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Ciência & Cultura no Brasil, uma jornada de 75 anos

Nas últimas décadas, o país passou por uma revolução não só demográfica e econômica, mas também científica, tecnológica e cultural.

 

Em 1948 foi criada a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), graças à iniciativa de pesquisadores que se deram conta da importância da pesquisa para o Brasil. Sem essa associação científica é impossível pensar o desenvolvimento da ciência brasileira. O mesmo pode ser dito a respeito da criação a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), duas agências de fomento criadas em 1951.

Quando comparamos o Brasil do final da década de 1940 com o da atualidade, as diferenças são marcantes. Para citar alguns indicadores demográficos: naquela época o país tinha em torno de 50 milhões de habitantes, atualmente somos mais de 200 milhões; apenas um terço da população vivia em situação urbana, atualmente esta proporção é de mais de 85%; a taxa de fecundidade (número de filhos por mulheres em idade fértil) era em torno de 6, atualmente ela é 1,7; mais de 50% da população tinha menos de 18 anos de idade, atualmente essa porcentagem caiu para aproximadamente 25%; a expectativa de vida era de 46,8 anos, atualmente ela é de 77,5 anos; o número de estudantes universitários era menos de 100.000, atualmente ele é de mais de 9.000.000. (Figura 1)


Figura 1. A Universidade do Rio de Janeiro foi a primeira universidade do Brasil, criada em 1920. Hoje, temos 2.595 instituições de ensino superior, das quais aproximadamente 200 são universidades.
(Foto: Acervo NPD/FAU/ETU. Reprodução)

O final da Segunda Guerra Mundial marcou um período crucial no Brasil. O país estava se urbanizando, um terço da população vivendo em cidades e a manufatura já sendo responsável por 20% do Produto Interno Bruto (PIB). Isso se acentuou na década de 1950 quando começamos a perder nossa “vocação agrária” e buscava-se industrializar e modernizar o país. A segunda metade da década de 1950 foi marcada pela ideologia desenvolvimentista. Nesse período um novo processo de industrialização teve lugar com a produção de automóveis e outros bens duráveis. Brasília, a nova capital construída em cinco anos, estabeleceu a arquitetura brasileira como um ícone de nossa modernidade.

Desde aquela época, este processo se acentuou e, atualmente, a maior parte dos produtos manufaturados que consumimos são produzidos no país, vários deles sendo inclusive exportados. Entre esses produtos, estão os bens simbólicos, como as telenovelas, canções e filmes. Possuímos uma sólida rede de transportes e um eficiente sistema de comunicação, e o nível técnico das redes de comunicação de massa é comparável ao dos países mais adiantados. O Brasil tem usinas nucleares, plataformas marítimas de extração de petróleo, produz aviões e faz transplantes cardíacos.

 

“Nos últimos 75 anos o Brasil se tornou um país mais industrializado, moderno e complexo. Ao mesmo tempo, temos uma sociedade extremamente desigual com um dos piores índices de distribuição de renda do mundo e uma série de problemas sociais que afligem principalmente os mais pobres.”

 

Nos últimos 75 anos o Brasil se tornou um país mais industrializado, moderno e complexo. Ao mesmo tempo, temos uma sociedade extremamente desigual com um dos piores índices de distribuição de renda do mundo e uma série de problemas sociais que afligem principalmente os mais pobres. O Brasil passou por um processo de desenvolvimento desigual e combinado, criando um quadro em que há, simultaneamente, uma miséria extrema e elementos de progresso técnico e de modernidade. Nossos cientistas e suas associações são constantemente convocados a opinar e apresentar soluções a este quadro contraditório.

O Brasil passou por uma revolução não só demográfica e econômica, mas também científica, tecnológica e cultural. Temos 2.595 instituições de ensino superior, das quais aproximadamente 200 são universidades. Contamos com uma pujante comunidade científica atuante em todas as áreas do conhecimento. A cultura também passou por grandes transformações. No final da década de 1940 ainda não havia transmissões televisivas e o rádio era o principal meio de comunicação de massa. Em termos musicais, ele transmitia principalmente o samba, que era o gênero hegemônico. Hoje em dia o mercado musical se segmentou e há uma profusão de gêneros: música sertaneja, funk, hip hop, rock, etc. No final da década de 1940 ainda não havia a televisão no Brasil, que iniciou suas transmissões nos anos 1950 até praticamente se universalizar e se tornar o meio de comunicação de massa hegemônico. (Figura 2)


Figura 2. Primeira transmissão de TV no Brasil foi feita em 1950 para apenas 200 aparelhos – hoje são mais de 100 milhões no país.
(Foto: Arquivo. Reprodução)

Como o analfabetismo era alto, lia-se pouco. Para votar, era preciso ser alfabetizado e, portanto, boa parte da população era excluída desse direito que é um indicador de cidadania. O analfabetismo caiu, mas hoje em dia temos a exclusão digital, que faz com que boa parte de nossa população não tenha acesso pleno à internet.

