O presente trabalho trata de um tema pouco veiculado na literatura etnológica brasileira: o calendário das atividades de subsistência de um grupo indígena – os Desâna, do rio Tiquié, afluente do Uaupés (tributário do alto rio Negro) – determinado pelo aparecimento de certas constelações. O conhecimento empírico dos Desâna divide o clima da região em certo número de “verões”, alguns muito curtos, outros mais longos, entremeados por chuvas, estas anunciadas pelas constelações. A ambas – constelações e chuvas – estão associados os ciclos econômicos naturais: início, amadurecimento e término das safras de frutas; ocorrência de piracemas; safras de insetos, como a maniuara e a saúva, de grande importância alimentar. As referidas mudanças climáticas vinculam-se também o ciclo agrícola, pois a queima das roças é feita nas estiagens.
Em 1978, durante sua primeira viagem à região, Berta Ribeiro estudou o equipamento produtivo dos indígenas do alto rio Negro. Nessa ocasião, teve a oportunidade de ajudar Tolaman Kenhíri e seu pai, Umusin Panlon Kumu, na redação definitiva de um livro de mitos, publicado sob o título “Antes o mundo não existia” (Editora Cultura, São Paulo, 1980). Ao voltar ao rio Tiquié para completar seu estudo, em 1985/1986, a antropóloga encontrou Tolaman Kenhiri – cujo nome cristão é Luís Gomes Lana – desejoso de escrever um trabalho sobre as constelações que regulam a alternância de chuvas e estiagens. Da colaboração entre os dois nasceu este artigo, ilustrado pelo próprio Tolamãn. Sempre que possível, são indicadas as designações científicas da flora e da fauna, cuja identificação, assim como a das constelações, foi fornecida por especialistas.
O ano dos indígenas Desâna começa em outubro, quando surge no poente a constelação “Iluminação da jararaca” (añá siñoliru). A pesada chuva que ela anuncia também tem esse nome. Logo surgem, uma em seguida à outra, as constelações que completam a figura da cobra: a “Cabeça de jararaca” (añá dihpuro puiró) e o “Corpo de jararaca” (añá dëhpë puiro). É época de fazer a limpeza do solo e a derrubada das árvores para abrir novas roças. Nos troncos abatidos e queimados em terreno de mata virgem e capoeira nova brotam cogumelos comestíveis. Ao mesmo tempo, aparece no céu a constelação “Ovos de jararaca” (añá diubá puiró), de duas estrelas. A um dos cogumelos, marrom, esponjoso, os Desâna chamam ë’iri (grude). Seu nome científico é Auricularia delicata Fr. Outro, branco, bem maior, pertence à família dos poliporeáceos. Um terceiro, também marrom e esponjoso, porém bem maior que os dois primeiros, é chamado de táka.
“A constelações e chuvas estão associados os ciclos econômicos naturais: início, amadurecimento e término das safras de frutas; ocorrência de piracemas; safras de insetos, como a maniuara e a saúva, de grande importância alimentar.”
A safra dos cogumelos comestíveis vai até final de novembro, quando amadurecem, ao mesmo tempo, o abiu (Pouteria caimito) e o ingá (Inga spp). A pupunha (Bactris gasipaes), já florida, começa a frutificar. Nesse ínterim, cai a chuva “Rabo redondo de jararaca”, depois que aparece no céu a constelação com esse nome (añá poleró beró) (Figura 1). Durante essa chuva, que continua até dezembro, ocorre a primeira piracema (quando os peixes sobem o rio para desovar), batizada pelos indígenas de “lavagem da coceira da pupunha”. Rãs (dos gêneros Leptodac tylus e Osteocephalus) começam a cantar, e podem ser facilmente capturadas. O mesmo acontece com as maniuaras, insetos da família das térmitas, que começam a levantar voo, mas ainda em pequena quantidade. A enchente cobre os igapós.
Figura 1. Acima, à esquerda, añá siñoliru: jararaca, iluminação. Provavelmente o Cruzeiro do Sul. A direita, añá dihpuro puiró: jararaca, cabeça, enchente. Provavelmente o Cinturão de Órion. Abaixo, à esquerda, añá diubú puiró: jararaca, ovos, enchente. Provavelmente Alfa e Beta da constelação de Centauro. Todas em outubro. A direita: añá poleró beró: jararaca, rabo, redondo. Provavelmente a cauda do Escorpião. Novembro, dezembro.
