O lugar do Piauí no contexto
Uma das mais significativas narrativas sobre a guerra de independência do Brasil refere-se a batalha do Jenipapo, ocorrida as margens do riacho do mesmo nome próximo à vila de Campo Maior no Norte da Província do Piauí. Um episódio relativamente pouco trabalhado cuja participação de forças libertadoras no processo de independência se tornou capital para barrar as ações do estado português e do projeto para salvaguardar o Norte do seu império colonial. A batalha impactaria decisivamente no fracasso desse projeto pois também era fruto de uma reação que levou ao antilusitano no Brasil.
A compreensão desse processo se liga às medidas que visavam reconduzir o país à condição de colônia. Dentre as medidas tomadas em relação ao Brasil pelas Cortes Gerais da Nação Portuguesa,[i] foi a criação em 1821 das Juntas Provisórias de Governo, ou Juntas do Governo Provisório, substituindo os capitães e governadores das capitanias na administração das províncias. As juntas eram detentoras de toda a autoridade e jurisdição nos âmbitos civil, econômico, administrativo e de polícia.
Em atendimento às reivindicações das Cortes e a fim a restabelecer o domínio e centralidade política emanada a partir de Lisboa no controle do Império Luso-brasileiro,[ii] essas medidas atingiram em cheio ao Piauí bem como as demais províncias e foram estabelecidas durante o governo do príncipe regente D. Pedro, após a volta de seu pai D. João para Portugal, que naquele momento já era um monarca constitucional. Essa era uma das medidas-chave do projeto das Cortes de ressignificar a estrutura administrativa das capitanias, criando um mecanismo que fosse fiel a Portugal.
Como afirmou Oliveira Lima: “As juntas foram o alicerce do Brasil constitucional. Entre a Bahia e o Pará elas se foram sucedendo n’um espírito de passividade nacional, deferentes para com a política unionista das Côrtes, refratarias a subordinação a um centro executivo brasileiro.”[iii] E, nesse esquema, o controle militar das regiões que passaram a ser denominadas de Província era de fundamental importância.
Caso o projeto de restabelecer o status de colônia ao Brasil não vingasse, e visando salvaguardar o que pudesse de territórios do norte do seu império colonial, foi enviado para regiões especificas militares com a missão de exercer o comando de tropas para a defesa dos interesses da metrópole portuguesa, para a Província do Piauí foi enviado o major João José da Cunha Fidié, que havia sido nomeado por meio de carta régia de 9 de dezembro de 1821 para ser o comandante de armas do Piauí, tendo este chegado em 8 de agosto de 1822 com a missão precípua de manter a região sob controle português a todo custo. O governo das armas era independente do governo civil e receberia instruções e ordens diretamente de Portugal.[iv]
A historiografia sobre o processo de independência no Piauí fez referência ao projeto português de salvaguardar o norte de seu império colonial em caso da separação de fato ocorrer. Isso se daria muito por conta da proximidade das elites comerciais e políticas das provinciais do Maranhão e do Grã Pará.[v] a ideia de incluir o Piauí nesse projeto derivava da concepção de que a região era detentora de um grande rebanho de gado, e que historicamente no passado o Piauí já havia feito parte do Maranhão.[vi]
As diversas falas da elite política e econômica de Portugal se faziam representar nas ações de seus militares estacionados nas Províncias do Brasil, as instruções eram bem explícitas, com o objetivo de manter a todo custo a região sob domínio de Lisboa. Sobre isso, o major João José da Cunha Fidié, ao viajar para o Piauí, deixou registrado em sua autobiografia quais eram as suas ordens nesse sentido, “[…] sua Magestade [D. João VI] me ordenou muito positivamente, que me mantivesse, dizendo-me – ‘mantenha-se! Mantenha-se!” [vii]
