Estratégias de mitigação e adaptação climática no setor agropecuário brasileiro

Brasil busca implementação de práticas agrícolas sustentáveis para reduzir emissões de gases de efeito estufa.

Resumo

A crescente preocupação global com as mudanças climáticas, devido às emissões excessivas de gases de efeito estufa (GEE), destaca a necessidade urgente de ações efetivas. No Brasil, a agropecuária é uma fonte significativa de GEE. Em resposta, o Brasil ratificou o Acordo de Paris, comprometendo-se a reduzir suas emissões de GEE e aumentar a remoção desses gases. Para atingir essas metas, o país planeja ampliar a participação da bioenergia na matriz energética para aproximadamente 18% até 2030, incluindo o aumento do consumo de biocombustíveis e a produção de etanol de segunda geração. Além disso, o Brasil está promovendo práticas agrícolas de baixa emissão de carbono (C), como o plantio direto, a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e o manejo adequado de pastagens, para mitigar os impactos das mudanças climáticas e garantir a sustentabilidade do setor agropecuário.

Introdução

A preocupação global com as mudanças climáticas, intensificada pelas emissões de GEE como o dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), exige ações imediatas e eficazes. No Brasil, a agropecuária contribui significativamente para essas emissões. Em resposta, o Brasil ratificou o Acordo de Paris e comprometeu-se a reduzir suas emissões de GEE e aumentar a remoção desses gases. O país está implementando diversas ações para alcançar essas metas, incluindo a ampliação da participação da bioenergia na matriz energética e a adoção de práticas agrícolas sustentáveis. Este artigo explora essas práticas e suas implicações para a mitigação das mudanças climáticas.

 

Práticas de manejo agropecuário como opções de adaptação e mitigação das mudanças climáticas

O Brasil é um dos maiores produtores de commodities e serviços agrícolas do mundo. A diversidade das condições de solo e clima, aliada ao uso de tecnologia moderna, oferece vantagens significativas para o crescimento do setor agropecuário. Contudo, existe um grande potencial para melhorar os sistemas de uso e manejo do solo por meio de práticas agrícolas conservacionistas que protejam e melhorem as funções ecossistêmicas do solo, promovendo uma agricultura mais sustentável a longo prazo. Algumas das principais estratégias para aumentar o sequestro de C no solo e reduzir as emissões de GEE incluem:

 

  1. Sistema de Plantio Direto (SPD): Minimiza o revolvimento do solo, aumentando os estoques de C e melhorando a retenção de água e a atividade microbiana.
  2. Sistemas integrados de cultivo: Integração Lavoura-Pecuária (ILP), Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e sistemas agroflorestais que promovem sinergias entre diferentes atividades agrícolas.
  3. Manejo adequado de pastagens: Recuperação de pastagens degradadas e controle de plantas invasoras.

 

Essas práticas não apenas reduzem as emissões de GEE, mas também aumentam a produtividade e a resiliência do setor agropecuário às mudanças climáticas. Portanto, sua implementação é essencial para mitigar os impactos das mudanças climáticas e garantir a sustentabilidade do setor agropecuário no Brasil. A seguir, serão apontados apenas alguns exemplos de parte das práticas de manejo mencionadas.

 

“O Brasil é um dos maiores produtores de commodities e serviços agrícolas do mundo. A diversidade das condições de solo e clima, aliada ao uso de tecnologia moderna, oferece vantagens significativas para o crescimento do setor agropecuário.”

