Buracos Negros Supermassivos: qual sua importância no Universo?

Os buracos negros estão entre os mais eficientes geradores de energia do Universo e podem ter impactado até a nossa própria existência

Resumo

Buracos Negros Supermassivos (Supermassive Black Holes – SMBH) são verdadeiros “monstros” que chegam a ter mais de um bilhão de massas solares e dos quais nada escapa, nem mesmo a luz. Eles habitam o núcleo das galáxias massivas e têm um papel fundamental em sua evolução. Se não fosse por eles, poderíamos nem estar aqui! É que os SMBHs estão entre os mais eficientes geradores de energia do Universo – energia que acaba por ser depositada na galáxia ao seu redor, moldando a sua evolução. Isso é discutido neste artigo através da observação da alimentação e retroalimentação dos SMBHs em galáxias que abrigam núcleos ativos (Active Galactic Nucleus – AGNs). Para mapear e quantificar esses fenômenos, bem como a energia depositada nas galáxias, temos observado: (1) o inflow do gás em diferentes escalas, “engatilhado” pela interação entre galáxias nos AGNs mais luminosos, que faz o gás migrar até o centro através de espirais nucleares até a “broad line region” (BLR) e o disco de acreção que alimenta o SMBH; (2) a emissão de radiação, jatos e ventos originários do disco de acreção que interagem com o meio circundante na galáxia aquecendo-o e produzindo outflows que regulam a evolução da própria galáxia.

Introdução

Neste artigo apresento os Buracos Negros Supermassivos (Supermassive Black Holes – SMBH) e discuto meu trabalho sobre seus processos de alimentação e retroalimentação e a importância desses processos para a evolução do Universo. A retroalimentação dos SMBHs nas galáxias pode cessar a formação das estrelas ao longo de sua evolução, e por isso, o SMBH da nossa galáxia, Sagittarius A* (Sgr A*) pode ter impactado até a nossa própria existência! Para uma discussão mais aprofundada deste último aspecto, bem como possível influência de buracos negros estelares para a vida na Terra, recomendo a leitura do livro que finalizei recentemente, intitulado “My News Explica Buracos Negros”.[1]

Neste texto, me atenho aos resultados obtidos a partir de minhas observações e de meu grupo de pesquisa. Colaboradores nos meus projetos, sem os quais eles não seriam possíveis, incluem, em particular, Rogemar Riffel e Bruno Dall’Agnol de Oliveira, Rogério Riffel, Jáderson Schimoia, Sandro Rembold e Rodrigo Nemmen entre muitos outros, com quem publiquei mais de 250 artigos científicos.

 

O que é um Buraco Negro?

Um BH (do inglês Black Hole) é uma consequência da gravidade: se houver condições de se concentrar matéria num raio pequeno o suficiente para que sua velocidade de escape seja igual à velocidade da luz, temos a formação de um deles. Seu campo gravitacional é tão intenso que nada dele escapa, nem mesmo a luz (ou qualquer radiação eletromagnética). A viagem para dentro de um BH é uma viagem sem volta: se você dentro dele cair, nunca mais vai sair!

Karl Schwarzschild, em 1916, foi o primeiro a obter a solução das equações de campo de Albert Einstein para um BH sem rotação, e derivou o “raio de Schwarzschild”, que define o “Horizonte de Eventos”, a partir do qual nada escapa, como ilustrado na Figura 1. A gravidade é tão grande que a curvatura do espaço-tempo torna-se infinita, e por isto surge um buraco ali! Para se ter uma ideia do extremo da situação é só calcular o RS para a Terra: 9mm! Para transformar nosso planeta num buraco negro, teríamos que concentrar todo o nosso planeta numa “bolinha” com este raio!


Figura 1. Para formar um buraco negro (black hole – BH) é preciso acumular uma massa M dentro do seu Raio de Schwarschild RS, que define o “horizonte de eventos”, a partir da qual nada escapa, nem mesmo a luz (G: constante gravitacional; c: velocidade da luz). O painel da esquerda ilustra um horizonte de eventos num fundo de estrelas, mostrando que a curvatura do espaço-tempo na vizinhança do BH desvia a luz das estrelas de trás dele e o painel da direita ilustra a curvatura do espaço-tempo, que se torna infinita em um BH.
(Fonte: NASA/ESA Coe, Anderson & van der Marel e “Physics Club”, Facebook)

 

A maioria dos BHs apresenta rotação, e sua solução a partir das equações da relatividade geral foi derivada somente mais tarde, em 1963, por Roy Kerr.

