Invenção do exame rendeu ao médico brasileiro Manoel Dias de Abreu três indicações ao Prêmio Nobel
A abreugrafia é um exame de pulmão que começou a ser desenvolvido há 100 anos e revolucionou o diagnóstico e o tratamento da tuberculose. E foi inventada por um brasileiro: Manoel Dias de Abreu.
Em 1922, a cidade do Rio de Janeiro estava assolada por uma terrível epidemia de tuberculose. Aliás, entre o final do século 19 e início do século 20, a doença era a maior responsável pela mortalidade na capital carioca. Após trabalhar por sete anos como médico em Paris, o médico paulista se deparou com um cenário assombroso ao voltar ao país. Abreu começou a trabalhar nos hospitais Rio de Janeiro e não demorou para perceber que os doentes chegavam já em estado grave, quando o tratamento e o isolamento eram inúteis para conter a morte iminente. Isso reforçou sua crença de que o controle da tuberculose só seria possível por meio do diagnóstico em massa da população. (Figura 1)
Figura 1. Manoel Dias de Abreu
(Divulgação)
Frente a esse cenário, Abreu começou a desenvolver uma técnica de diagnóstico precoce de tuberculose de uso amplo e baixo custo no antigo Hospital Alemão, onde chefiava o serviço de radiologia. Os engenheiros da Casa Lohner, uma subsidiária da Siemens no Rio de Janeiro, construíram os primeiros aparelhos a partir de desenhos do próprio médico. Combinando as técnicas de radiologia e de fotografia, a máquina emitia um feixe de raios-X, que sensibilizava uma tela que se tornava fluorescente e produzia uma imagem visível a olho nu, captada por uma câmera fotográfica. O que diferia a nova técnica da radiografia é que uma radiografia depende da fonte de raios-X, uma radiação altamente penetrante, mas que é menos ou mais absorvida dependendo do tecido humano sobre o qual incide. O método de Abreu também utilizava raios-x, porém a imagem era gerada em uma tela de material fluorescente, que fazia parte do aparelho, e era fotografada da mesma forma que se fotografa uma paisagem qualquer. Além disso, a radiografia registrava a imagem em um filme de 30 x 40 cm, enquanto a nova técnica fazia o registro em filmes de 35 mm – bem mais baratos.
Apesar da menor dimensão do filme, o registro era plenamente eficaz para o diagnóstico. O método se provou sensível, com especificidade razoável e de baixo custo operacional. Além disso, era um método portátil, o que permitia a realização de um grande número de exames em um curto espaço de tempo.
Assim, Abreu conseguiu em 1936 as primeiras imagens nítidas que permitiram ver sinais de tuberculose ainda não detectados por outras técnicas de diagnóstico. Em apenas duas semanas de uso, o primeiro aparelho, instalado em um centro de saúde do Rio de Janeiro, foi usado para examinar 758 pessoas e detectou 44 com lesões pulmonares. O novo método permitiu o diagnóstico e o tratamento precoce de pessoas com tuberculose que, embora sem sintomas, poderiam transmitir a doença para outras, desse modo ajudando a conter a disseminação da doença, controlada efetivamente com o uso de antibióticos a partir da década de 1950. (Figura 2)
Figura 2. Pacientes realizando abreugrafia.
(Imagem: Revista Brasileira de Tuberculose. Reprodução)
A técnica, por ser simples, de baixo custo e permitir a identificação também de sinais de câncer e doenças do coração, rapidamente se disseminou e foi incorporada pelos serviços públicos de saúde do Brasil e de outros países. A pequena foto passou a fazer parte de uma carteirinha, que podia ser apresentada onde fosse necessário (como matrícula escolar ou registro de emprego).
Chamado pelo próprio Abreu de roentgenfotografia, o novo método ganhou o nome oficial de abreugrafia em 1939, como decisão unânime dos médicos que participaram do I Congresso Nacional de Tuberculose. Por seu trabalho, Abreu foi indicado três vezes ao Prêmio Nobel: em 1946, 1951 e 1953, mas não levou o prêmio. O uso intensivo da técnica foi criticado e limitado com o tempo, até que a exigência da abreugrafia para matrícula escolar e emprego foi abolida no fim da década de 1970.