 

Sistema de Plantio Direto

O Sistema de Plantio Direto (SPD) é uma prática essencial na Agricultura de Conservação (AC), focada na mínima perturbação do solo. Este sistema inclui a diversificação de culturas e a cobertura permanente do solo, promovendo a sustentabilidade agrícola. O SPD tem demonstrado um aumento significativo nos estoques de C no solo, devido ao menor revolvimento e ao contínuo aporte de resíduos das culturas.[1, 2, 3] Estudos realizados por Santos [4] mostraram que, no bioma Cerrado, o SPD aumentou os estoques de C em 22% na camada de solo de 0-30 cm e 25% na camada de 0-50 cm após 20 anos, em comparação com o preparo convencional. Na Mata Atlântica, os estoques de C aumentaram em 13% e 12% nas camadas de 0-30 cm e 0-50 cm, respectivamente, após 20 anos de SPD. A análise geral para o Brasil evidenciou que o SPD pode resultar em ganhos de C que variam entre 6-9% na camada de 0-30 cm e 8-11% na camada de 0-50 cm.[4] Bayer et al.[2] observaram que, em Latossolos, os estoques de C aumentaram para 2,4 Mg ha-1 em solos de textura média e para 3,0 Mg ha-1 em solos argilosos sob SPD, com taxas de sequestro de 0,30 Mg C ha-1 ano-1 e 0,60 Mg C ha-1 ano-1, respectivamente. Esses resultados são semelhantes aos encontrados por Maia et al.,[5] que relataram uma taxa média de ganho de C de 0,48 Mg C ha-1 ano-1 no Cerrado. Apesar dos benefícios, a adoção do SPD em solos do Cerrado nem sempre resulta em aumento do estoque de C, devido a fatores como textura do solo, mineralogia e quantidade de resíduos aportados. A textura do solo é crucial para a dinâmica da matéria orgânica (MO), influenciando a formação de agregados, a retenção de água e a atividade microbiana.[6] Condições climáticas e a irregularidade das chuvas também afetam o incremento de MO nos solos do Cerrado.[7] (Figura 1)


Figura 1. Sistema de Plantio Direto no Cerrado
(Fonte: Seagro. Divulgação)

 

Sistemas integrados (Lavoura-Pecuária, Lavoura-Pecuária-Floresta e agroflorestais)

Nos últimos anos, a agricultura brasileira tem adotado sistemas integrados de cultivo para aumentar a eficiência produtiva e melhorar os serviços ecossistêmicos em áreas de pastagens degradadas. Estes sistemas incluem:

 

  1. Integração Lavoura-Pecuária (ILP)
  2. Integração Pecuária-Floresta (IPF)
  3. Integração Lavoura-Floresta (ILF)
  4. Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF)

 