 

Buracos Negros Estelares

Até a primeira metade do século 20 os cientistas em geral, inclusive o próprio Einstein, acreditavam que os BHs eram uma previsão teórica e que não existiriam na natureza. Entretanto, na década de 1970 descobriu-se a estrela Cygnus X-1 (primeira fonte de raios-X na constelação do Cisne) que se move em torno de um ponto escuro, que, pelas velocidades observadas tem massa de ~10 massas solares. A única conclusão possível foi de que era um sistema duplo, em que a estrela escura seria um BH estelar.

 

“A radiação, ventos e jatos dos AGNs influenciam a evolução das galáxias em que estão, pois aquecem, agitam e empurram o gás ao seu redor, impedindo a formação de novas estrelas e portanto regulando o próprio crescimento da galáxia.”

 

Hoje sabemos que os BHs estelares são o núcleo colapsado que resulta da explosão de uma estrela Supernova. Todas as estrelas que se formam com massa maior do que ~10-15 massas solares vão acabar como supernovas. As mais massivas vão gerar BHs, e assim pode-se estimar a existência de ~100 milhões de BHs estelares em galáxias como a nossa, a Via Láctea.

Mas a maioria das galáxias abriga também no seu centro um SMBH, com massa entre 1 milhão e 10 bilhões de massas solares, os quais acredita-se tenham se formado com as galáxias, no primeiro bilhão de anos do Universo.

 

Buracos Negros Supermassivos (SMBHs)

 

Quasars

A existência de SMBHs no Universo começou a ganhar apoio quando os astrofísicos descobriram os quasars (do inglês Quasi-Stellar Radio Sources). Primeiramente observados na década de 1950 em levantamentos do céu em radiofrequência, receberam esse nome porque, nos telescópios óticos, tinham aparência estelar. Em 1963, Maarten Schmidt descobriu, no espectro ótico, linhas de emissão de Hidrogênio com um alto redshift, que coloca estes objetos a distâncias muito grandes. A partir do brilho aparente e da distância, concluiu-se que a luminosidade dos quasars chegava a ~100 vezes a da Via Láctea!

 

Fonte de energia dos quasars

Além de serem os objetos mais luminosos do Universo, os quasars apresentam variabilidade, revelando que sua radiação provém de uma região do tamanho aproximado do Sistema Solar (dias a semanas-luz). Como uma região tão pequena pode gerar potência 100 vezes maior do que de todas suas estrelas?

A conclusão foi de que há outra fonte de energia, mais eficiente do que a nuclear (que é a fonte de energia do Sol e demais estrelas) no centro das galáxias: a captura de matéria por um SMBH. A energia potencial gravitacional da captura de matéria se transforma em energia radiativa e cinética de ventos e jatos.

 

“Os AGNs têm um papel importante na formação das estrelas de suas galáxias, ou seja, as galáxias seriam bem diferentes, possivelmente bem maiores, se não fosse o feedback de seu SMBH.”

 

Podemos fazer uma analogia com uma Hidroelétrica: a queda da água (energia gravitacional) move uma turbina que alimenta um gerador de energia elétrica. A diferença é que a queda num SMBH é muito maior: podemos dizer que seu poço de potencial gravitacional é o mais profundo que existe! E quanto maior a taxa de matéria que cai no SMBH, maior é a taxa de energia liberada.

Hoje sabemos que os quasars são núcleos de galáxias distantes que abrigam um SMBH no seu núcleo capturando matéria a uma taxa muito alta. Observações com o Telescópio Hubble na década de 1990, com qualidade de imagem ~400 vezes melhor que dos telescópios terrestres, permitiram observar a galáxia no entorno do quasar. As mais distantes dessas galáxias se formaram no primeiro bilhão de anos do Universo (que tem hoje 13,7 bilhões de anos), o que indica que os SMBHs se formaram nesta época, junto com as galáxias.

