As dimensões humanas das mudanças climáticas

Justiça climática e o desafio da governança

Resumo

Uma década após o Acordo de Paris, a crise climática se intensifica, agravando desigualdades e interagindo com outras emergências globais. O relatório “10 New Insights” (2025/2026) destaca que enfrentá-la exige governança robusta e políticas adaptadas. As Conferências do Clima (COPs), como a COP30 no Brasil, evidenciam as complexas disputas políticas e a necessidade crucial de integrar as dimensões humanas e a coprodução de conhecimento nas estratégias de ação.

Introdução

Recordes de temperatura, níveis cada vez mais altos de concentrações de gases de efeito estufa, eventos extremos mais frequentes e de maior intensidade, e populações afetadas em todo o globo. Dez anos depois da proposição do Acordo de Paris, considerado um marco no processo multilateral sobre mudanças climáticas justamente por se tratar de um acordo internacional juridicamente vinculante [1] e mais de três décadas desde a criação de importantes tratados firmados para o enfrentamento dos problemas ambientais, incluindo a Convenção das Mudanças Climáticas, chegamos a um momento crítico.

Além da aceleração do aquecimento global e dos seus impactos sobre segurança hídrica e alimentar, saúde humana, meios de subsistência e produtividade,[2] e das interações com as outras crises em curso – como perda de biodiversidade, poluição, degradação ambiental e emergências sanitárias – a crise climática interage, amplifica e agrava outras importantes contradições das sociedades contemporâneas, como as inequidades socioeconômicas e a garantia de direitos humanos. Seu enfrentamento, como endossa o relatório recém-publicado 10 New Insights in Climate Science 2025/2026 [3] – resultado de um esforço anual de síntese da comunidade científica acerca das pesquisas sobre as mudanças do clima – passa pela necessidade de estruturas de governança robustas e pela combinação de políticas e ações adaptadas a contextos e capacidades institucionais.

Reconhecer que as mudanças climáticas são revestidas de um caráter político e social e estão colocadas no centro de um debate científico e político polarizado, envolvendo uma multiplicidade de atores, interesses e disputas, é fundamental – tanto na compreensão sobre os principais drivers da crise climática, como na elaboração de estratégias que têm sido postuladas (e adiadas) para o seu enfrentamento. Esses elementos ficam evidentes, sobretudo, em momentos estratégicos de negociações e decisões, como a realização das Conferências das Partes (COP).

Em sua 30ª edição, realizada em Belém, em novembro de 2025, a COP 30 mostra com clareza — nos bastidores, reuniões preparatórias, expectativas postuladas e especulações compartilhadas — como as disputas se realizam nesse processo de buscar garantir o alinhamento entre as partes e estabelecer políticas que sejam referência para o desenvolvimento de estratégias nacionais e subnacionais quanto ao enfrentamento das mudanças climáticas. Particularmente nesta COP sediada no Brasil, reconstruir a arquitetura da cooperação internacional sobre o clima, avançar concretamente em direção ao financiamento climático — o valor postulado e de onde virá o recurso — e estabelecer metas e métricas concretas dão o tom desses tensionamentos.[4] (Figura 1)


Figura 1. COP 30, realizada em novembro de 2025 em Belém
(Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil. Reprodução)

 

Contudo, outros aspectos que circundam as mudanças climáticas também ganham maior visibilidade nas reuniões da COP, mostrando que estes momentos estratégicos também constituem lócus importante para as chamadas “dimensões humanas das mudanças climáticas” — termo que, embora usualmente adotado pela comunidade científica, não define por si só a amplitude das disciplinas, campos e contribuições das Humanidades à temática.[5]

De fato, as contribuições das Ciências Sociais e Humanas, a partir dos seus diferentes campos de conhecimento, integrações com outras áreas e diversidades teórico-analíticas e metodológicas, têm sido fundamentais para a noção atual de que as mudanças climáticas constituem uma condição da atualidade,[6] atravessando todas as dimensões das nossas vidas. Têm sido importantes também no fortalecimento do debate atual sobre como as ações preventivas e as respostas postuladas devem ser éticas, justas e contribuir para a melhora do bem-estar social, lançando luz às análises críticas sobre interseccionalidades, justiça e sustentabilidade. As contribuições são balizadoras, ainda, para o reconhecimento do engajamento necessário das pesquisas sobre o que se constitui, de fato, a mudança do clima, já que ela atravessa e reconstrói as interações entre sociedade e natureza, criando novas possibilidades de política e ação.[6]

 

“As contribuições das Ciências Sociais e Humanas têm sido fundamentais para a noção atual de que as mudanças climáticas constituem uma condição da atualidade.”