Esses sistemas integram atividades agrícolas, pecuárias e florestais em uma mesma área, seja em cultivo consorciado, sucessão ou rotação, promovendo sinergias que contemplam a adequação ambiental e a viabilidade econômica.[8] Atualmente, no Brasil, esses sistemas são considerados alternativas sustentáveis que aumentam a produção de alimentos, fibras e energia, melhorando a qualidade do solo e aumentando os estoques de C.[4, 9, 10, 11] Além disso, reduzem as emissões de GEE.[12, 13] Os sistemas ILPF, em particular, oferecem uma grande diversidade de plantas e arranjos arbóreos, regulando o sequestro, fluxo e estoque de C segundo os diferentes arranjos dos agrossistemas e práticas de manejo. No entanto, a diversidade regional do Brasil exige estudos específicos para entender as demandas de implantação e os efeitos de cada arranjo de ILPF sobre o solo e as plantas, reduzindo as incertezas na estimativa do potencial de sequestro de C. Carvalho et al.[10] observaram que a conversão de áreas de sucessão de cultivos (soja/milho) para sistemas de ILP resultou em acúmulo de C no solo, variando de 0,8 a 2,9 Mg C ha-1 ano-1. Salton [14] relatou acúmulos de 0,6 e 0,4 Mg C ha-1 ano-1 em sistemas de ILP implantados por 9 e 10 anos, respectivamente. Maia et al.[5] identificaram um aumento médio de 9% nos estoques de C após 20 anos de ILP. Sacramento et al.[15] verificaram maior armazenamento de C em sistemas ILPF na Caatinga após 13 anos, comparado aos sistemas convencional e IPF. Silva et al.[16] confirmaram que quatro anos de ILPF aumentaram os níveis de C e melhoraram a estrutura física do solo. Coser et al.[17] encontraram um acúmulo de 3,5 Mg C ha-1 ano-1 em pastagem convertida para ILPF no Distrito Federal. Oliveira et al.[18] relataram aumentos nos estoques de C em ILPF após três anos no Mato Grosso, com maiores estoques de C em sistemas com Eucalyptus urograndis. Silva et al.[12] encontraram acúmulos de serapilheira de 11,2 a 12,7 Mg ha-1 em sistemas ILPF com Eucalyptus no cerrado goiano, aumentando a ciclagem de nutrientes e o teor de C no solo. Ribeiro [19] e Freitas et al.[20] relataram aumentos nos estoques de C em sistemas ILPF no Estado de Minas Gerais, com taxas de acúmulo de até 2,2 Mg C ha-1 ano-1. Tsukamoto Filho [21] estimou que sistemas ILPF com árvores de rápido crescimento podem fixar aproximadamente 5 Mg Ceq ha-1 ano-1 na madeira, equivalente à neutralização anual das emissões de 13 bois adultos. Os sistemas ILPF, além de mitigar emissões de GEE, melhoram o bem-estar animal, promovem a biodiversidade, aumentam a eficiência do uso da terra e agregam valor e renda às áreas de pastagens.[22] Eles são alternativas viáveis, corretas e justas para aumentar a produção sustentável de alimentos, fibras e agroenergia, contribuindo para a mitigação do desmatamento, redução da erosão, sequestro de C e diminuição das emissões de GEE. (Figura 2)


Figura 2. Sistema integrado de produção na Caatinga
(Foto: Embrapa. Divulgação)

 

Manejo conservacionista de pastagens

As pastagens cobrem 70% da área agrícola global, proporcionando habitat para uma grande diversidade de fauna e flora e contribuindo com serviços ecossistêmicos como a regulação dos fluxos de água e a produção de forragem. Além disso, sustentam mais de um bilhão de pessoas globalmente.[23] No Brasil, as pastagens ocupam 158,6 milhões de hectares, com 70% em algum estágio de degradação.[24] A intensificação da pecuária, com a taxa de lotação aumentando de 0,61 UA ha-1 em 1998 para 0,93 UA ha-1 em 2018,[25] torna crucial melhorar a produtividade e a sustentabilidade ambiental. As pastagens têm um alto potencial de sequestro de C no solo, representando 29% do potencial global de mitigação do aquecimento.[26] Oliveira et al.[18] mostraram que pastagens manejadas adequadamente podem aumentar os estoques de C do solo em 15% em 30 anos. Pastagens que recebem insumos, como adubação e calagem, aumentam o C em 8%, e a recuperação de pastagens degradadas pode promover um ganho de 23%. A meta de recuperar 30 milhões de hectares de pastagens degradadas poderia resultar em um acúmulo de 12 Tg C ano-1 no solo, enquanto a não recuperação resultaria em uma perda de 4,2 Tg C ano-1. A aplicação de calcário e fertilizantes em pastagens no Sul da Bahia aumentou os estoques de C em 0,66 Mg ha-1 ano-1. Em Paracatu (MG), a aplicação de ureia a cada três anos aumentou os estoques de C mais do que a vegetação nativa e o eucalipto.[27] Em média, a fertilização de pastagens no Brasil aumenta o C do solo em 0,73 Mg ha-1 ano-1. A inclusão de leguminosas forrageiras em pastagens melhora o sequestro de C. Salton et al.[14] relataram um aumento de 1,12 mg ha-1 ano-1 em pastagens consorciadas com leguminosas. A introdução de leguminosas em pastagens aumentou os estoques de C em 0,72 mg ha-1 ano-1. Alguns genótipos de braquiária podem obter até 20% do N necessário por meio de associações com bactérias do gênero Azospirillum.[28] Sistemas integrados de produção agrícola e pecuária (ILP) também são eficazes para a recuperação de pastagens. Em Santa Carmen (MT), a sucessão soja/sorgo + braquiária aumentou os estoques de C em 1,03 a 1,35 Mg ha-1 ano-1 [10]. Em Montividiu (GO), a sucessão soja/milho + braquiária/algodão/pousio resultou em incrementos de 0,82 Mg ha-1 ano-1 no estoque de C do solo. Em lavouras de soja em sucessão com pastagens de braquiária, Salton et al.[14] reportaram aumento de 0,44 Mg ha-1 ano-1. A integração lavoura-pecuária apresenta um potencial de acúmulo de C de 0,67 Mg ha-1 ano-1.