Nos anos 1940 havia grande efervescência cultural. O contato mais intenso com os Estados Unidos, que durante a guerra inauguraram a “Política de Boa Vizinhança”, significou que muitos produtos da indústria cultural norte-americana começaram a ser mais consumidos no Brasil, entre eles o cinema de Hollywood e a música norte-americana. Isto criou também uma maior interação artística entre o Brasil e aquele pais, da qual a ida de Carmen Miranda para Hollywood nas décadas de quarenta e cinquenta e a Bossa Nova no final da década de 1950 são exemplos da circulação cultural no âmbito da música.

A partir dessa época, o debate sobre o nacional e o estrangeiro adquiriu uma importância crescente. Assim, entre 1945 e 1964 a questão nacional foi debatida intensamente. Participam ativamente deste debate o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e o Centro Popular de Cultura, movimento ligado à União Nacional de Estudantes (CPC).

A partir de 1964, com a tomada do poder pelos militares, houve uma crescente centralização política, econômica e administrativa, através da integração do mercado nacional, da implantação de redes de estradas, de telefonia, de comunicação de massa. Nesse período, o debate sobre o nacional e o regional continuou, mas foi colocado em novos termos. O Estado avocou a si o papel de ser o criador e bastião da identidade nacional, responsável por promover o progresso.

Com a luta pela redemocratização do país e com o processo de abertura política que marcaram o fim do ciclo militar, a cultura passa a ganhar novamente maior visibilidade no Brasil. Houve um intenso processo de constituição de novos atores sociais e a construção de novas identidades socais.

O que se verifica hoje em termos culturais é um país de grande complexidade com múltiplos atores. A cultura brasileira pode ser apreciada através das mais diversas manifestações em toda sua complexidade: no folclore e na cultura popular, na música, na literatura, nas artes plásticas, etc.

 

“Somos uma sociedade com uma grande diversidade cultural, racial, étnica e religiosa. Cabe aos nossos cientistas contribuir para o conhecimento desta riqueza.”

 

Com a globalização, ficou mais difícil decidir o que é nacional ou não. Atualmente, temos religiões de matriz africana, como a Umbanda e o Batuque se disseminando em países vizinhos como o Uruguai e a Argentina e a presença da Igreja Universal do Reino de Deus, criada em 1977, em 143 países. Músicos brasileiros produzem canções rock, gênero criado nos Estados Unidos, que falam frequentemente sobre o Brasil, sem que ninguém questione sua brasilidade. Para tornar as cosias mais complexas, a banda Sepultura compôs músicas em inglês que fizeram sucesso nos Estados Unidos e na Europa. Esse grupo lançou um disco chamado Roots. Para buscar suas raízes, eles se embrenharam numa aldeia xavante, no estado do Mato Grosso.

Durante a fase populista de nossa história, o que vinha de fora era frequentemente visto como impuro e, portanto, perigoso. Assim, a Coca-Cola e o cinema de Hollywood eram muitas vezes satanizadas como exemplos de imperialismo cultural norte-americano, ao passo que o samba e o Cinema Novo eram vistos como exemplos do que havia de mais autenticamente nacional. Hoje a situação está mais complexa: o logotipo da Coca-Cola está nas camisetas de nossos principais time de futebol e Sting, roqueiro inglês, se dizia um defensor dos indígenas do Brasil. A Grande Arte, filme feito por um brasileiro, apesar de rodado no Brasil, é falado em inglês. O Quatrilho, ao contrário da tradição do Cinema Novo, não escolheu a figura do nordestino, mas a do colono italiano do Sul do país para retratar o Brasil. O filme foi estrelado por artistas da Rede Globo. Esta rede exporta suas telenovelas, made in Brazil, para países como, por exemplo, Portugal e China.

Comparado com o ano de 1948, nosso país se tornou muito mais complexo, com uma gama de atores e identidades sociais, e fenômenos que não existiam naquela época. Trata-se de um país, ao mesmo tempo, moderno e atrasado. Somos uma sociedade com uma grande diversidade cultural, racial, étnica e religiosa. Cabe aos nossos cientistas contribuir para o conhecimento desta riqueza.

 

Capa. Revista acompanhou transformações científicas e culturais do país
(Foto: Arquivo. Reprodução)
Ruben George Oliven

Ruben George Oliven

Ruben George Oliven é professor titular do programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFRGS e vice-presidente (Região Sul) da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Ruben George Oliven é professor titular do programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFRGS e vice-presidente (Região Sul) da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
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