(Fonte: Tolaman Kenhíri/ Ciência Hoje. Reprodução)
Em janeiro vem o “verão do abiu” (kané were: abiu, verão), que dura cinco dias. É quando essa fruta começa a escassear. Chove um pouco, mas a chuva não é marcada por nenhuma constelação. Vem em seguida o “verão do ingá” (mené were: ingá, verão), também assinalado pelo término da safra dessa fruta de vagem comprida. A pupunha está começando a amadurecer. Esse verão dura de oito a 15 dias, tempo dedicado à queima da roça aberta na mata virgem derrubada em outubro. São precisos pelo menos sete dias de sol forte para que se possa queimar a madeira abatida e plantar. Os matapis chamados tëli são colocados nos igapós. Quando acaba esse verão, no fim de janeiro, começa a chuva “Fêmur de tatu”, anunciada pela constelação do mesmo nome (pamo ngoá dëhka). Não dá para alagar os igapós nem traz piracema, mas as rãs continuam a cantar.
Fevereiro entra com a constelação e a chuva do “Tatu” (pamo) (Figura 2), trazendo a segunda piracema, do aracu e outros peixes, maior que a primeira. Depois da chuva vem um veranico de quatro dias, chamado “da cucura” (igui were: cucura, verão) por causa dessa fruta (Porouma cecropiaefolia), que então começa a amadurecer. Da mesma forma que o abiu e o ingá, a cucura e a pupunha frutificam ao mesmo tempo, em março, mês de pouca chuva e que não é marcado por nenhuma constelação. Nessa época, entre meados de março e início de abril, o “verão da pupunha” (ëni were: pupunha, verão), que dura de uma a duas semanas, é aproveitado para a queima da roça cuja mata foi derrubada em novembro ou dezembro. Quem derruba a capoeira em janeiro também costuma queimá-la nesse período.
Figura 2. Acima, a constelação pamo ngoá dehká: tatu, osso, pedaço. Janeiro. Abaixo, pamo: tatu. Fevereiro, março.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
No fim do verão da pupunha vem a chuva anunciada pela constelação do “Camarão” (ñahsin kamë) (Figura 3), já em abril. Ela traz a terceira piracema do aracu e outros peixes. As maniuaras voltam a voar, assim como as saúvas, cujas fêmeas já estão ovadas. No decorrer dessa chuva começa também a revoada dos cupins. São de duas espécies, ambas comestíveis e do mesmo tamanho. Enquanto persiste no céu o “Camarão”, começa a criar asas outra formiga comestível, a “formiga-da-noite”. Mas a constelação do “Camarão” nem sempre traz chuva. Quando não chove, todo o ciclo econômico – a terceira piracema, o voo das maniuaras, saúvas, cupins e formigas-da-noite, o aparecimento das rãs deixa de ocorrer. Diz-se então que “a constelação se perdeu”. E nesse caso o verão da pupunha se prolonga até meados de abril.
Figura 3. Nahsin kame: camarão, constelação. Abril. Anuncia piracema e insetos comestíveis.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Na segunda quinzena de abril cai outra chuva. É anunciada pelo surgimento da constelação “Barba do queixo da onça” (védisiká poalo) e marca o fim do ciclo das piracemas. Ao mesmo tempo, termina a safra do umari (Poraqueiba sericea), fruta que amadurece em meados de março. Depois da chuva vêm dois ou três dias de sol, entremeados de pequenas precipitações. Segue-se a chuva forte, pesada, intermitente, que corresponde ao aparecimento de uma constelação comprida, o “Corpo da onça” (vé dëhpë puiró). Nesse período as rãs cantam o tempo todo, e é fácil apanhá-las. Um veranico de quatro a cinco dias sucede a essa grande chuva. É o “verão do umari” (më were: umari, verão). Passados os dias de sol vem a chuva chamada “Rabo redondo da onça” devido à constelação que a anuncia (vé poleró beró) (Figura 4). Então termina o canto das rãs, que já não podem ser localizadas; a maniuara e as saúvas também não voam mais. Continuam apenas os cupins.
Figura 4. À esquerda, acima, yé disika poaló: onça, queixo, barba. Provavelmente parte da Ursa Maior. Ao lado, yé dëhpë puiró: onça, corpo, enchente. Acima, yé poleró beró: onça, rabo, redondo. Todas em abril.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Em maio cai a chuva anunciada pela constelação “Pedaço de estrela” (nekan turu) (Figura 5). Nesse período, pouco antes de acabar o ciclo dos insetos comestíveis, torna-se mais intenso o voo das duas espécies de cupins. Ainda no decorrer de maio, o aparecimento das constelações “Peixe, moquém” (wái kaid) (Figura 6) e “Cuia com polpa de umari sobre suporte” (kái saninó) (Figura 7), uma depois da outra, marca o início de chuvas torrenciais, ininterruptas, que fazem subir a água dos rios. Com as armadilhas de pesca, permanentes ou temporárias, submersas, só é possível pescar o daguiru com anzol. Ainda é preciso mencionar uma intensa migração de pássaros, do tamanho do bem-te-vi, cuja revoada coincide com as três constelações da onça acima referidas. Quando desponta a “Cuia”, esses passarinhos desaparecem, sem que se saiba de onde provêm.