 

No conjunto de perspectivas analíticas das dimensões humanas das mudanças climáticas, destaco neste breve artigo duas delas que têm sido objetos de interesse nos nossos estudos sobre governança climática, capacidade adaptativa e estratégias de adaptação. A primeira reflete sobre a conformação da agenda, a compreensão pública e os aspectos que moldam as percepções sobre a crise climática e seus riscos. A segunda aborda as interfaces entre ciência e política, e a necessidade de participação e coprodução de conhecimento, com articulação entre diferentes atores e saberes para avançar coletivamente. Essas perspectivas apresentadas neste artigo tensionam as interações entre a crise climática e os contextos socioculturais, e como estas se expressam nas práticas sociais, nos conflitos e nos processos decisórios.

 

Da conformação da agenda do clima à emergência climática

Embora a compreensão da comunidade científica acerca das mudanças climáticas envolva um longo processo de aprendizado coletivo, a emergência climática — termo que tem ganhado significativa aderência sobretudo a partir da iniciativa do jornal britânico The Guardian, em 2019, de denominar a mudança do clima como crise, emergência e colapso — adentrou com mais força na agenda pública e política somente nas últimas décadas. A conformação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), no final da década de 1980, e a divulgação do primeiro relatório de avaliação assinado pelos cientistas, em 1990, certamente tiveram peso para a questão climática ganhar a atenção pública. O primeiro relatório apontou a necessidade de desaceleração do processo de aquecimento global, com o emprego de um esforço político e econômico mundial urgente por meio de uma convenção-quadro sobre mudanças climáticas que agisse tanto na contenção e na redução de emissões desses poluentes, com a adoção de medidas de mitigação, como na implementação de estratégias de adaptação.

A reação ao tema das mudanças do clima ganhou adensamento político em 1992, quando, na ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, foi estabelecida a Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC — United Nations Framework Convention on Climate Change) como resultado dos esforços diretos do IPCC. (Figura 2)


Figura 2. Rio 92, Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Brasil
(Foto: Second Earth Summit CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=123136663xxx)

 

Das reuniões anuais das COP, aos embates em torno dos tratados propostos — como o Protocolo de Quioto, lançado em 1997, e o Acordo de Paris, em 2015 — em meio aos avanços científicos e às discussões políticas e acadêmicas sobre as mudanças climáticas, os sucessivos relatórios publicados pelos IPCC e outras publicações de impacto seguem reforçando a gravidade da crise climática — considerada inclusive pela OMS como a maior ameaça à saúde global do século XXI.

No mesmo ano em que o jornal britânico justificou sua opção por adotar o termo emergência ou crise climática para tratar de mudanças do clima, sinalizando nas palavras da sua editora-chefe Katharine Viner a necessidade de “garantir que estamos sendo cientificamente precisos, ao mesmo tempo em que nos comunicamos claramente com os leitores sobre esse assunto tão importante” (tradução do original em inglês), um relatório produzido pelo Human Rights Council [7] chamou a atenção para o apartheid climático. Segundo o documento, as mudanças climáticas, compreendidas como uma “emergência sem precedente”, e as falhas dos Estados em protegerem suas populações, particularmente as mais vulneráveis, dos impactos negativos desse fenômeno, ameaçam o futuro dos direitos humanos e ampliam os abismos já existentes entre países, comunidades e grupos sociais.

 

“A crise climática exemplifica, em particular, como as disputas de poder e novas centralidades têm papel central na criação ou valorização de temáticas socioambientais.”