 

O disco de acreção

O SMBH não emite radiação (a menos da radiação de Hawking, desprezível para BHs estelares e supermassivos). Então, de onde sai a luminosidade observada? Ela sai de um disco de plasma (gás totalmente ionizado) em rotação, chamado de disco de acreção. A Figura 2 mostra uma concepção artística deste disco, que se forma por conservação de momentum angular da matéria que é capturada. A viscosidade do disco produz seu aquecimento e perda do momentum angular, fazendo com que a matéria espirale para o centro até cair no SMBH. No processo, o disco se aquece e irradia, com as partes centrais emitindo raios-X e ultravioleta. Campos magnéticos são amplificados no centro do disco, colimando jatos de partículas ali gerados. Voltando à analogia com a hidroelétrica, o disco de acreção seria equivalente ao conjunto turbina + gerador da hidroelétrica. 


Figura 2. A galáxia M81, que tem ~100 bilhões de estrelas, e raio de ~ 50 mil anos-luz, tem um BNS no seu centro com massa de 100 milhões de massas solares. O disco de acreção (concepção artística) tem raio da ordem de 0,05 anos-luz.
(Reprodução)

 

SMBHs no núcleo de todas as galáxias massivas

Um resultado que se consolidou na década de 1990, graças ao Telescópio Espacial Hubble, é que os SMBHs encontram-se no núcleo de praticamente todas as galáxias massivas próximas com bojo estelar – a concentração central de estrelas presentes nas galáxias elípticas e espirais.

 

Galáxias ativas

Existem galáxias próximas com emissão nuclear semelhante à dos quasars, mas com luminosidade mais baixa. São as chamadas galáxias ativas, que também têm um SMBH no seu centro capturando matéria através de um disco de acreção. Diz-se que elas têm um núcleo ativo (Active Galactic Nucleus – AGN). Os quasars são também AGNs, os mais luminosos que existem. Podemos dizer que os mais distantes e luminosos eram onde os SMBHs estavam se formando, e agora “crescidos” habitam o núcleo das galáxias massivas; quando capturam matéria, “acendem” de novo seus AGNs.

 

O AGN

O AGN é formado pelo conjunto SMBH, disco de acreção e de nuvens circundantes que configuram a chamada região de linhas largas (Broad Line Region – BLR). Mais para fora, à medida que a temperatura diminui, temos nuvens mais frias, com gás molecular ou poeira, na forma de um toroide que circunda o disco e a BLR. Parte das nuvens da BLR alimenta o disco de acreção e parte delas são ejetadas por ventos resultantes de instabilidades no ou da sua pressão de radiação. Jatos de partículas relativísticas também podem surgir a partir da concentração de campos magnéticos na parte central do disco.

 

Observando a alimentação de um Buraco Negro Supermassivo

Discos de Acreção e seu entorno

Os discos de acreção têm dimensões típicas de dias-luz. São formados por plasma – gás completamente ionizado, com temperatura central entre 100.000 K e 1.000.000 K, que decresce a 10.000 K na sua borda exterior. A essa temperatura, começa a haver recombinação de átomos de Hidrogênio na borda do disco e ali começa a BLR. As nuvens da BLR orbitam o SMBH a velocidades de milhares de km/s e emitem linhas espectrais, de Hidrogênio, Hélio e outros elementos.

 

“Nosso SMBH deve ter tido um papel importante no passado, quando era mais ativo, influenciando inclusive o nosso destino: se a nossa galáxia fosse maior e mais massiva, talvez nem houvesse as condições propícias para o surgimento do Sol aqui no nosso cantinho.”

 

A razão entre o raio de uma galáxia e o do disco de acreção é da ordem de 1.000.000, como ilustrado na Figura 2. Como estes discos estão muito distantes, no centro das galáxias, não é possível resolvê-los espacialmente (ou seja, obter uma imagem como a da Figura 2) para a maioria das galáxias.