Figura 5. Nekan turu: estrela, pedaço. Provavelmente a constelação do Cisne. Surge em maio.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Figura 6. Wai kaiá: peixe, moquém. Maio. Provavelmente a cabeça da constelação do Touro.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Figura 7. Kái saninó: cuia com polpa de umari sobre suporte. Provavelmente Pleiades. Maio.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
As fortes chuvas marcadas por essas constelações prolongam-se até meados de junho. A que vem com “Pedaço de estrela”, em maio, permite a derrubada da capoeira a ser queimada no veranico de junho, de três dias, chamado yohóka dëhpë bohotáli, o que poderia ser traduzido, não literalmente, por “enxó-enfeite emplumado, verãozinho”. É então que se planta o milho: plantado nessa época é que ele vinga, como dizem os indígenas. Nesse veranico o rio baixa um pouco, mas logo em seguida cai nova chuva chamada – como a constelação que a precede – “Enxó-enfeite emplumado” (vohóka dehpë puiró) (Figura 8). Segundo Stephen Hugh-Jones, essa constelação representa a enxó com låmina de pedra usada antigamente como ferramenta agrícola e, mais tarde, como ornamento ritual levado ao ombro esquerdo, durante as danças. Atualmente as enxós não são mais encontradas. Para Hugh-Jones, essa constelação corresponde ao cinturão e à espada de Órion.
Figura 8. Yohóka dehpë puiró: enxó-enfeite de plumas, enchente. Provavelmente o Cinturão de Orion. Junho.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Termina o mês de junho e as águas voltam a crescer, tornando possível a travessia de lancha até as cachoeiras de Pari e Caruru. Começam a subir o rio peixinhos minúsculos, de dois a dez centímetros, conhecidos como pirá-mirins, apanhados em armadilhas de crivo fino.
Julho é o tempo da revoada do gafanhoto. Eles chegam em grandes enxames ruidosos que invadem a aldeia. São apanhados a mão, com ajuda de fachos de turi, madeira ignífera (Licania kunthiana). Alguns pescadores os utilizam como isca de pacu, único peixe que come gafanhoto. Três constelações surgem em julho. A primeira e a chuva correspondente – chama-se “Lontra” (di’á yowá) (Figura 9). Antigamente havia lontras no rio Tiquié e elas eram caçadas nesse período do ano; a exploração para venda de peles dizimou e afugentou os animais. Na mesma época vêem-se às vezes, mas não muito nitidamente, as constelações “Passarinho, muito bonito” (bihpiá dianá) (Figura 10) e “Caranguejo, muito bonito” (ngamiá dianá) (Figura 11).
Figura 9. Di’á yowá: lontra. Provavelmente o planeta Vênus ou Alfa do Cão Maior. Julho, agosto.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Figura 10. Bihpiá dianá: passarinho, muito bonito. Julho, agosto.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Figura 11. Ngamia dianá: caranguejo, muito bonito. Julho, agosto.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Essas constelações anunciam chuvas intermitentes que, por sua vez, trazem a frente fria chamada kerá, como o mamífero do mesmo nome (preguiça). É o início do ciclo das larvas comestíveis. Carnudas e de excelente sabor, as larvas alimentam-se das folhas de certas árvores e delas recebem seus nomes. A safra dessas primeiras larvas coincide com a volta da constelação “Pedaço de estrela”, que aparecera pela primeira vez em maio. Também nessa época sobem o rio Tiquié, mas não em desova, cardumes de maior porte, como o surubim e o pacu. A primeira migração desses peixes costuma acontecer em junho, a segunda em julho e a terceira em agosto.
Em agosto começa-se a roçar o terreno de mata virgem onde se deseja abrir roça nova. Roçam-se também as capoeiras, que podem ser derrubadas quase em seguida, porque são cobertas de árvores de menor porte. Ao mesmo tempo, termina a primeira safra de larvas e começa uma segunda, bem maior. Essas safras mobilizam grande número de pessoas, sobretudo na coleta de nihtiá.
Os rios estão cheios e é difícil pescar, exceto com anzol. Por isso as larvas assumem grande importância na dieta alimentar dos grupos indígenas. As mais procuradas e apreciadas são a primeira larva do cunuri e a que come folha de japurá. Em meio ao ciclo das larvas, verifica-se uma presença mais notória de pacas (Culiculus paca). Esses roedores alimentam-se dos frutos das árvores que crescem à beira-rio e amadurecem em junho, julho e agosto. Nessa época do ano, conforme a antiga divisão de atribuições econômicas entre as tribos, cabia aos Desâna caçá-las.