No Brasil, após a proclamação da Independência pelo príncipe D. Pedro, em 7 de setembro de 1822, a notícia rapidamente chegou ao Piauí e na vila de Parnaíba, e no dia 19 de outubro do mesmo ano, a elite política e econômica da vila, personificada nas figuras do juiz de fora João Cândido de Deus e Silva, do comerciante e coronel de milícias Simplício Dias da Silva, do capitão Domingos Dias da Silva, de José Ferreira Meirelles, do capitão Bernardo Antônio Saraiva, do escrivão Angelo da Costa Rosa, de Bernardo de Freitas Caldas, José Francisco de Miranda Osório e do tenente Joaquim Thimotheo de Britto, aclamaram o príncipe D. Pedro como imperador do Brasil.[viii]
Em 7 de novembro de 1822, de São Luís do Maranhão, o comandante Militar do Maranhão Agostinho António de Faria escreveu ao secretário de estado dos Negócios da Guerra, Cândido José Xavier, comunicando sobre a insurreição no Piauí, na vila da Parnaíba, e que era liderada pelo então juiz de Fora, João Cândido de Deus e pelo coronel Simplício Dias da Silva e que haviam aderido à independência do Brasil, proclamada no Rio de Janeiro.[ix]
Em Oeiras, ao tomar ciência do ocorrido em Parnaíba, o major Cunha Fidié iniciou o deslocamento de suas forças para sufocar o movimento naquela vila. Ao chegar em Parnaíba, Fidié a encontrou ausente das lideranças insurgentes, o que o impediu de tomar providências mais duras contra os líderes da proclamação.[x] Naquelas circunstâncias vários líderes haviam debandado em busca de apoio junto a Província do Ceará a fim de auxiliá-los na contenção das forças portuguesas.
No Ceará, as primeiras notícias da reação portuguesa no Piauí haviam chegado em janeiro de 1823. Naquele momento começava a se formar a Junta de Governo Independente no Ceará, [xi] o apoio da junta seria de vital importância para o projeto de manter o Piauí dentro do novo império.
Após a saída de Fidie de Oeiras os membros de uma Junta eleita sob a liderança de Manoel de Sousa Martins e seu Irmão Joaquim de Sousa Martins, proclamaram a Independência em Oeiras no dia 24 de janeiro de 1823.[xii] Assim o Norte em Parnaíba e o Sul onde estava a capital da Província, Oeiras estavam sublevadas e fieis a D. Pedro.
Exércitos frente a frente
Com a independência também proclamada no Ceará, na vila de lcó, em 16 de outubro de 1822, foi feita uma aliança entre Tristão Gonçalves de Alencar Araripe,[xiii] com o chefe José Pereira Filgueiras após se reunirem ali os eleitores do Sul da província para a escolha dos constituintes brasileiros. Isto fez surgir um governo temporário organizado como uma Junta que tomou o controle político do Ceará.[xiv]
Os insurgentes parnaibanos do Piauí, que haviam se deslocado ao vizinho Ceará, solicitaram então ajuda a esse novo governo. Os deputados membros da Junta Provisória da Província do Ceará, que haviam aderido totalmente à independência, decidiram então auxiliar o Piauí contra as tropas portuguesas comandadas pelo major João José da Cunha Fidié.[xv] Isso se deu no mesmo dia da proclamação de independência em Oeiras. Com o pedido de socorro sendo atendido pelos cearenses, era necessário criar uma força armada: o juiz João Cândido solicitou armas, munições e homens,[xvi] enquanto Leonardo Castelo Branco conseguiu organizar em Sobral no Ceará uma força expedicionária.[xvii]
O Governo independentista do Ceará enviou um aviso à Junta Provisória do Piauí confirmando que socorreria a província e referiu-se ao projeto de D. Pedro para demarcar o plano de extensão do Império que estava surgindo ao longo do território do Reino do Brasil, asseverando que “[…] o grito da independência do Brazil tem retumbado desde o Prata até o Amazonas, […],[xviii] essa afirmação derrubaria completamente o projeto português de manter o Norte Brasil ao seu império colonial. O Piauí havia se iniciado, portanto, no combate de resistência ao comandante das armas português. Segundo Oliveira Lima, a expedição cearense estava composta por “vaqueiros mal armados, mal abastecidos e mal comandados, mais se assemelhando a um movimento de tribo nômada, […]” [xix] mas continha um bom número homens.
