiphora leptophloeos Mart. J.B. Gillett.), jurema-preta (Mimosa tenuiflora Willd. Poir.), e quixabeira (Aideroxylon obtusifolium [Humb. ex Roem. & Schult.] T.D. Penn.) se mostraram promissoras na restauração da Caatinga.[24, 25, 26] O Laboratório da Ecologia da Restauração (LER), sediado na UFRN, desenvolve o projeto de Restauração da Caatinga liderado pela professora Gislene Ganade desde junho de 2016. Além de extensos resultados disponíveis em artigos científicos do grupo ao longo dos anos, informações interessantes podem ser obtidas no canal do YouTube do LER.

Vale ressaltar que as espécies vegetais como baraúna e quixabeira, somadas com as espécies aroeira-do-sertão (Myracrodruon urundeuva Allemão) e umburana-de-cheiro (Amburana cearensis Allemão A.C. Sm.) foram consideradas vulneráveis ou em perigo de extinção, por serem frequentes na área e por sua importância ecológica na Caatinga. Além de seu papel biológico na comunidade vegetal, estas espécies são extremamente importantes para a fauna local, uma vez que suas folhas, flores e frutos servem de alimento para répteis, aves, mamíferos e insetos.[28] Em relação à fauna, as espécies como a onça-parda (Puma concolor), a onça-pintada (Panthera onca), o gato-do-mato (Leopardus tigrinus), o guigó-da-Caatinga (Callicebus barbarabrownae), que é o único primata endêmico deste bioma, merecem atenção pela eminente ameaça de extinção.[27]

A Caatinga passa por um extenso processo de alteração e deterioração ambiental provocado pelo uso insustentável dos seus recursos naturais e acelerado pelas mudanças climáticas que vem aumentando ano a ano a temperatura média na Terra. Isso reflete na rápida perda de espécies únicas (muitas delas são extintas antes mesmo de serem catalogadas e investigadas cientificamente) (Figura 2), eliminação de processos ecológicos chaves e na formação de áreas extensas de desertificação na Região Nordeste.[28, 29, 30] Pesquisas recentes apontam que as mudanças climáticas podem acarretar perda de espécies da fauna e da flora em 90% desse bioma até 2060, a projeção é que a redução da variabilidade das espécies vegetais atinja 40% do território e, ainda, há o prognóstico de que 93% do bioma apresente substituição de espécies arbóreas por gramíneas, herbáceas e suculentas.[6]


Figura 2: Com o avanço das ações antropológicas, é possível que num futuro próximo a Caatinga perca grande parte da sua biodiversidade. Espécies endêmicas, como umbuzeiro (Spondias tuberosa L.) [F] árvore símbolo, considerada como a grande árvore sagrada do sertão, pode desaparecer ou tornar-se uma espécie ameaçada de extinção.
[A]: Xiquexique (Pilocereus gounellei (A. Weber ex K. Schum.) Bly. ex. Rowl); [B]: Corda-de-viola (Ipomoea nil) (L). Roth.; [C]: Mulungu (Erythrina velutina Willd.); [D]: Jetirana ( Ipomoea longeramosa CHOISY); [E]: Macambira (Bromelia laciniosa); [F]: Umbuzeiro (Spondias tuberosa L.); [G]: Passiflora spp.; [H]: Imburana (Commiphora leptophloeos)
(Fonte: Elaborado pelos autores)

 

Por ser uma das vegetações mais sensíveis às mudanças climáticas no mundo, cerca de 94% da Caatinga apresenta risco entre moderado a alto de desertificação.[31] As projeções climáticas futuras indicam secas mais prolongadas e temperaturas mais elevadas na Região Nordeste do Brasil, o que reduzirá o habitat de espécies nativas e endêmicas, e impactará diretamente nas funções ecossistêmicas, como a baixa disponibilidade de água.[19]

A gestão da política ambiental no Brasil em seu passado recente coleciona iniciativas desastrosas em relação à biodiversidade, tanto seu estudo científico como sua conservação. De fato, a Caatinga nunca foi prioridade de Estado. Isso foi agravado pelo recente desmonte dos dois maiores órgãos ambientais do país, o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Esses órgãos ligados ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima são de extrema importância na fiscalização e na implementação de ações através da liderança ambiental, criando acordos e sistemas de gestão descentralizados, a fim de combater o desmatamento e a degradação florestal.[31] Diante do grande desafio da preservação e restauração da Caatinga em larga escala, há uma demanda urgente por ações que auxiliem as tomadas de decisões na realização e elaboração de projetos e de políticas sustentáveis tanto no presente quanto no futuro.[32] A mitigação dos impactos da desertificação da Caatinga em paralelo às perdas do bioma causadas pelas mudanças climáticas começa pela revisão das nossas relações com o meio ambiente de forma geral. Um problema multifatorial e complexo requer uma solução igualmente multifacetada e com diversos atores trabalhando com o mesmo objetivo, entre eles: governos, empresas, organizações não governamentais e os cientistas, de forma multidisciplinar, aliando conhecimentos em ecologia com bioeconomia. O momento não poderia ser mais propício para avançar nesse sentido, visto que a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu a Década da Restauração de Ecossistemas entre 2021 e 2030.