Em setembro ocorre um pequeno veranico de dois a três dias. Chama-se “verão das larvas velhas” (i’i mera were: larvas, velhas, verão) e marca o fim das primeiras larvas que aparecem em julho (as nihtiá, do cunuri, e as wahsu’bulo in, do tururi). Aproveitam-se os poucos dias de sol para queimar a roça de capoeira abatida em agosto. O rio baixa e termina o alagamento do igapó. Passada a curta estiagem, voltam a chuva e a corrente fria da preguiça. A ventania derruba as flores de fruteiras, como o abiu e o ingá, plantadas nas roças e junto às casas. Depois dessa onda de frio vem outro verão de cinco dias. É o “verão das larvas bonitas” (in diand were: larvas, bonitas, verão), que assinala o término da safra das últimas larvas comestíveis.
A estiagem é de novo aproveitada na queima das roças de capoeira. Os dias de sol terminam quando surge a constelação “Garça” (iahí puiró) (Figura 12), com a chuva do mesmo nome. Ela anuncia a última revoada da maniuara, chamada porá mengá (espinho, maniuara), já no fim de setembro. A partir daí começam chuvas intermitentes. Quem ainda não queimou a roça feita em terreno de capoeira perde a derrubada, porque a macega começa a crescer e não ocorre mais uma série de dias de sol forte para fazer a queima.
Figura 12. Iahi puiró: garça, enchente. Setembro.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
A classificação das constelações dos Desâna espelha a realidade climática de seu hábitat, que se caracteriza pela alternância de sol e chuva, bem como pelas sucessivas cheias e vazantes dos rios. Os verões são muito curtos, atingido no máximo 15 dias sem precipitação alguma; e as chuvas estão diretamente relacionadas à posição dos astros, ou seja, são marcadas pelo surgimento de constelações, cuja nomenclatura é idêntica à delas. São, portanto, essas constelações e essas chuvas que determinam o ciclo econômico anual. A caça não é incluída nesse ciclo como atividade de subsistência associada a mudanças climáticas. Entre outras razões, porque antigamente era provida sobretudo pelos indígenas da mata – os grupos Maku – aos indígenas do rio as tribos da família linguística tukâno, à qual se filiam os Desâna. A única exceção assinalável é a caça de pacas, em determinada época do ano, vinculada ao amadurecimento de frutos com que esses roedores se alimentam.
Outra evidência da maior importância é a contribuição que formigas e larvas de borboletas oferecem para complementar as necessidades de proteína animal, cuja fonte principal, para os indígenas do rio, é o peixe. Isso se comprova pela detalhada classificação taxonômica das diversas espécies, que demonstra profundo conhecimento da morfologia e hábitos dos invertebrados comestíveis. Desse conhecimento, fruto de prolongada observação, são também uma prova as técnicas de pesca e de captura de insetos e larvas. Os carboidratos são fornecidos pela mandioca, planta máter e sustentáculo mais estável da subsistência. Ela também se vincula ao ciclo das constelações, na medida em que chuvas e estiagens determinam o ciclo agrícola. Com efeito, nos curtos intervalos de no máximo 15 dias, quando não ocorre precipitação alguma, queima-se a roça, derrubada não raro sob o peso de chuvas torrenciais.
O movimento das estrelas pouco tem a ver com o ciclo ritual. Antigamente, antes das chuvas que acompanhavam as constelações da jararaca, de outubro a dezembro, os kumuá (sábios, videntes) faziam ritos com breu e fumo para afastar os ofídios que aparecem em maior número e são mais pestilentos e agressivos nessa época. O rito do breu é por isso chamado añá dibuli (jararaca, afastar). Nas roças, que são derrubadas então, o rito com fumo protegia contra a queda de troncos. De julho a setembro, quando surgem as constelações que coincidem com o ciclo das larvas comestíveis, faziam-se os mesmos exorcismos para defesa contra pajés sobrenaturais. O rito de iniciação masculina ocorria quando amadureciam certos frutos da mata muito apreciados por sua raridade – o uacum (Monopteryx uacu), o miriti (Mauritia flexuosa), e uma espécie de seringueira, provavelmente o cunuri, chamado pelos Desâna de wahsun e quando aparecia a constelação “Enxó emplumada”.
A nomenclatura das constelações coincide em parte com a que Stephen Hugh-Jones anotou (1982) entre os Barasana, grupo de língua tukâno da Colômbia, e a que Koch-Grunberg registrou (1905) em duas tribos da mesma filiação linguística no Uaupés. Contudo, nem sempre os nomes se referem ao mesmo grupo de estrelas. Entre os Desâna essas constelações não são mencionadas nos mitos: vinculam-se primordialmente à vida econômica. Suas observações climáticas contradizem a noção de que, na região, há apenas duas estações: seca e chuvosa, ou “verão” e “inverno”. Também superam outra classificação simplista, que só distingue no solo amazônico a terra firme, a campina e a várzea. Disso se conclui que o conhecimento indígena dos fenômenos climáticos deve ser considerado para a compreensão da etnoecologia da Amazônia.