 

“Nos últimos anos, a agricultura brasileira tem adotado sistemas integrados de cultivo para aumentar a eficiência produtiva e melhorar os serviços ecossistêmicos em áreas de pastagens degradadas.”

 

Considerações finais

O uso agrícola do solo com técnicas convencionais de cultivo, incluindo aração e gradagem, é uma das principais causas das emissões de GEE e da redução do C no solo, contribuindo para o aquecimento global e afetando negativamente a produtividade agrícola e os serviços ambientais. No entanto, a adoção de sistemas de manejo conservacionistas tem modificado esse quadro, reduzindo a degradação do solo, as perdas de safra e aumentando a produtividade. Diversas pesquisas mostram que essas práticas podem reduzir as emissões de GEE e, ao mesmo tempo, aumentar o sequestro de C no solo. Assim, sistemas conservacionistas de manejo do solo e rotação de culturas, além de reduzir custos de produção, têm a função de mitigar as mudanças climáticas globais. Apesar dos benefícios ambientais, essas práticas ainda não são amplamente reconhecidas para créditos de C pela Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. É necessária a implementação de políticas imediatas para que a redução das emissões de GEE e o sequestro de C sejam reconhecidos como atividades elegíveis, incentivando a adoção de práticas sustentáveis e o uso adequado do solo.

 

“A intensificação da pecuária torna crucial melhorar a produtividade e a sustentabilidade ambiental.”

 

Capa. Ações do Brasil visam mitigar emissões de gases de efeito estufa na agropecuária.
(Foto: Nilmar Lage / Greenpeace. Reprodução)
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Carlos Eduardo Pellegrino Cerri é professor do Departamento de Ciência do Solo da ESALQ/USP e Diretor do CCARBON/USP (Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical).
Thalita Fernanda Abbruzzini é Post Doctoral Fellow no Instituto de Geologia, Departamento de Ciências Ambientais e do Solo, da Universidade Autônoma de México (UNAM).
João Luís Nunes Carvalho é pesquisador do Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR/CNPEM), Campinas, São Paulo e orientador no Programa de Pós-Graduação em Solos e Nutrição de Plantas da ESALQ/USP, Piracicaba, São Paulo.
Maurício Roberto Cherubin é professor do Departamento de Ciência do Solo, ESALQ/USP, Piracicaba, São Paulo, e vice-coordenador geral do Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCARBON/USP).
Leidivan Almeida Frazão é professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Montes Claros, Minas Gerais e membro do Comitê Gestor do Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCARBON/USP), Piracicaba, São Paulo.
Stoécio Malta Ferreira Maia é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Alagoas (IFAL) Marechal Deodoro, Alagoas e Membro Científico da Brazilian Soil Health Partnership, iniciativa vinculada ao Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCARBON/USP).
Dener Márcio da Silva Oliveira é professor da Universidade Federal de Viçosa, Instituto de Ciências Agrárias, Florestal, Minas Gerais e Membro Científico da Brazilian Soil Health Partnership, iniciativa vinculada ao Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCARBON/USP).

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