A Caatinga é o berço de cerca de 27 milhões de pessoas que sobrevivem em meio à aridez. Os catingueiros são sertanejos, vaqueiros, agricultores, além de indígenas Tumbalala, os Xukurus e os Pankararu e os quilombolas de Conceição das Crioulas. Uma população que ao longo de gerações desenvolveu estratégias para lidar com a escassez de água.[33]

 

“A seca fez eu desertar da minha terra

Mas felizmente Deus agora se alembrou

De mandar chuva pra esse sertão sofredor

Sertão das muié’ séria, dos home’ trabalhador

De mandar chuva pra esse sertão sofredor

Sertão das muié’ séria, dos homens trabalhador”

 

Luiz Gonzaga e Zé Dantas compuseram a música “A Volta da Asa Branca” em 1950, eternizada na voz do próprio Luiz Gonzaga, que traz uma narrativa de trabalho, migração, luta e resiliência,[34] temas que representam o trabalho e a vida do sertanejo, entre idas e vindas, para garantir o sustento da sua família frente à escassez de água. (Figura 3)


Figura 3: Açude Gargalheiras. As imagens representam o período de estiagem e chuva respectivamente. Localizado no município de Acari-RN, o reservatório inaugurado oficialmente no dia 27 de abril de 1959 tem capacidade total de 44.421.480,00 m³. Atualmente é considerado como patrimônio cultural, histórico, geográfico, paisagístico, ambiental e turístico do Rio Grande do Norte e foi utilizado como cenário nas filmagens do filme “Bacurau”, de 2019.
(Fonte: Elaborado pelos autores)

 

Esse cenário, embora propício para romances e músicas, ainda é um grande desafio para as populações que sofrem com o baixo desenvolvimento econômico e de políticas públicas que fomentam o desenvolvimento sustentável e tecnológico, bem como o aproveitamento de mão de obra das comunidades locais.

O Sistema de Inteligência Territorial Estratégica (S.I.T.E) do bioma Caatinga, desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), com informações geradas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), busca fornecer subsídios para a elaboração de sínteses de contextualização para a melhor compreensão e gestão do bioma a fim de compreender a realidade social e econômica dos territórios para o sucesso de políticas de desenvolvimento, incluindo as ações voltadas ao setor agropecuário.[35]

 

“A gestão da política ambiental no Brasil em seu passado recente coleciona iniciativas desastrosas em relação à biodiversidade, tanto seu estudo científico como sua conservação.”

 

O gráfico a seguir representa o número de vínculos empregatícios existentes no bioma Caatinga em cada um dos seus municípios em 2019, considerando apenas as atividades econômicas associadas à produção agropecuária (Divisões CNAE Agricultura, Pecuária e serviços relacionados; Pesca e aquicultura; Produção florestal; Fabricação de produtos alimentícios), diferenciadas por cor. Essa informação, associada à visão integrada do indicador do desenvolvimento municipal, permite extrair perfis e tendências de cada área da Caatinga em termos de suas características socioeconômicas e do trabalho. (Gráfico 1)

O gráfico descreve as principais fontes de emprego formal relacionados às informações obtidas pelo Censo Agropecuário de 2017 – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal – Ano de Referência 2006 e Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério da Economia – Ano de Referência 2019 no bioma Caatinga, estando prevalente as atividades de agricultura, pecuária e serviços relacionados à produção de lavouras permanentes.[35]  (Gráfico 1)


Gráfico 1. Representação do número de vínculos empregatícios existentes no bioma Caatinga em cada um dos seus municípios em 2019, considerando apenas as atividades econômicas associadas à produção agropecuária
(Fonte: elaborado pelos autores baseado em Quadro Socioeconômico – Portal Embrapa)

 

Entretanto, muitas atividades não estão enquadradas na formalidade, mas são responsáveis pela garantia da fonte de renda e subsistência de diversas famílias, sobretudo as rendas obtidas por outras fontes como, por exemplo, empregos na área urbana e da agricultura familiar. Desta forma, movimentos sociais e a sociedade civil organizada são importantes ferramentas para garantir o fortalecimento e o protagonismo em diferentes espaços de tomada de decisão, possibilitando melhores condições de vida para as famílias e comunidades tradicionais.