 

Primeiras imagens de discos de acreção

Em 2019 foi divulgada a primeira imagem da parte interna do disco de acreção da galáxia elíptica M87 contendo a sombra do horizonte de eventos (HE), através do Event Horizon Telescope (EHT): oito rádio-observatórios observando na faixa milimétrica do espectro eletromagnético, através da técnica de interferometria intercontinental, simulando abertura do tamanho da Terra. Isso foi necessário para resolver o diâmetro angular do HE, equivalente a observar uma laranja na Lua! Em maio de 2022, o EHT divulgou a segunda imagem de um HE: o de Sgr A*, o SMBH da nossa galáxia, a Via Láctea (Figura de capa), ~1500 vezes menor que o de M87, mas com um tamanho angular no céu semelhante, pois está ~2000 vezes mais próximo.

 

Minha descoberta!

Nas demais galáxias, com os recursos instrumentais atuais, observamos o disco de acreção, bem como a BLR, como um “ponto” no centro da galáxia. Mas podemos observar seu espectro: a radiação emitida em função do comprimento de onda, ilustrado na Figura 3 para a galáxia NGC1097. Ao observar seu núcleo, descobri uma estrutura inesperada no perfil da linha Hα, emitida pelo átomo de Hidrogênio quando ele é ionizado. A base da linha tem perfil largo com dois picos, um desviado para o azul (em relação ao centro da linha) e outro desviado para o vermelho. Modelos teóricos mostram que ele é gerado num anel de gás que circunda o disco de acreção, na parte mais interna da BLR, com velocidades >5.000 km/s. Como o disco está inclinado em relação ao plano do céu, através do efeito Doppler da luz, observamos a radiação do lado que se aproxima desviada para o azul, e a do lado que se afasta, desviada para o vermelho, e por isto aparecem os dois picos. Após a descoberta, observamos que sua emissão varia devido à variação da fonte de iluminação, a parte mais interna do disco. Depois demonstramos que este anel apresenta instabilidades na forma de braços espirais e parece estar presente na maioria dos Núcleos Ativos.[3]


Figura 3. O núcleo da galáxia NGC1097 (imagem da esquerda) emite uma linha de emissão do hidrogênio alargada (base pintada de azul e vermelho no painel inferior direito) originada na parte externa do disco de acreção (painel superior direito), em gás girando a velocidades de ~5.000 km/s, com a parte pintada de azul emitida por gás se aproximando de nós e a pintada em vermelho por gás se afastando.
(Fonte: Schimoia, et al. 2012.[2] Reprodução)

 

Abastecendo o Disco de Acreção

Durante as duas últimas décadas, através da colaboração AGNIFS – AGN Integral Field Spectroscopy (IFS, em português, Espectroscopia de Campo Integral), envolvendo pesquisadores do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IF-UFRGS) e do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), estudamos como o gás chega até a região central para alimentar o disco de acreção em galáxias ativas próximas. A IFS permite mapear tanto a distribuição espacial do gás como também o seu movimento. A Figura 4 mostra isso nos ~2000 anos-luz centrais da galáxia ativa NGC7213: as estrelas estão em rotação, com uma amplitude da sua velocidade de 50 km/s, enquanto o gás, também em rotação, tem uma velocidade bem mais alta, de 200 km/s, num padrão “distorcido”, que parece se correlacionar com a distribuição de gás e poeira revelada no painel da direita da Figura 4. Como a galáxia está inclinada em relação a nós, com o lado noroeste mais próximo, o afastamento no lado próximo e aproximação no lado distante podem ser interpretados como movimento do gás para o centro da galáxia através de braços espirais nucleares, ou inflows. Estes braços devem alimentar o disco de acreção que por sua vez alimenta o BNS. Resultados semelhantes têm sido encontrados para outras galáxias ativas.


Figura 4. Mapas cinemáticos (de velocidade) dos ~2000 anos-luz centrais da galáxia ativa NGC7213, onde o vermelho mostra as velocidades de afastamento e o azul as velocidades de aproximação, e a escala está indicada à direita em km/s. Da esquerda para a direita: rotação do gás, modelo de rotação das estrelas, velocidade residual gás – modelo e mapa de estrutura, onde as flechas mostram a correspondência do movimento do gás (no painel mais da esquerda) com as espirais nucleares (no painel mais da direita). A linha branca contínua marca a intersecção do plano da galáxia com o plano do céu, FAR identifica o lado distante e NEAR o lado próximo da galáxia.
(Fonte: Schnorr-Müller et al. 2014.[4] Reprodução)

 

Em Storchi-Bergmann & Schnorr-Müller (2019),[5] fizemos um compilado destes inflows nos ~2000 anos-luz centrais para várias galáxias ativas, onde também discutimos como o gás chega a esta região. Além dos movimentos internos do gás dentro das galáxias ativas, essa compilação e trabalhos nossos posteriores mostram que o gás que alimenta o AGN se origina de interações com galáxias vizinhas, como acontece com o quasar da Figura 5.


