Determinação da longitude pela distância lunar

Na circunavegação de Magalhães era importante saber a longitude. Parece que ele teria tentado determiná-la usando o método da distância lunar. Não que ele tivesse êxito, pois sabemos que lhe faltavam os recursos mínimos. A menção aqui vale pelo pioneirismo de Magalhães, como também porque dá oportunidade para elucidar no que consistia esse método. Ele havia sido proposto poucos anos antes, em 1514 por Johann Werner (1468-1522), um matemático de Nurembergue e também pelo astrônomo e navegador português Rui Falero (1455-1523), que tinha ajudado Magalhães a preparar sua circunavegação.

O fenômeno astronômico envolvido neste método é o movimento da Lua em relação às estrelas de fundo. Sem um rigor aqui desnecessário, estrelas de fundo são as estrelas noturnas que, pelas grandes distâncias em que se encontram, podem ser consideradas fixas. Grandes distâncias são aquelas bem maiores que as dos nossos deslocamentos naturais. O maior dos nossos deslocamentos naturais numa escala de tempo relevante para as nossas observações é o do movimento orbital da Terra em volta do Sol, que nos leva de um ponto dessa órbita ao ponto diametralmente oposto em um ano. A distância entre esses dois pontos é duas vezes a distância da Terra ao Sol. Ora, mesmo a estrela mais próxima se encontra a mais de 130 mil vezes essa distância. Nessas condições, os movimentos das estrelas noturnas tornam-se praticamente imperceptíveis e, numa primeira aproximação podemos dizer que são fixas. É o que explica a quase imutabilidade do padrão das constelações em escalas de tempo milenares. Então as estrelas de fundo atuam como referencial fixo em que o movimento da Lua, um objeto bastante próximo em termos astronômicos, pode ser facilmente percebido. Dando voltas ao redor da Terra, pois é seu satélite natural, a Lua dá uma volta de 360º na esfera celeste em 27,3 dias, período esse chamado mês sideral, que difere do mês das fases da Lua, ou mês sinódico de 29,5 dias. Trata-se de um deslocamento rápido entre as estrelas fixas, de cerca de 0,5º/h (aproximadamente o diâmetro da Lua em 1 h).

Na observação deste fenômeno, um evento instantâneo é, por exemplo, quando a distância de uma estrela específica até o centro do disco lunar tem um valor específico. Através de bons cálculos de efemérides a data e o horário desse evento podem ser preditos com antecedência para o local de referência, por exemplo Greenwich que é origem convencional atual para a contagem da longitude. Essas efemérides são calculadas e publicadas em almanaques. Resta ao observador flagrar esse evento onde ele estiver e saber com precisão o instante da ocorrência em hora local. A diferença entre essa hora local e a hora local do ponto de referência pode ser facilmente convertida em longitude, considerando que a Terra gira com razoável regularidade e dá uma volta de 360º a cada dia sideral, cuja duração é de aproximadamente 23h 56m, não a cada 24 h que é a duração do dia solar médio.

As primeiras efemérides remontam aos babilônios, entre 1900 e 1600 AEC, e eram calculadas para fins astrológicos até o início do século 18. Mas os cálculos, quanto mais no passado, dependiam de teorias e parâmetros menos precisos, que só foram melhorando paulatinamente ao longo do tempo. No passado o maior gargalo do método da distância lunar era dispor de efemérides confiáveis. Sem elas, o próprio observador teria que fazer cálculos tediosos e demorados. O movimento da Lua é especialmente complexo. São centenas de variações em seu movimento com diferentes amplitudes e períodos devido à influência gravitacional de vários corpos do Sistema Solar. Seu plano orbital em redor da Terra não tem inclinação fixa, mas oscila. Por causa das marés na Terra, o movimento orbital da Lua é acelerado e, consequentemente, ela se afasta secularmente do nosso Planeta.

Boas efemérides passaram a ser publicadas em almanaques de importantes observatórios a partir de 1767. Melhores instrumentos, por exemplo, com oculares especialmente desenhadas para medir pequenas distâncias angulares também tornaram-se acessíveis nessa época.

Oscar T. Matsuura

Oscar T. Matsuura

Oscar T. Matsuura é docente aposentado do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, onde liderou o Grupo de Astrofísica do Sistema Solar. Foi diretor do Planetário e Escola Municipal de Astrofísica Prof. Aristóteles Orsini em São Paulo e é pesquisador colaborador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI). Ultimamente tem se dedicado à História da Astronomia no Brasil.
Oscar T. Matsuura é docente aposentado do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, onde liderou o Grupo de Astrofísica do Sistema Solar. Foi diretor do Planetário e Escola Municipal de Astrofísica Prof. Aristóteles Orsini em São Paulo e é pesquisador colaborador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI). Ultimamente…
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