Parte desse exército libertador formado no Ceara era dotado de alguma coesão, a força era comandada pelo capitão Luiz Rodrigues Chaves, várias centenas de homens de todo o sertão do Ceará e do Piauí engrossaria seu efetivo. A tropa era constituída de corpos armados de infantaria, cavalaria e artilharia, com uma composição heterogênea popular formada por indígenas, mestiços e pretos.[xx] Por outro lado, para organizar um exército tão grande no Ceará a junta governativa também enfrentou consideráveis problemas com o recrutamento de homens, ocasionando fugas e resistências.[xxi]
Há uma grande discrepância no número de forças mobilizadas na marcha contra Fidié no Piauí e posteriormente ao Maranhão. A junta do Ceará cita algo em torno de 20 mil homens mobilizados, e que poderia colocar 10 mil já em marcha com semelhante contingente na reserva. Fala-se também em um número aproximado de 8 a 10 mil combatentes.[xxii] Por outro lado em suas memorias, o major Cunha Fidié relatou que as tropas do exército inimigo somavam perto de 9 mil homens na última fase da campanha já no Maranhão.[xxiii]
Por volta de 20 de fevereiro de 1823, algumas semanas antes da batalha no Jenipapo e com a afluência de forças de ambos os lados se deslocando para Campo Maior, a Junta de Governo em Oeiras traçou planos para mobilizar todos os que pudessem tomar armas na capital. Foi pensado um esquema de organização que aproveitava as tropas pernambucanas que chegavam para ajudar na defesa em diferentes posições em diversas localidades.[xxiv]
Em 16 de março três dias após a batalha, a Junta em Oeiras havia emitido um alerta a partir de um comunicado sobre a movimentação de Fidié, que dizia,
Hoje pela 6 horas da manhã recebeu esse Governo as participações constantes das copias inclusas, que remeteu o Cap. Luiz Rodrigues Chaves Comandante das Forças estacionadas em Campo Maior, das quais verá V. Sas. As atuais circunstâncias. Uma das copias é de uma Carta do Comandante de São Gonçalo – Jozé da Costa Velozo. Faz-se, pois, necessário q V. S. tome as medidas providenciais que o tempo requer. A Pátria está em perigo, cumpre salva-la para não sermos submergidos por ela.[xxv]
Desde a proclamação de 24 de janeiro, as forças portuguesas estacionadas no Maranhão também trataram de se preparar contra os independentistas do Piauí, desde a vila de Pastos Bons até Caxias, todas as guarnições maranhenses próximas ao Piauí, como Carnaubeiras, São Bernardo e mesmo a vila de Itapecuru, [xxvi] já próxima a São Luís, foram guarnecidas.
Sobre isso o Comandante da Armas do Maranhão, Agostinho António de Faria, informou ao Ministro dos Negócios da Guerra que havia fortificado os limites com o Piauí, em “todos os pontos na margem do rio Parnaíba do lado do Piauí” ao tempo em que remeteu novos contingentes de suprimentos e soldados a Caxias, para a defesa desta vila.[xxvii] Durante todo o tempo de ação contra os revoltosos no Piauí, o comandante militar no Maranhão e Fidié mantiveram permanente comunicação.
O Exército português estava relativamente bem equipado, era formado essencialmente pela primeira linha que consistia em soldados profissionais. Durante a campanha no Piauí as forças portuguesas que Fidié dispunha somavam entre 1.500 a 2.000 homens,[xxviii] por conta também de reforços enviados pelo Maranhão e Pará, quando ainda estava em Parnaíba.