O ciclo dos peixes do rio Tiquié
Em estreita dependência do regime das chuvas, o ciclo dos peixes se subordina, portanto, ao aparecimento das constelações que as anunciam. Assim, em novembro, quando surge a constelação “Rabo redondo de jararaca”, ocorre a primeira piracema de aracus, mandis, pacus, surubins. Em janeiro, durante o verão do ingá, quando as águas estão baixas, começa o preparo e a colocação das armadilhas de pesca e a confecção dos grandes puçás – os jererés – um trabalho masculino.
O caiá, a maior das armadilhas permanentes, é construído junto às cachoeiras ou, mais propriamente, restaurado nessa época (Figura 13). No rio Tiquié existem caiás nas cachoeiras de Pari, perto da aldeia dos Tukâno, e Periquito; no igarapé Cabari, onde se situa um povoado dos indígenas Tuyúka (a três horas de viagem em canoa acima de Pari); na cachoeira Caruru, junto à aldeia do mesmo nome, dos Tukâno; na cachoeira Pedra Curta, onde se localiza a povoação São Pedro, também dos indígenas Tuyúka. Só nesses lugares arma-se o caiá no rio Tiquié.
Figura 13. Caiá (ge’á). Armadilha de peixe, permanente, junto a Pari-Cachoeira, no rio Tiquié. Compare com a foto, em detalhe, tirada no mesmo lugar representado no desenho.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Em abril, quando surge a constelação “Rabo redondo da onça”, os aracus fazem na cachoeira Pari uma piracema que dura só um dia. Ela é denunciada por um barulho característico: os peixes “gritam”. Após a desova, ao iniciarem a descida do rio, eles são apanhados no caiá. Os indígenas que ajudaram a construir a armadilha dividem o produto. Nos outros dias, pega o peixe quem chegar primeiro. Com essa armadilha agarra-se tanto o peixe que sobe como o que desce o rio. Para o que sobe, o caiá é um anteparo que diminui a força da água na cachoeira. Ele procura a passagem e cai na esteira do caiá. O peixe que desce o rio trata de contornar a armadilha. Não resistindo à força das águas, retrocede, caindo igualmente na cilada.
No caiá apanham-se peixes grandes, como surubim, pacu, aracu, mandubé, mandi, e pequenos, como o pirá-mirim. Na época própria, arma-se uma esteira apertada, para que esse peixinho não escape por entre as varetas. O pacu, bem como o peixe chamado “do queixo vermelho”, comem o caruru (Mourera fluviatilis), planta que dá nas cachoeiras e da qual antigamente se extraía sal. Por isso eles são pescados em maior quantidade nesses hábitats.
O jequi é colocado nos lugares onde fazem piracema os aracus (Figura 14). Esses peixes têm dois pontos pretos no rabo, vivem nos igarapés e desovam no igapó, em determinados locais do rio Tiquié. A piracema dessa espécie de aracu (ñihtin ierikena, em desâna) ocorre durante o dia, às quatro horas da tarde. A outra espécie de aracu tem uma risca preta no rabo. Seu hábitat é no próprio rio Tiquié, mas eles desovam nos recôncavos, ou seja, nas voltas do rio, também em lugares certos. O aracu de risca preta (ñihtin manikena, em desâna) desova à noite, durante a chuva, um dia antes da piracema do aracu de pontos pretos.
Figura 14. Matapi, ou jequi com funil interno (alubo), para colocar em igarapés ou cachoeiras
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Por causa desses hábitos do aracu – o peixe mais apreciado pelos indígenas da região – e de outros peixes, os matapis são colocados em lugares determinados. Os Tukâno de Bela Vista colocam-nos no igarapé Umari e os de Tabatinga e Inspetoria no igarapé Castanha, ambos afluentes do Tiquié. É mais fácil colocar o jequi nos igarapés, que são locais mais fechados, do que na beira do rio ou nos igapós. O rio e o igapó crescem rapidamente e, com a subida das águas, é difícil encontrar o lugar da desova. Esses locais pertencem aos “irmãos maiores” de cada grupo, sendo denominados segundo o nome das armadilhas. Nas povoações dos indígenas Tukâno, no rio Tiquié, estão os lugares mais apropriados à colocação dos matapis. Às vezes pegam-se neles os peixes menores, que sobem em cardumes as cachoeiras, entre julho e setembro.
O cacuri é armado nas cachoeiras, em locais mais fechados do igapó, à beira-rio, bem como nos paranás. Nas cachoeiras de lauareté e Ipanoré, no rio Uaupés, sua localização, nos pontos de desova dos peixes, é transmitida de pais a filhos, como direito de herança. Os cacuris colocados no rio Tiquié não estão na dependência da piracema. A despeito disso, os maiores da tribo se apropriam desses lugares descobertos por meio de seguidas tentativas de captura dos peixes e os transferem, como herança, a seus descendentes. O cacuri, como o caiá, pode ser considerado armadilha permanente. Também é restaurado durante o verão do ingá.