Nesta vertente, a ASA Brasil – Articulação no Semiárido Brasileiro é uma rede formada por mais de três mil organizações da sociedade civil de distintas naturezas – sindicatos rurais, associações de agricultores e agricultoras, cooperativas, ONGs, Oscip, etc., que defende, propaga e põe em prática, inclusive através de políticas públicas, o projeto político da convivência com o Semiárido. As ações da ASA estão pautadas, principalmente, na cultura do estoque de água, alimentos, sementes, animais e todos os elementos necessários à vida na região.[36]

 

Unidades de Conservação

As Unidades de Conservação (UC) representam uma forma de garantir a preservação da biodiversidade da Caatinga visto que, além de conservar os ecossistemas e a biodiversidade, geram renda, emprego, desenvolvimento sustentável e promovem uma efetiva melhora na qualidade de vida das populações locais.

Atualmente existem 16 UC distribuídas no bioma, elas são divididas em dois grupos, sendo aquelas de Proteção Integral voltadas para pesquisas da biodiversidade e contam com medidas mais restritivas e as UC de Uso Sustentável que garantem o uso sustentável dos recursos naturais com a conservação e preservação do território.

 

“Diante do grande desafio da preservação e restauração da Caatinga em larga escala, há uma demanda urgente por ações que auxiliem as tomadas de decisões na realização e elaboração de projetos e de políticas sustentáveis tanto no presente quanto no futuro.”

 

Entretanto, essas UC enfrentam dificuldades relacionadas à situação fundiária, queimadas descontroladas, falta de verbas para o funcionamento/manutenção, caça tradicional para subsistência, desmatamento/retirada de lenha, dentre outros listados pela Embrapa.

Desta forma, visando preservar a biodiversidade da Caatinga, conservar nascentes e fontes hídricas, além de reverter os processos de desertificação, em 30 de setembro de 2023 o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima relançou o projeto Redeser. Com o investimento de R$ 19 milhões do Fundo Global para o Meio Ambiente, o Programa tem como foco promover por meio da gestão integrada de paisagem, manejo florestal sustentável da Caatinga e sistemas agroflorestais beneficiar povos e comunidades tradicionais distribuídos nos 13 mil hectares dos 14 municípios em quatro territórios considerados essenciais do bioma — Seridó (PB/RN), Araripe (CE), Xingó (AL) e Sertão do São Francisco (BA).[37]

Uma iniciativa que também ganhou notoriedade foi a do Projeto Caatinga @projeto_caatinga da Universidade Rural do Semiárido (UFERSA), Fundação Guimarães Duque e a Petrobras, cujo objetivo é gerar tecnologia e informações sobre plantas da Caatinga.  Iniciado em fevereiro de 2017, essa iniciativa visa a criação de referenciais para orientar a implantação e o monitoramento de projetos de Recuperação de Áreas Degradadas (RAD) pelas atividades relacionadas à extração petrolífera, além de outras atividades como o entendimento do potencial de uso de espécies com a definição de parâmetros para montagem de protocolos individuais, contratos de RAD, a produção de mudas além de contribuição acadêmica e científica.

Outra iniciativa que objetiva difundir e ampliar a valorização do bioma é o Projeto Educaatinga, que apresenta um espaço virtual interativo com ferramentas pedagógicas para apoiar os professores e profissionais da educação no ensino dos estudantes sobre a Caatinga e engajar os jovens em ações de preservação e valorização do bioma. A educação, especialmente de crianças e jovens, representa uma valiosa estratégia para que no futuro não seja necessário debater e explicar a importância da preservação da biodiversidade. Ao tomar para si o compromisso e a conscientização do valor da manutenção da flora, o ser humano vai automaticamente aprender sobre conservação e proteção ambiental. Muitas iniciativas estão disponíveis na divulgação científica da Caatinga para crianças. Três histórias contadas por personagens lúdicos buscam aproximar as crianças desse tema, elas estão vinculadas à exposição virtual da Caatinga que foi apresentada no início deste artigo. Fica, portanto, o convite para explorar esse conteúdo promovendo uma identificação afetiva com a Caatinga ao reconhecer seus mistérios, seu valor e sua identidade:

 

A história vai começar… Episódio 1 – A Caatinga

A história vai começar… Episódio 2 – Jericó

A história vai começar… Episódio 3 – A magia das plantas

 