Durante a Batalha do Jenipapo, a tropa de Portugal que combateu os insurretos girava em torno de 1.600 homens,[xxix] e os rebeldes por volta de 2.000. Há divergências em torno da estimativa da força de combatentes do capitão Chaves que era de mil homens, com variada composição social, e mais 500 soldados do Ceara,[xxx] pois Fidié chegou a informar em ofício ao Ministro dos Negócios da guerra após a batalha que o número chegava a algo perto de dois a três mil homens compondo o exército dos insurretos.[xxxi]
Para lidar com a situação no Piauí, em 27 de janeiro de 1823, da vila da Parnaíba Fidié informou ao secretário de estado dos Negócios Estrangeiros e Guerra, Cândido José Xavier, sobre as notícias acerca das tropas sediciosas que marchavam do Ceará para o Piauí, e pediu ajuda de tropas do Maranhão em menor proporção do Pará com o propósito de defender os locais mais distantes do Piauí e, assim, as províncias enviaram reforços em atendimento a sua solicitação.[xxxii]
Esse apoio, contudo, acabou escasseando quando do cerco a Caxias, tendo em vista que a junta em São Luís do Maranhão também já se via ameaçada com a chegada do Lord Thomas Cochrane na Nau Pedro, que intimou a Junta Governativa do Maranhão a jurar fidelidade ao Imperador D. Pedro e o Pará com a presença de John Pascoe Grenfell no brigue Maranhão, que igualmente conseguiu a adesão da Junta Governativa da Província.
Fidié também relata em suas memórias a sua expectativa com a vinda de cinco navios com reforços diretamente de Portugal, com tropa significativa,[xxxiii] mas depois da ação de Cochrane contra a esquadra portuguesa que havia saído da Bahia, esta não pôde mais apoiar qualquer operação no Norte do Brasil.
A batalha e sua projeção
O capitão Chaves e sua força haviam entrado no Piauí e chegado na vila de Campo Maior em 12 de fevereiro de 1823, e de lá receberam as orientações necessárias para enfrentar o major Fidié e impedir que se dirigisse a Oeiras. Pois o mesmo, ao saber da proclamação do dia 24 de janeiro na capital, resolveu deixar Parnaíba e retornar o mais rapidamente possível para Oeiras.
Em 10 de março, Chaves recebeu ordens para se dirigir até a vila de Piracuruca onde se concentravam as forças portuguesas, com a missão de desalojar o militar português.[xxxiv] No dia anterior, um sargento chamado Francisco Inácio Costa, vindo de Piracuruca, trouxe notícias sobre a posição de Fidié, informando que ele se encontrava a pouca distância de Campo Maior. Sem ter como receber apoio de Oeiras, Chaves passou a tomar deliberações com o que dispunha. Ao saber que forças portuguesas do major Cunha Fidié vinham de Parnaíba com destino a Oeiras, a população de Campo Maior se mobilizou a partir da convocação propalada pelo capitão Chaves,[xxxv] e rapidamente puderam se mobilizar na praça da matriz da vila de Campo Maior em uma tentativa desesperada para tentar impedi-lo de continuar sua jornada até a capital da Província.
Entre as providências tomadas, o capitão Rodrigues Chaves enviou mensageiro ao Estanhado, onde atualmente é o município de União, instando que o capitão João da Costa Alecrim e suas tropas se juntassem a ele. Nesse ínterim, chegaram 80 homens comandados pelo alferes Salvador Cardoso de Oliveira.[xxxvi] Alguns soldados do Ceará também vieram a tempo, em grande maioria composta por índios oriundos da serra da Ibiapaba.[xxxvii]
Durante a noite de 12 de março de 1823, os homens da vila e dos arredores foram alistados, sendo logo em seguida organizados em regimentos. Grande parte da população se viu cooptada pelo discurso dos insurretos independentistas, ficando motivada a partir para a luta contra os portugueses que se aproximavam de Campo Maior.