Outro tipo de armadilha – um tubo oblongo de boca expandida chamado tëli – também é preparado durante o verão do ingá, isto é, em janeiro (Figura 15). É fincado entre varas, folhagens e outros anteparos, em determinados lugares no igapó. Esses locais são também transmitidos pelos pais a seus primogênitos e depois aos filhos seguintes. São lugares em que, por experiências de acerto e erro, a pesca mostrou-se mais produtiva, nada tendo a ver com as piracemas. Às vezes caem no těli os peixes menores – aracu, mandi, acará – que sobem em cardumes entre julho e setembro. O jereré é outro importante implemento pesqueiro (Figura 16). Serve para pescar o aracu de pontos pretos que desova à tarde e que, como o de risca preta, é encontrado em todas as piracemas marcadas pelas constelações de que tratamos.
Figura 15. Teli. Armadilha colocada à beira-rio, igapó ou igarapé, com cercadura de folhas e paus.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Figura 16. Jereré. Pesca à noite, em canoa, durante a piracema do aracu de risca preta no rabo.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Durante a piracema do primeiro aracu – o de risca preta – que ocorre à noite, toda a aldeia se reúne para ajudar na pesca com jereré, em canoa. Os pescadores sobem o rio, no meio da correnteza, com o puçá grande imerso na água. Quando percebem que já agarraram certa quantidade de peixe, despejam-na na canoa e voltam a mergulhar o jereré no rio. Tornam então a subir no meio da correnteza e repetem a operação inúmeras vezes, até se darem conta de que terminou a piracema.
Outros peixes – como o pacu, o mandubé, o surubim e o mandi – também procriam durante a piracema do aracu. O pirapucu faz piracema em separado, nas concentrações da palmeira jauari (Astrocaryum jauari), que cresce nos igapós. A piranha, o acará, a traíra e o tucunaré, entre outros, desovam individualmente, não em piracema: o acará e o tucunaré, no verão do ingá, a traíra e a piranha, no verão da pupunha.
Nas estiagens mais prolongadas, assinaladas pelos intervalos entre o aparecimento das constelações, fazem-se tingüijadas. Para isso coloca-se uma grande barragem (pari) cercando o paraná, o lago, alguns igapós que permitem esse fechamento por serem mais redondos, e também os igarapés, quando a água baixa o suficiente. A colocação dos paris se faz na época que precede as enchentes anunciadas pelas constelações do “Rabo de jararaca”, “Fêmur de tatu” e “Camarão”.
“A classificação das constelações dos Desâna espelha a realidade climática de seu hábitat, que se caracteriza pela alternância de sol e chuva, bem como pelas sucessivas cheias e vazantes dos rios.”
Nas tingüijadas empregam-se dois tipos de timbó (planta das famílias Leguminosae e Sapindacea; gêneros nativos: Derris e Paullinia; gêneros cultivados: Tephrosia sinapu e outros). Um deles, nativo, cresce nos igapós e só serve para pescar nos lagos. O talo é pisado e a espuma resultante espalhada no lago, para envenenar os peixes. Eles levam poucos minutos para subir à superfície, sendo então apanhados com puçá, arpão ou peneira, por homens, mulheres e crianças. Mais comum é o uso do timbó cultivado na roça. É uma trepadeira cuja raiz é socada e misturada com barro. Dissolvida a mistura na água, ela intoxica os peixes, que vêm à tona nos lagos, igarapés, paranás e curvas dos rios, sendo pegos da maneira descrita.
Na segunda quinzena de abril, quando cai a chuva “Barba do queixo da onça”, não dá mais para pescar com armadilha. Tampouco se montam barragens com paris, para tingüijar, uma vez que se sabe que não haverá outra estiagem. Durante o resto do mês, e também em maio, as armadilhas preparadas no verão do ingá ficam submersas. Só é possível pescar um peixinho chamado daguiru, à noite, com anzol.
A isca é um verme preto – o daracubi – cujos viveiros ficam em determinados lugares no igapó. Quando o rio enche, o daracubi sobe nas árvores e se esconde nas orquídeas, onde é coletado. Quando o rio seca, o pescador não precisa de isca: ele mergulha e procura nos tocos de pau podre certas espécies de daguiru que comem lama. Às vezes os peixinhos são pegos a mão, na própria lama.
Com a cheia dos rios, em junho, aparecem outros peixes, minúsculos, os pirá-mirins. Eles caem nos caiás colocados nas cachoeiras – quando estas não ficam submersas – nos jequis e em outra armadilha especial (imíno, em desâna), que leva isca de cupim ou formiga torrada, sustentada por uma folha. Para pegá-los, os caiás são aparelhados com esteiras de crivo fino, isto é, com varetas armadas bem próximas umas das outras.