Capa. Apesar da sua grande importância, a Caatinga é um dos biomas mais ameaçados do Brasil pela constante exploração dos seus recursos naturais
(Foto: Agência Brasil/ Arquivo. Reprodução)
[1] BRASILa. Ministério do Meio Ambiente (MMA). Biodiversidade Brasileira. Disponível em: . Acesso em: 21 Set. 2023.
[2] SHARMA, S.; ARYA, R. Biodiversity Conservation with Special Reference to Medicinal Climbers: Present Scenario, Challenges, Strategies, and Policies. Springer eBooks, p. 23–63, 2016. Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2023
[3] SANTOS, J. C.; LEAL, I R.; ALMEIDA-CORTEZ, J.S.; FERNANDES, G.W.; TABARELLI, M. et al. Caatinga: The Scientific Negligence Experienced by a Dry Tropical Forest. Tropical Conservation Science, v. 4, n. 3, p. 276–286, 2011. Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2023.
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[5] SILVA, J.M.C., Lacher, T.E. 2019. Caatinga—South America. In: Goldstein, M.I., DellaSala, D.A. Encyclopedia of the World’s Biomes. Elsevier, 554-561.

[6] MOURA, M.R; ALVES, F., PAOLUCCI, L.N; et al. Pervasive impacts of climate change on the woodiness and ecological generalism of dry forest plant assemblages. Journal of Ecology, v. 111, n. 8, p. 1762–1776, 2023. Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2013.
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[8] LESSA, T., DOS SANTOS, J. W., CORREIA, R. A., LADLE, R. J., MACHADO, A. C. et al. Known unknowns: Filling the gaps in scientific knowledge production in the Caatinga. PLOS ONE, v. 14, n. 7, p. e0219359–e0219359, 2019. Disponível em: . Acesso em: 1 nov. 2023.
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[10] MACHADO, I. C. Floral Traits and Pollination Systems in the Caatinga, a Brazilian Tropical Dry Forest. Annals of Botany, v. 94, n. 3, p. 365–376, 2004. Disponível em: . Acesso em: 16 out. 2023.
[11] GOMES, V. G. N.; QUIRINO, Z. G. M. ; MACHADO, I. C. Pollination and seed dispersal ofMelocactus ernestiiVaupel subsp.ernestii(Cactaceae) by lizards: an example of double mutualism. Plant Biology, v. 16, n. 2, p. 315–322, 2013. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2023.
[12] LEAL, I. R.; et al. Interações planta-animal na Caatinga: visão geral e perspectivas futuras. Ciência e Cultura, v. 70, n. 4, p. 35–40, 2018. Disponível em: . Acesso em: 1 nov. 2023.
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[38] DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS. Açude Gargalheiras: de esperança contra as secas a polo turístico. Publicado em 02/02/2023 11h47 Disponível em Açude Gargalheiras: de esperança contra as secas a polo turístico — Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (www.gov.br) Acesso em 30/10/2023
Janieli de Oliveira Melo é Enfermeira pela UNIFEOB. Especialista em Enfermagem em Infectologia e Mestre em Ensino em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo. Atuou como Docente e Preceptora do Curso de Enfermagem da UNIFEOB. Doutoranda do PPG em Ciências Farmacêuticas da UFRN na área de Farmacognosia.
Renato Dantas-Medeiros é Químico pela UFRN. Especialista em Tecnologias Educacionais. Mestre em Ciências Farmacêuticas pela UFRN. Doutor em Desenvolvimento e Inovação Tecnológica em Medicamentos pela UFRN. Atua na área de Produtos Naturais, Toxicologia, Tecnologia Farmacêutica e Farmacologia de espécies vegetais nativas do bioma Caatinga.
Letícia Gondim Lambert Moreira é Farmacêutica pela UFRN. Especialista em Investigação Forense e Perícia Criminal. Mestre em Ciências Farmacêuticas pela UFRN. Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas na UFRN. Investiga alcaloides tropânicos de espécies do bioma Caatinga.
Raquel Brandt Giordani é Farmacêutica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre e doutora em Ciências Farmacêuticas pela UFRGS. Docente do Curso de Farmácia da UFRN atuando na área de produtos naturais. Investiga biossíntese e metabolismo especial de plantas da Caatinga associando protocolos ômicos.
Silvana M. Zucolotto é Farmacêutica pela UFSC. Mestre e Doutora pela UFSC. Docente do Curso de Farmácia da UFRN. Bolsista de Produtividade do CNPp (PQ2), Líder do Grupo de Pesquisa em Produtos Naturais Bioativos. Fundadora do @fitoterapia.com.ciencia. Atua na área de Farmacognosia e controle de qualidade de insumos vegetais de plantas da Caatinga.

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