Na manhã do dia 13 de março de 1823, os homens se reuniram em frente à Igreja de Santo Antônio. O comandante Chaves já sabia que Fidié estava acampado com a sua tropa em uma fazenda próxima.[xxxviii] Ao seu sinal de comando a grande coluna de combatentes saiu em marcha, segundo Brandão, não tinham “nenhum porte marcial. Aos primeiros movimentos, mostram a ausência de disciplina.”[xxxix] Mas estavam prontos para enfrentar os portugueses.
Cerca de dois mil homens marcharam para a batalha. As armas que usavam eram primitivas: espadas, chuços e até foices. Poucas pistolas e clavinas de caça, mas também uma peça, calibre 3 (que não teria utilidade, por falta de artilheiro). [xl] Portavam ainda machados, facas, paus e pedras. Sem experiência em campanhas militares, depois de percorridas duas léguas, os piauienses e cearenses chegaram às margens do Jenipapo, [xli] onde pretendiam impedir a passagem dos portugueses.
Como o Jenipapo estava relativamente raso, a maioria dos patriotas se escondeu junto ao leito do riacho, enquanto a outra parte ficou abrigada nos matagais adjacentes. [xlii] Ficaram à espera do exército português que teria que passar por ali. De onde estavam podiam ver quando os portugueses se aproximavam do local, pois o terreno era bastante plano, com uma vasta planície, aberta e sem nenhum abrigo.
A tropa sob comando de Chaves estava entrincheirada e à frente deles havia uma estrada bifurcada, com um caminho para a direita e outro para a esquerda. O capitão Chaves ficou em dúvida sobre qual percurso Fidié iria seguir, pouco depois das oito horas, o capitão Rodrigues Chaves enviou uma patrulha de reconhecimento no local onde seria travada a batalha.[xliii]
Fidié chegou ao local onde a estrada estava bifurcada e decidiu dividir sua força, metade dela, a infantaria e a artilharia seguiram com ele para a esquerda e a cavalaria seguiu para direita. Os independentes, não sabendo que Fidié fizera uma divisão no seu contingente, estavam no mesmo caminho para encontrar com a cavalaria portuguesa, e acabaram sendo surpreendidos. Quando os combatentes do exército insurgente os viram, avançaram contra a cavalaria de Fidié. Segundo Neves “[…] não convindo, porém, aos portugueses um ataque mais sério, porque não podiam dirigir-se com segurança e ignoravam o número dos atacantes, retrocederam e fugiram.” [xliv]
Com o recuo da cavalaria, os combatentes piauienses ouviram o tiroteio, e constataram que o confronto havia começado. Saíram das trincheiras e se lançaram precipitadamente na estrada atrás do inimigo, mas as tropas portuguesas já não se encontravam ali. Fidié, ao saber do movimento, atravessou o rio Jenipapo pela estrada da esquerda, construiu às pressas uma barricada, onde distribuiu armas pesadas, incluindo os 11 canhões que dispunha. Organizou a sua posição de batalha dispondo os atiradores na linha de frente, nas trincheiras onde estavam antes os combatentes do Piauí. [xlv] Os piauienses, que anteriormente estavam em posição favorável, ficaram em situação crítica.
“Após cinco horas de combates, as tropas se retiraram desordenadamente do campo, deixando, segundo estimativas, 542 presos e 200 mortos e feridos.”