 

Contudo, apesar do enquadramento das mudanças climáticas enquanto uma emergência ter ampla repercussão global, inclusive no Brasil, colaborando para maior sensibilização da opinião pública, há ainda pouca evidência de que tal enquadramento esteja desencadeando ações urgentes em resposta aos desafios postos.[8]

A crise climática exemplifica, em particular, como as disputas de poder e novas centralidades têm papel central na criação ou valorização de temáticas socioambientais. A visibilidade e relevância desse “fenômeno” nesta dobra entre os séculos 20 e 21 foram (e continuam a ser) moldadas por um conjunto de elementos que se conectam e interagem simultaneamente. Dentre esses elementos, estão incluídos, por exemplo, o próprio avanço da climatologia, impulsionado, sobretudo, com a corrida espacial durante a Guerra Fria;[9] envolvimento de organizações importantes nos debates ambientais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) com maior destaque a partir da criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (United Nations Environment Program), em 1972, reforçada com a publicação do relatório Nosso Futuro Comum, em 1987, e mais recentemente com a publicação da Agenda 2030;[10] as séries de eventos climáticos extremos registradas em diversas localidades do planeta, como as onda de calor registradas em Chicago (1995) com 465 mortes, na França (2003) com quase 15 mil óbitos e nos últimos anos cada vez mais frequentes em diversos países, inclusive no Brasil;[11] a própria criação do IPCC e a divulgação de seus relatórios periódicos;[12] e os incentivos à realização de pesquisas nesta temática, por meio de editais propostos pelas agências de fomento.

Se a mudança do clima atingiu o status de configurar como uma das questões mais importantes que governos e populações enfrentam, colocando-se como uma condição das sociedades contemporâneas,[6] é necessário ter em mente que tal status e condição não emergiriam aleatoriamente. Ao contrário, são resultados de um processo marcado por disputas científicas, econômicas e políticas, mediadas por valores, atitudes, crenças, enquadramentos midiáticos, movimentos sociais, entre outros importantes elementos que circundam a construção de problemas socioambientais e dos próprios riscos.[13]

 

Dos riscos às percepções

Ainda que as discussões sobre referenciais ontológicos e epistemológicos acerca do termo risco sejam notórias na literatura nacional e internacional e evidenciem importantes diferenças e disputas entre áreas de conhecimento,[14] na perspectiva sociológica e construtivista, compartilhamos a compreensão de risco enquanto um fenômeno contextual, construído socialmente, que existe tanto no plano perceptivo como no plano experiencial; e enquanto uma categoria importante para analisar a sociedade contemporânea.

Da primeira perspectiva (risco como fenômeno contextual), sem negar a existência de uma realidade objetiva nem o poder causal independente dos fenômenos naturais, há uma tentativa de compreender os processos de negociação sobre como os riscos são definidos e enfrentados. Há uma tentativa de dar visibilidade aos fatores socioculturais significativos para as resistências e controvérsias existentes sobre os riscos e para a conformação das percepções que os indivíduos e grupos sociais têm sobre eles. É nesta linha argumentativa, por exemplo, que o sociólogo alemão Orwtin Renn,[15] em suas análises sobre risco e governança, sustenta que risco representa aquilo que as pessoas observam e experienciam. Esta relação entre conceito e realidade, para o autor, é bastante complexa e se dá através de experiências de prejuízos reais, que incluem desde impactos na saúde, no ambiente ou até mesmo perdas de vidas humanas. Essas interconexões entre conceito e realidade são moldadas, na prática, por relações sociais, relações de poder e hierarquia, crenças culturais, confiança nas instituições, conhecimento científico, experiências, emoções, discursos, práticas e memórias coletivas.

 

“A crise climática reflete questões mais profundas de direitos, responsabilidades, cidadania e reconstrução de normas constitucionais em torno de uma ameaça que perpassa os próprios fundamentos das sociedades civilizadas.”

 

Da segunda perspectiva (risco enquanto importante categoria para analisar a sociedade contemporânea), riscos são apreendidos enquanto incertezas fabricadas, as quais são produzidas de forma industrial, exteriorizadas economicamente, individualizadas no plano jurídico, legitimadas no plano das ciências e minimizadas no plano político.[16] Enquanto efeitos colaterais latentes dos processos de industrialização, modernidade e desenvolvimento científico e tecnológico, os riscos contemporâneos, manufaturados, presumem uma reorientação de valores e de estratégias para prosseguir,[17] assumindo, assim, um significado decisivo nos debates sociais e políticos.