A partir de junho começam a subir o rio cardumes maiores, como o surubim e o pacu. Concentram-se principalmente nas cachoeiras, onde, em lugares exclusivos para sua captura, são armados caiás e cacuris. Às vezes eles são também pescados com isca e anzol ou, à noite, com facheio. O conjunto dos cardumes chama-se em desâna i’in wai, o que significa “larvas, peixes”, uma vez que o auge dessa migração ocorre na época da safra das lagartas de borboletas, em agosto. A subida de cardumes – não em desova – vai de junho a setembro. A partir daí o rio baixa de nível e termina o alongamento dos igapós, reiniciando-se novo ciclo.
Com o uso das malhadeiras, introduzidas em 1979 no rio Tiquié, esses cardumes e até mesmo as piracemas vão-se tornando cada vez mais raros. Os peixes são pegos nas malhadeiras antes de ficarem adultos, não atingindo a época da desova.
O ciclo dos invertebrados comestíveis
É depois da chuva trazida pela constelação “Rabo redondo de jararaca” e durante a primeira piracema que as maniuaras (família Termidae, subfamília Nasutitermitinae, gênero Cornitermes) fazem a sua aparição. Elas constroem montículos de terra com vários orifícios de entrada e saída. Para apanhá-las, os indígenas fazem um funil com folha de sororoca (bananeira-brava, Heliconia sp) que é enfiado nos buracos do cupinzeiro. A esse funil se adapta uma espécie de recipiente: folha de sororoca dobrada e presa pelas dobras com lascas de pecíolo da folha da palmeira patauá (Jessenia bataua). A maniuara, ao levantar voo, bate na extremidade superior do funil e resvala para o recipiente de sororoca.
Essa operação é repetida ao terminar o verão da pupunha – no início de abril – quando surge a constelação do “Camarão” e ocorre nova revoada do inseto. Em meados do mesmo mês há uma terceira revoada, anunciada pela constelação “Barba do queixo da onça”, que por causa disso também é chamada “Enchente de maniuara”. Finalmente, durante a chuva que se precipita com a constelação “Rabo redondo da onça”, ocorre a última revoada das maniuaras. Como as safras dessas térmitas coincidem com algumas piracemas, verificava-se antigamente uma distribuição das tarefas: os Tukâno iam pescar enquanto os Desâna se ocupavam da coleta dos insetos. Os indígenas apreciam muito a maniuara, que, como a abelha, tem soldados e rainhas. Os soldados são comidos crus ou torrados, socados no pilão com sal e pimenta. Às vezes acrescenta-se peixinho moqueado, também socado no pilão, e com a mistura cobre-se o beiju. A rainha é preparada da mesma forma, mas sem peixe.
“O conhecimento indígena dos fenômenos climáticos deve ser considerado para a compreensão da etnoecologia da Amazônia.”
A saúva é igualmente apreciada por todos os grupos da região. Consomem-se duas espécies do gênero Atta: uma, chamada dih putiana em desâna, é pequena, amarronzada, e ingerida viva ou torrada, tanto o macho como a fêmea; a outra, também pequena, porém preta e mais brava, é chamada biaponá. Quando moqueadas, essas formigas se conservam por muito tempo. O voo da saúva começa quando as fêmeas estão ovadas, ao cair a chuva da constelação do “Camarão”. Para apanhá-las, arma-se em cima do formigueiro um jirau, onde as pessoas se sentam e as capturam em pleno voo. Seu ciclo termina na mesma época que o das maniuaras, isto é, em meados de abril, quando surge a constelação “Rabo redondo da onça”.
Ainda durante a chuva da constelação do “Camarão” começa a voar outra formiga, a “formiga-da-noite” (em tradução literal do desâna nami mengá: noite, formiga). Seu viveiro é subterrâneo, assim como o da saúva. Ela inicia o voo ao clarear o dia, sendo apanhada com facheio de turi. Cava-se primeiro um buraco a três metros de distância do formigueiro e abre-se uma calha, reta e limpa, para uni-los. Aceso o pau de turi, a formiga é atraída pela luz, caminhando em direção ao buraco, onde é recolhida num recipiente (Figura 17). Na mesma época ocorre o voo de duas espécies de cupim: ahpikōn weka e bulu paganá, em desâna. Uma delas constrói seus ninhos debaixo da terra ou em árvores podres, após derrubadas, a outra é arborícola. Os cupins só são comidos depois que criam asas, isto é, quando a fêmea está ovada. O macho não é consumido. O gafanhoto, que aparece antes da constelação da “Lontra”, em julho, é comido, tal como a formiga, torrado no tacho de barro, socado e misturado com sal e pimenta. Ou então é moqueado no espeto.