Quando os piauienses retornaram e viram a situação adversa, só encontraram uma alternativa: atacar Fidié ao mesmo tempo e em todas as direções ao longo das margens do rio. No primeiro momento da luta, houve muitas baixas das tropas do Piauí. Dezenas de corpos caíram pelas armas do exército português. Os poucos que conseguiram cruzar a linha de fogo foram detidos pelos canhões. Vieira da Silva afirmou que,
Depois de um vivo fogo, os independentes tentaram com extraordinária impetuosidade envolver as tropas constitucionais portuguesas por todos os lados; mas Fidié dirigia o fogo de seus soldados tão habilmente que varria diante de si os independentes. Cedendo estes a disciplina e a superioridade das armas e não lhes valendo a coragem com que afrontavam o perigo, retiraram-se em completa debandada deixando-o senhor do campo. [xlvi]
As sucessivas cargas dos insurretos do Piauí e do Ceará deixaram muitos mortos no chão. Os mosquetes e a barragem de artilharia dos portugueses varreram o campo de batalha de um lado para o outro. Aqueles que pudessem passar bloqueando o fogo poderiam lutar com os portugueses. Mas, ao meio-dia, os piauienses e cearenses estavam exaustos e não mais nutriam esperança de que iriam vencer os portugueses. Às duas horas da tarde, após cinco horas de combates, as tropas de Chaves se retiraram desordenadamente do campo, deixando, segundo estimativas, 542 presos e 200 mortos e feridos.[xlvii]
As tropas portuguesas igualmente cansadas se retiraram do campo de batalha com um sol escaldante o que provavelmente os impediu de perseguirem o exército independentista. Embora já os tivessem derrotado, Fidié afirmou em seu relatório ao Ministro dos Negócios da Guerra que ainda teria perseguido o inimigo por duas léguas até o anoitecer.[xlviii] Após a refrega o exército português foi acampar em uma fazenda próxima chamada Tombador a cerca a um quilômetro de Campo Maior, as suas perdas foram estimadas em 16 soldados, um capitão, um alferes, um sargento mortos e sessenta feridos,[xlix] naquele contexto, precisavam enterrar os seus mortos e tratar os feridos.
Houve uma perda muito grave para os portugueses: o seu suprimento e a bagagem do major Fidié que haviam sido tomadas por uma tropa do exército insurgente, o que acabou limitando a sua movimentação pela região, o comandante Chaves em seu relato a Junta Provisória do Ceará narrou sobre o suposto fato “As nossas tropas não eram tão bem armadas, e só tinham duas peças, com as quais deram dois tiros, ficando elas logo desmontadas: pelo que baterão o inimigo em guerrilha pela retaguarda, e tomaram-lhe a munição, botica e bagagem quase toda.”[l]
Mesmo com o exército português reunido, o major, viu-se diante da tarefa difícil de manter suas tropas unidas, pois dia após dia aconteciam deserções que deixava claros nas suas fileiras, e sem logística alguma, abandonou Campo Maior, indo acampar no Estanhado. Fidié estudava se dirigir a vila de Caxias no Maranhão, pois ele havia recebido um ofício em 3 de abril de 1823 da Junta da vila requerendo que marchasse para lá. [li]
Após a batalha, em fins de março a Junta Provisória de Governo no Piauí, descentralizou o comando das operações dando mais liberdade em relação a Oeiras, e criou a Junta de Comissão Militar da Barra do Poti, com aval para atuar no norte da Província em perseguição ao inimigo português, essa descentralização ocorreu por uma compreensão real da situação.[lii] O exército independentista no Piauí precisava se reagrupar e ter uma organização mais flexível para que pudesse se lançar no encalço das forças de Fidié, para tanto a Junta em Oeiras, foi continuamente enviando oficiais com alguma experiência nas milícias para engrossar as forças.[liii]
Em Oeiras, tomou-se a decisão de nomear um comandante em chefe das forças em operações na passagem de Santo Antônio, constituindo todo o exército de três divisões sob o comando supremo do tenente-coronel Raimundo de Sousa Martins. As divisões ficaram assim organizadas, a primeira, sob o comando do capitão Luiz Rodrigues Chaves, a segunda, do capitão João da Costa Alecrim e a terceira no comando do capitão Francisco Manoel de Araújo Costa, o sargento-mor Francisco Inácio da Costa ficou como major de brigada com a missão de realizar patrulhas,[liv] e dar apoio.