Figura 5. À esquerda vemos concepção artística de um outflow a partir do disco de acreção em torno do SMBH do quasar J13+65 (a 2.5 bilhões de anos-luz), não resolvido nas imagens da direita, obtidas com Telescópio Espacial (Storchi-Bergmann et al. 2018).[7] Os contornos brancos são da imagem do contínuo, que mostra a distribuição de estrelas na galáxia hospedeira, revelando que ela está em interação com uma galáxia companheira (acima e à direita); esta interação despertou o AGN. A cruz preta mostra o centro da galáxia e as cores laranja e violeta mostram a distribuição do gás iluminado e ionizado pelo AGN (que se estende por 130 mil anos-luz), revelando seu feedback radiativo. Em Dall’Agnol de Oliveira (2021) verificamos que parte do gás está sendo ejetado, revelando também feedback cinemático do AGN.
(Reprodução)

 

E as estrelas?

Nosso grupo AGNIFS tem também estudado a população de estrelas na região central das galáxias ativas. Encontramos um excesso de estrelas jovens no entorno dos AGNs mais luminosos, o que interpretamos como sendo porque o AGN precisa de gás para se alimentar e este gás, ao se deslocar em direção ao centro, existindo em quantidade necessária forma estrelas no seu caminho, nas regiões circumnucleares (~1000-3000 anos-luz centrais).[6]

 

A retroalimentação dos SMBHs

A radiação, ventos e jatos dos AGNs acabam por influenciar a evolução das galáxias em que estão, pois aquecem, agitam e empurram o gás ao seu redor – a partir do qual novas estrelas se formariam, impedindo que isto aconteça e, portanto, regulando o próprio crescimento da galáxia.

 

Gás ionizado

Nossos estudos do movimento do gás em AGNs revelam, além dos inflows, outflows (fluxos de gás para fora). É que a radiação, bem como instabilidades no disco de acreção empurram o gás circum-nuclear da galáxia e são observadas como “cones de ionização”, estruturas bipolares nas imagens que mostram a distribuição do fluxo em linhas de emissão de gás ionizado, como a do [OIII]5007A, ilustrado na Figura 5 para o quasar J135251.21+654113.2 (que chamaremos de J13+65). Essa figura mostra imagens do Hubble: (1) do contínuo, revelando a distribuição das estrelas da galáxia hospedeira (contornos em branco); (2) em um filtro de banda estreita centrado em 5007A que isola a emissão do gás [OIII] ionizado pela radiação do quasar (em laranja e violeta). Esse gás se estende para além da componente estelar da galáxia, no caso revelando o feedback radiativo do AGN. Além disso, em Dall’Agnol de Oliveira (2021),[8] pudemos mapear a cinemática do gás ionizado, que revelou a presença de outflows coespaciais com a emissão.

A Figura 5 também mostra que, no caso do quasar acima, há uma forte interação com uma galáxia companheira, que deve ter sido a responsável por enviar gás para o centro e provocar o surgimento do AGN.

 

Gás molecular

O feedback do AGN não ocorre somente no gás ionizado; observações recentes no infravermelho próximo, que mapeiam o gás molecular H2 quente (~2000K)[9] e na faixa milimétrica do espectro, com o Atacama Large Milimetric Array (ALMA), que mapeiam o gás molecular frio da molécula de CO, indicador da molécula de H2, têm revelado outflows também nestas fases do gás, em geral, mais massivos do que os observados no gás ionizado.