Esses dois entendimentos sobre risco apresentados são pertinentes no debate sobre mudanças climáticas. O primeiro, especialmente, para compreender como o fenômeno e seus riscos são percebidos pelos indivíduos e como estas percepções vão sendo construídas. O segundo, sobretudo, para compreender como as mudanças do clima performam no centro de debates sociais, econômicos e políticos, e por que entendimentos e negociações sobre causas, efeitos e ações de mitigação/adaptação são complexos, demandando novas formas de engajamento e de participação, e um novo tipo de solidariedade para seu enfrentamento (como será discutido no tópico a seguir).

Estudos sobre percepções de risco e mudanças climáticas têm mostrado, em geral, que as percepções dos indivíduos sobre riscos associados às mudanças do clima vão sendo construídas em meio a um processo de associação e de afetividade, baseado nas informações que as pessoas têm, na atenção que dispensam ao assunto e na confiança nos dados divulgados.[18] O processo sobre como os indivíduos conectam eventos climáticos extremos às mudanças climáticas depende, ainda, das experiências pessoais vividas ao longo do tempo e de outros aspectos críticos, como contextos sociais e políticos. Estruturas institucionais e aspectos afetivos modulam também como os indivíduos percebem o fenômeno e seus riscos e como os conectam às suas escolhas, atitudes e às suas próprias vulnerabilidades.[14]

 

Das interfaces entre ciência e política à coprodução

Se a produção do conhecimento científico sobre as mudanças climáticas segue avançando substancialmente, as ações concretas, por outro lado, seguem lentas e ainda limitadas. A acadêmica Sheila Jasanoff [19] lembra que se, de um lado, novos produtos e processos desenvolvidos pela ciência transformam estruturas sociais e comportamentos; de outro, a disseminação, difusão e apreensão do conhecimento científico produzido dependem da interação de diversos fatores como políticas econômicas e sociais, instituições sociais envolvidas, mídia, costumes locais, mas também, numa perspectiva mais individual, valores, sentimentos, memórias. Na questão climática, em particular, é importante situar que a ciência não é o único meio através do qual os indivíduos experienciam a crise climática e seus efeitos.[20]

Neste entendimento, estudos das dimensões humanas das mudanças climáticas também têm se debruçado sobre as limitações do chamado modelo de conhecimento unidirecional ou de transferência nas interações entre ciência e política e buscado elucidar os desafios imbricados acerca da chamada política baseada em evidências (evidence-based policy). Morgan e Di Giulio, [21] ao fazerem uma revisão da literatura sobre o tema, argumentam que a seleção das evidências disponíveis para a formulação de políticas nem sempre é feita de forma equilibrada; em geral, são reforçadas e ganham projeção as evidências que apoiam posições políticas já existentes. Pela própria politização e incertezas envolvidas nas questões climáticas, o conhecimento científico tende, muitas vezes, a ser ignorado, colocado em xeque ou usado para justificar uma série de agendas políticas já previamente arregimentadas. A aceitabilidade de determinadas narrativas científicas pelos atores políticos depende da extensão com que elas concordam com suas crenças compartilhadas e motivações políticas — perspectiva evidenciada na análise de Viglio et al. [22] sobre as políticas climáticas no Brasil e a exploração do pré-sal.

É a partir desse entendimento, que reconhece que as interações entre ciência e política não são lineares nem unidirecionais, e na aposta de que a coprodução pode contribuir para acelerar as transições necessárias para a sustentabilidade, ao trazer mudanças aos arranjos institucionais que governam as relações entre conhecimento e poder, ciência e sociedade, e Estado e cidadãos,[23] que as interfaces entre ciência e política têm sido discutidas no âmbito da crise climática.