No Estanhado, Fidié permaneceu vigilante, planejando qual movimento seguiria. A Câmara em Caxias solicitou que se dirigisse até a vila, uma vez que ela também não poderia apoiá-lo, e sua presença na vila controlaria as desordens que começavam a grassar junto às tropas portuguesas. Houve ainda escaramuças entre tropas portuguesas e forças do exército independentista, até que Fidié definitivamente partiu para Caxias, em 29 de março abandonando o Piauí,[lv] terminando a luta na província sem mais nenhuma ligação com a Metrópole Portuguesa.
Ao se dirigir até a vila de Caxias no Maranhão, para reorganizar as defesas, acabou sofrendo um assédio de cinco meses das tropas do “Exército Auxiliador do Ceará, Piauhi e Pernambuco” que havia sido formado para combate-lo no Maranhão redundando na sua capitulação em 1 de agosto de 1823.
Figura 1. O Cemitério do Batalhão do Jenipapo, localizado à margem do Rio Jenipapo, em Campo Maior, no Estado do Piauí, tornou-se um sítio arqueológico tombado no dia 30 de novembro de 1938
(“Cemitério do Batalhão, em Campo Maior”. Divulgação)
Conclusão
A Província do Piauí ainda demandaria muito esforço para se estabilizar, sobretudo nos dois anos seguintes quando outras questões levariam ao distanciamento das lideranças que outrora eram aliadas, mas no contexto da guerra propriamente dita ela havia sofrido muito com a mobilização militar e com a insegurança. Após a ida de Fidié para Caxias, a questão da luta entre as Cortes de Lisboa e a elite piauiense e do Rio de Janeiro estava terminada.
Restaria ainda a campanha no Maranhão, cujo esforço do Piauí ainda consumiria virtualmente às forças da Província, pois desde 16 de abril de 1823 D. Pedro havia concedido todos os poderes ao Coronel Simplício Dias da Silva e ao Governador das Armas do Ceará para invadirem o Maranhão.
“As ações militares no Piauí foram, por todos os motivos, talvez a parte mais vital da guerra de independência no Norte porque envolveu direta ou indiretamente as demais Províncias e decidiram a favor do Império o destino e o controle de toda a região setentrional do país.”
A batalha do Jenipapo consolidou a independência no Norte e abriu espaço para as operações no Maranhão, cuja ação da esquadra imperial brasileira, no decorrer da manutenção e controle do litoral do Brasil, impediu Portugal de manter pontos de apoio aos seus exércitos que eram de fundamental importância para a manutenção de suas operações militares.
As ações militares no Piauí foram, por todos os motivos, talvez a parte mais vital da guerra de independência no Norte porque envolveu direta ou indiretamente as demais Províncias e decidiram a favor do Império o destino e o controle de toda a região setentrional do país.
O memorialista piauiense, Hermínio Brito Conde, afirmou na apresentação da edição brasileira de Varia Fortuna de um Soldado Português, que, “O Nordeste não aderiu à independência; construiu-a duramente no campo de batalha.” E que, “Fidie constituiu grave risco para a unidade brasileira”, e finalmente ele conclamou que os livros de história fossem revistos para incluir a narrativa sobre a campanha da independência no Piauí, Ceara e Maranhão.[lvi]
A narrativa histórica sobre o processo de independência no Piauí e a reconstrução de como se deu a batalha do Jenipapo constitui-se como um objeto de grande importância para se compreender sobre como se deu a consolidação da independência do Brasil no Norte em 1823. Essa narrativa foi muita trabalhada pelos memorialistas no Piauí ao longo do século XX, mas na atualidade há uma urgência em ser revisitada com mais afinco tanto pela própria dimensão da investigação, como pela disponibilidade de fontes, muitas das quais ainda nem foram utilizadas.