 

Modelos de evolução do Universo

Modelos cosmológicos de evolução do Universo têm demonstrado que, sem levar em conta estes efeitos de retroalimentação da fase ativa das galáxias, as mesmas resultam muito mais massivas do que se observa hoje em dia. É, portanto, fundamental mapear e quantificar esses processos de retroalimentação como fizemos em J13+65 para fornecer vínculos para modelos de evolução das galáxias. Uma simulação recente que leva em conta a retroalimentação é a chamada “Ilustris-TNG”, desenvolvida por pesquisadores do Center for Astrophysics, de Harvard (EUA), e seus colaboradores.

 

O futuro

Nosso grupo AGNIFS, numa proposta liderada por Rogemar Riffel, conseguiu tempo de observação no Telescópio Espacial James Webb (JWST), para observar a cinemática de mais uma fase do gás molecular: o H2 “morno”, que emite no infravermelho médio. Somente com o JWST está sendo possível observar diretamente outflows (e eventualmente inflows) nessa fase em alta resolução, o que será fundamental para poder avaliar o feedback dos AGNs em todas as fases do gás. Também vamos participar do Legacy Survey of Space and Time (LSST), que será realizado no Observatório Vera Rubin, vizinho ao Gemini Sul e SOAR no Cerro Pachón, Chile, que entrará em operação em 2024. Este projeto vai permitir o mapeamento do disco de acreção via a técnica de “Reverberation Mapping”.

 

Sumário e Conclusões

Os SMBHs estão no centro de todas as galáxias com bojo estelar – galáxias elípticas e espirais. Nos primeiros bilhões de anos do Universo, a alta taxa de acreção de matéria aos SMBHs gerou os quasars, os AGNs mais luminosos que existem. No Universo atual, a maioria dos SMBHs está quiescente, sendo ativados quando capturam matéria; a galáxia fica ativa, com um AGN no seu centro. Meu trabalho e de meus colaboradores tem se concentrado nos processos de alimentação (feeding) e retroalimentação (feedback) em AGNs.

 

Quanto ao feeding

Em grandes escalas, a ativação do AGN parece ser devida a interações entre galáxias: quanto mais forte a interação, mais luminoso é o AGN. Em escalas de ~2000 anos-luz, observamos escoamento do gás (velocidades de ~100-200 km/s) em estruturas espirais (taxas ~0.1-1 massa solar/ano). Também estudamos a população estelar nesta região e encontramos um excesso de estrelas jovens, que interpretamos como sendo devido ao excesso de gás na região: o mesmo gás que alimenta o AGN, no seu caminho para a região central da galáxia, dá origem a formação de novas estrelas.

Dentro dos ~3 anos-luz centrais, observamos os perfis das linhas de emissão que mostram nuvens em órbita do SMBH com velocidades de ~5000 km/s, onde em alguns casos observamos também estruturas espirais.

 

Quanto ao feedback

Mapeamos as ejeções de gás em grande escala a sua maioria bipolares e cônicas em gás ionizado que se estendem a mais de 10 000 anos-luz do núcleo, com velocidades de até 1000 km/s e taxas de ejeção de matéria de algumas massas solares por ano. Nos AGNs mais luminosos se estendem além dos limites da galáxia favorecendo escape da radiação de AGNs luminosos ao meio intergaláctico. Temos mapeado também o gás molecular quente (> 2000K), frio (<100K) e com o JWST vamos mapear o morno. O mapeamento dessas ejeções e a luminosidade do disco permitem calcular os efeitos de “retroalimentação” dos SMBHs, que regulam o crescimento das galáxias, fornecendo os vínculos necessários a modelos cosmológicos do Universo.

Esse feedback mostra que os AGNs têm um papel importante na formação das estrelas de suas galáxias, ou seja, as galáxias seriam bem diferentes, possivelmente bem maiores, se não fosse o feedback de seu SMBH. Esse feedback evita que a galáxia forme estrelas “demais”. O Sgr A*, nosso SMBH, deve ter tido um papel importante no passado, quando era mais ativo, influenciando inclusive o nosso destino: se a nossa galáxia fosse maior e mais massiva, talvez nem houvesse as condições propícias para o surgimento do Sol aqui no nosso cantinho, a 27 mil anos-luz do centro da Via Láctea![10]

 

Capa. Sagitário A* (Sgr A*), o buraco negro supermassivo da nossa galáxia, imageado pelo Event Horizon Telescope
(EHT. Reprodução)

BERGMANN, Thaisa Storchi. Buracos Negros Supermassivos: qual é a importância deles no Universo? Os buracos negros estão entre os mais eficientes geradores de energia do Universo e podem ter impactado até a nossa própria existência. Cienc. Cult. [online]. 2023, vol.75, n.2 [citado  2023-10-16], pp.01-09. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252023000200005&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 0009-6725.  http://dx.doi.org/10.5935/2317-6660.20230021.