Estudos empíricos no Brasil, com interfaces importantes na questão climática, confirmam que processos que unem iterativamente formas de conhecer e agir — incluindo ideias, normas, práticas e discursos — envolvendo uma diversidade de participantes (e.g. cientistas, atores institucionais governamentais, atores da sociedade civil), alcançam múltiplos benefícios. Fomento a estratégias e soluções criativas para os problemas postulados, maior usabilidade do conhecimento coproduzido em processos decisórios, encorajamento à reflexividade entre os atores sociais participantes de projetos transdisciplinares e redistribuição de poder são alguns desses potenciais benefícios.[24,25,26,27]

Na chamada “ciência da sustentabilidade”,[28] na qual a crise climática é enfoque importante, a coprodução forneceria uma estrutura para repensar a ciência e sua conexão com a sociedade e, desde uma perspectiva mais prática, seria um instrumento, uma forma de intervenção, com potencial para enfrentar grandes desafios sociais.[23] Já no campo dos estudos de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), a coprodução é compreendida como uma lente teórica por meio da qual se analisam as relações complexas existentes entre ciência e governança, potencializando formas de interpretar e explicar fenômenos complexos, endossando a premissa de que o conhecimento é tanto produto quanto produtor dos sistemas socioecológicos nos quais ele emerge.[19]

Em comum, como sinalizam Miller e Wyborn,[29] ao fazerem uma revisão crítica sobre coprodução de conhecimento a partir da sua mobilização em diferentes campos, a coprodução é potente se: (i) for inclusiva na diversidade de participantes, no poder concedido a eles e nos processos e objetivos pretendidos — coprodução, assim, seria alicerçada na responsabilidade, credibilidade e legitimidade; (ii) propiciar um processo de reconfiguração da ciência e sua autoridade social, possibilitando que os participantes sejam reflexivos sobre a natureza inerentemente política da produção de conhecimento a serviço da mudança da ordem social em escalas locais e globais; (iii) reconhecer que o engajamento público, a deliberação e o debate moldam o conteúdo e a relevância do conhecimento e sua capacidade de apoio à construção e capacitação de instituições para facilitar a transição para sustentabilidade.

Particularmente na questão climática, a coprodução tem sido reconhecida também por seu papel frente aos diferentes tipos de incerteza que se fazem presentes [30] e que, muitas vezes, são usados para justificar a falta de ações concretas e urgentes. A primeira é a incerteza epistêmica, que se origina do conhecimento incompleto dos processos que influenciam os eventos climáticos. A segunda está diretamente relacionada à natureza caótica do próprio sistema climático. Mas é, sobretudo, sobre o terceiro tipo de incerteza que a coprodução vislumbra suas maiores potencialidades: a incerteza referente à própria reflexividade humana, que reflete diretamente os dilemas colocados à sociedade atual, sendo parte do problema e parte da solução. Sem dúvida, a crise climática, como fica evidente na COP 30, reflete questões mais profundas de direitos, responsabilidades, cidadania e reconstrução de normas constitucionais em torno de uma ameaça que perpassa os próprios fundamentos das sociedades civilizadas.[20] Avançar concretamente em trilhas colaborativas, fundamentadas na cooperação, integração de saberes e experiências, e na solidariedade, nos parece o caminho mais promissor.

 

Capa. À medida que a crise climática se agrava, aumentando as desigualdades, torna-se cada vez mais crucial incorporar as dimensões humanas e a produção conjunta de conhecimento nas estratégias de ação.
(Foto: Paulo Pinto/ Agência Brasil. Reprodução)

 

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[4] JACOBI, P.R.; SILVA, J.I.; DI GIULIO, G.M. 2025. COP 30: avançar numa transição justa e na implementação de uma agenda climática. Nexo Políticas Públicas. https://pp.nexojornal.com.br/opiniao/2025/08/28/cop-30-avancar-numa-transicao-justa-e-na-implementacao-de-uma-agenda-climatica
[5] LEMOS, M. C. et al. Social Sciences, weather and climate change. Metor. Monogr. 2019
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[12] ARTAXO NETTO, A. P. F. O futuro da Terra: discursos inconvenientes. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2013.
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[25] METZGER, J. P. et al. Guiding transdisciplinary synthesis processes for social-ecological policy decisions. Perspectives in Ecology and Conservation, v. 1, p. 1–13, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.pecon.2024.11.004.
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[30] PATT, A.; Dessai, S. 2005. Communicating uncertainty: lessons learned and suggestions for climate change assessment. Comptes Rendus Geoscience. https://doi.org/10.1016/j.crte.2004.10.004
Gabriela Di Giulio é doutora em Ambiente e Sociedade e professora associada no Departamento de Saúde Ambiental, Faculdade de Saúde Pública, USP.

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