Figura 17. Modo de capturar a “formiga-da-noite” (nami menga): o fogo do pau de turi atrai os insetos, que caem no camuti (pote de barro), colocado num buraco cavado na terra.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
No final de julho, ao surgir a constelação do “Caranguejo”, é tempo das larvas de borboleta. As primeiras a madurar a ponto de serem consumidas são as nihtiá, da família das Saturnidae, que dão no tronco do cunuri (Cunuria spruceana). Em seguida surge a wahsu ‘bulo in, que come a folha do tururi (Sterculia sp). Ambas as árvores dão em terra firme do tipo arenoso-argiloso e também no igapó. A que dá no pé do tururi é rajada de rosa e preto e sem pelos (Figura 18). À medida que se torna adulta, aumenta de tamanho até medir cerca de dez centímetros, e vai descendo pelo tronco até chegar ao alcance da mão. Então é apanhada e cozida em água e sal. A nihtiá, de seis centímetros, colorido acinzentado e pelo esbranquiçado, também é pega a mão quando desce pelo tronco em bandos e se amontoa nos galhos das árvores vizinhas para fazer ninhos. É consumida torrada e socada no pilão com sal e pimenta, acompanhando o beiju.
Figura 18. Captura da wahsu’bulo in no tururi.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Em agosto aparece outra lagarta muito apreciada: a bali’i, que se alimenta da folha do japurá (Erisma pajurá), árvore de cerca de 20 metros de altura e um de diâmetro, cujo fruto é comestível, assim como o do cunuri. Para apanhá-la, limpa-se primeiro uma calha no terreno em torno do tronco. Depois a calha é forrada com a folha de cabari (Lonchocarpus sp). A certos intervalos, abrem-se na calha buracos forrados com a mesma folha (Figura 19). A larva cai do alto do japurá por volta do meio-dia e fica andando em torno do tronco até que penetra na calha, resvala e cai no buraco. Essa larva é azul com pintas saliva, para se protegerem. As que escapam brancas, sem pelo, e mede cerca de dez centímetros. Sabe-se quando cairá examinando os excrementos que ela espalha em torno do japurá. A larva do japurá é muito procurada não apenas pelo excelente sabor mas também porque produz uma enzima usada para eliminar verrugas. Como alimento, é cozida até amolecer, após tirar-se a glândula produtora da enzima. Pode também ser torrada inteira, socada no pilão e temperada com sal e pimenta.
Figura 19. Bali’i, caindo do japurá.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Na mesma época, em agosto, aparece a lagarta alaranjada com pelo branco (Figura 20) que come as folhas da acariquara (Minquartia guaianensis) e por isso toma o nome dessa árvore em desâna (bihpísa). Tem gosto adocicado sendo consumida da mesma forma que a lagarta do japurá. Em seguida amadurece a outra lagarta do cunuri. Mede quatro centímetros, tem pele e pelo marrons e se chama sit’ha (Figura 21). Ela come a folha da árvore à noite e, como a wahsu’bulo in (do tururi), desce pelo tronco, quando adulta, até ficar ao alcance da mão. Ainda no mesmo mês as larvas po’á busá e wahsun pe in (Figuras 22 e 23) atacam as folhas do cunuri. A primeira é peluda e esbranquiçada e atinge dez centímetros de comprimento. A segunda, do mesmo tamanho, é amarelada, com o pelo da mesma cor.
Figura 20. Acariquara com bihpisa.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Figura 21. Sit ‘ha, descendo o tronco do cunuri.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Figura 22. Po’á busá, “peluda”, também do cunuri.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Figura 23. Wahsun pë in, outra larva do cunuri.
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Finalmente, no mês das larvas comestíveis, aparecem as lagartas que dão no pé do ingá, chamadas behebu (Figura 24). Com quatro centímetros, pele amarelo-mostarda e pelo preto, comem a folha dessa fruteira. São apanhadas ao descer o tronco, já adultas. Quando se perde essa ocasião, são procuradas nos ninhos que formam nas árvores vizinhas, semelhantes a teias de aranha. Essa espécie é comida pelos passarinhos, quando ainda habita o alto do tronco. Por isso desce em menor quantidade. Algumas larvas, como a do japurá, costumam fazer ninhos no chão, com saliva, para protegerem. As que escapam da coleta viram borboletas.
Figura 24. Larva behebu, do ingá
(Fonte: Tolaman Kenhíri / Ciência Hoje. Reprodução)
Um estudo da antropóloga americana D.L. Dufour realizado entre os indígenas Tatúyo – grupo de língua tukâno da Colômbia – avalia que, dentre a proteína animal ingerida durante um ano por esses indígenas, cerca de 12% (para os homens) e 26% (para as mulheres) correspondem ao consumo de invertebrados. Além dos mencionados, incluem-se espécies de larvas de coleópteros e pupas de vespídeos (cabas). Essas larvas e pupas também são comidas pelos Desâna. Não estando, porém, relacionadas ao ciclo das constelações, foram aqui omitidas.