 

[1] Storchi-Bergmann, T. 2023, “My News Explica Buracos Negros”, Ed. Almedina.
[2] Schimoia, J. S., Storchi-Bergmann, T., Nemmen, R. S., Winge, C. & Eracleous, M., 2012, ApJ, 748, 145: Short Timescale Variations of the Halpha Double-peaked Profile of the Nucleus of NGC 1097 (FIGURA 3)
[3] Storchi-Bergmann, T. , Schimoia, J. S., Peterson, B. M., Elvis, M., Denney, K. D., Eracleous, M., Nemmen, R. S. 2017, ApJ, 835, 236: Double-Peaked Profiles: Ubiquitous Signatures of Disks in the Broad Emission Lines of Active Galactic Nuclei
[4] Schnorr-Müller, A., Storchi-Bergmann, T., Nagar, N. M., Ferrari, F. 2014, MNRAS, 438, 3322: Gas inflows towards the nucleus of the active galaxy NGC7213 (FIGURA 4)
[5] Storchi-Bergmann, T. e Schnorr-Müller, A., 2019, Nature Astronomy, 3, 48: Observational constraints on the feeding of supermassive black holes
[6] B – Riffel, R., Dahmer-Hahn, L. G., Riffel, R. A., Storchi-Bergmann, T., Dametto, N. Z., Davies, R., Burtscher, L., Bianchin, M., Ruschel-Dutra, D., Ricci, C., Rosario, D. J. 2022, MNRAS, 512, 3906: Gemini NIFS survey of feeding and feedback processes in nearby active galaxies – VI. Stellar populations
[7] Storchi-Bergmann, T., Dall’Agnol de Oliveira, B., Longo Micchi, L. F., Schmitt, H. R., Fischer, T. C., Kraemer, S., Crenshaw, M., Maksym, P., Elvis, M., Fabbiano, G., Colina, L. 2018, ApJ, 868, 14: Bipolar Ionization Cones in the Extended Narrow-line Region of Nearby QSO2s (FIGURA 5)
[8] Dall’Agnol de Oliveira, B., Storchi-Bergmann, T., Kraemer, S. B.,Villar Martín, M. Schnorr-Müller, A., Schmitt, H. R., Ruschel-Dutra, D., Crenshaw, D. M., Fischer, T. C. 2021, MNRAS, 504, 3890: Gauging the effect of supermassive black holes feedback on quasar host galaxies
[9] Riffel, R. A. et al. 2023, MNRAS, 521, 1832: The AGNIFS survey: spatially resolved observations of hot molecular and ionized outflows in nearby active galaxies
[10] Storchi-Bergmann, T., Nemmen, R. S., Eracleous, M., Halpern, J. P., Wilson, A. S., Filippenko, A. V., Ruiz, M. T., Smith, R. C. & Nagar, N. 2003, ApJ, 598, 956: Evolution of the Nuclear Accretion Disk Emission in NGC 1097: Getting Closer to the Black Hole
Thaisa Storchi Bergmann é orientadora da Pós-Graduação do Instituto de Física da UFRGS e fundadora do grupo de pesquisa AGNIFS - AGN Integral Field Spectroscopy. É pesquisadora 1A do CNPq, membro da ABC e da (TWAS). Ganhadora do prêmio internacional L'Oreal/UNESCO Para Mulheres na Ciência (2015) e da Medalha Nacional do Mérito Científico (2018), tem participado de comitês da UNESCO de apoio à ciência. É revisora dos principais periódicos internacionais de astrofísica e tem sido membro de…

Compartilhe:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on email
Email
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email
PALAVRAS-CHAVES
ARQUIVO MENSAL
CATEGORIAS