Conectividade, ensino superior e internacionalização

O Consórcio Europeu de Engenharia de Mídias para a Educação (Euromime) e a conexão de territórios acadêmicos

Resumo

O artigo apresenta o relato de uma investigação qualitativa, realizada junto a egressos de um dos cursos de pós-graduação (Mestrado em Engenharia de Mídias para a Educação) realizados no âmbito do Programa Erasmus Mundus, da Comunidade Europeia. Os egressos participantes da investigação, todos atuando como docentes em instituições de ensino superior, foram consultados acerca da efetividade das dinâmicas de internacionalização e de conectividade que caracterizaram a iniciativa, encerrada em 2014. Considerando o quadro teórico acerca da emergência de um Novo Modo de produção de Conhecimentos,[1] os resultados alcançados apontam que prover conectividades irrestritas e fomentar a internacionalização mais ampla possível são condições necessárias para a implantação e a condução de programas de Ensino Superior condizentes com o Novo Modo de Produção de Conhecimentos, que os almeja em maior quantidade, com maior valor agregado, heterogêneos, socialmente responsáveis, contextualizados, transdisciplinares, úteis e aplicáveis.

O Consórcio Euromime e seus instrumentos de conexão de territórios acadêmicos

O Consórcio Europeu de Engenharia de Mídias para a Educação (Euromime), foi um projeto de colaboração e de pós-graduação internacional, financiado pela Comissão Europeia (CE) no âmbito do programa Erasmus Mundus (EM). Criado em 2004 e encerrado em 2014, o Consórcio visou fomentar o intercâmbio e a mobilidade acadêmica, isto é, a internacionalização de universidades europeias. Para se atingir tal objetivo, o Consórcio Euromime envolveu sete universidades em dois continentes: Université de Poitiers (UP), na cidade de Poitiers, na França; Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED), na cidade de Madrid, na Espanha; Universidade de Lisboa (UL), na cidade de Lisboa, em Portugal; Universidad de Los Lagos (ULagos), na cidade de Osorno, no Chile; Pontificia Universidad Católica del Perú (PUCP), na cidade de Lima, no Peru; Universidade de Brasília (UnB), na cidade de Brasília, no Brasil; e Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), na cidade de México, no México. Assim, integrou 65 professores pesquisadores distribuídos nessas universidades, além de nove em outras que se envolveram em momentos e situações específicas do empreendimento; formou 141 alunos, não somente dos países representados no Consórcio, mas também de outros 109 da América, da Europa, da África e da Ásia; promoveu 200 deslocamentos acadêmicos em seu território virtual (União Europeia e Mercosul), beneficiando 98 professores dos sete países consorciados e também da Argentina, Colômbia, Canadá, Equador, El Salvador, Venezuela, Suíça, Marrocos, Estados Unidos e Costa Rica, totalizando 10 países não consorciados; contou com a atuação de cerca de 900 palestrantes, painelistas, intervenientes acadêmicos e industriais em atividades do curso e nos 28 colóquios de congregação dos estudantes, em Lisboa, Madri, Poitiers; concedeu 612 semanas de bolsas de mobilidade a acadêmicos; e financiou de 10 projetos de pesquisa.(Figura 1)


Figura 1. Consórcio Europeu de Engenharia de Mídias para a Educação (Euromime) envolveu sete universidades em dois continentes, entre elas a Universidade de Brasília (UnB)
(Foto: Beto Monteiro/Secom UnB. Divulgação)

 

O tema central do Consórcio foi a Engenharia de Mídias para a Educação, campo de conhecimento considerado prioritário tanto pela União Europeia[2] quanto pelo Mercado Comum do Sul[3] para a formação das novas gerações e para assegurar o desenvolvimento científico e tecnológico sustentável, responsável e duradouro, tendo em vista a emergência da Sociedade em Rede, denominação atribuída por Manuel Castells [4] à configuração social em consolidação, baseada no amplo emprego das Tecnologias Digitais de Informação, Comunicação e Expressão (TICE) em todas as áreas de atuação humana. O Consórcio Euromime articulou-se em torno de quatro instrumentos para prover o que hoje chamamos de internacionalização acadêmica:

 

  1. Um curso de mestrado realizado ao mesmo tempo, nas três universidades que sediavam o Consórcio (Poitiers, Madrid e Lisboa), reunindo estudantes-bolsistas e professores de todos os sete países partícipes da iniciativa;
  2. Uma dinâmica de promoção de estágios dos estudantes europeus em uma das quatro universidades latino-americanas, visando promover sua inserção nos laboratórios e nas atividades de pesquisa de seus orientadores latino-americanos;
  3. As bolsas de mobilidade de professores entre as universidades consorciadas a fim de lecionar em um dos três países europeus como professores convidados, participar de congressos ou eventos organizados pelas diferentes instituições, promover interações com colegas de outros países, desenvolver trabalhos colaborativos e fomentar o diálogo entre laboratórios de pesquisa das universidades consorciadas;
  4. O financiamento de projetos de pesquisa colaborativos, o que consistia em um mecanismo de incentivo à colaboração e à conexão das universidades partícipes.

 

Esses quatro instrumentos associavam-se para dar forma ao que se chamou de “Rede Euromime”, na qual as universidades evoluíam em uma dinâmica de internacionalização que tinha na conectividade interinstitucional e interpessoal um pilar essencial para que a iniciativa se situasse no âmbito do Novo Modo de Produção de Conhecimentos, na perspectiva evocada por Michael Giddens e de seus colaboradores.[1] Lacerda Santos [5, 6, 7] chamou esse novo modo de produção de conhecimentos de M2, em oposição a um modo tradicional de produção de conhecimentos, o qual ele denominou M1. Deste modo, pretendia-se que o Consórcio Euromime produzisse conhecimentos com as características do M2: em maior quantidade, com maior valor agregado, heterogêneo, socialmente responsável, contextualizado, transdisciplinar, útil e aplicável.

Dado o exposto, e passados dez anos de seu encerramento, é importante verificar se a tríade “Internacionalização – Ensino Superior – Conectividade” atingiu os resultados visados e resultou em conhecimentos com as características elencadas. Foi este o objetivo de investigação cujos resultados são apresentados neste texto e cujas questões de pesquisa foram as seguintes:

 

  1. De que forma egressos do Consórcio Euromime, atualmente docentes em instituições de ensino superior em diferentes países, avaliam o impacto de sua participação no mesmo em sua atuação docente atual?
  2. Qual o impacto da conectividade em sua atuação em ensino superior em prol do estabelecimento de relações internacionais?
  3. Que características dos processos de ensino-aprendizagem decorrentes do Consórcio Euromime são identificáveis em sua práticas docentes atuais?

 

A produção de dados para a elaboração de respostas para estas questões foram realizadas pela abordagem de um grupo de ex-alunos, atualmente docentes do Ensino Superior em diversos países, por meio de entrevistas semi-estruturadas conduzidas pelo dispositivo de “chat” da rede social Facebook. Mais precisamente, as entrevistas foram realizadas através do perfil que o consórcio mantém ativo, visando tornar longeva a dinâmica de internacionalização que o caracterizou e fomentar interações contínuas entre todos os cerca de 900 participantes da iniciativa.

 

A internacionalização como vetor do Novo Modo de Produção de Conhecimentos

O ambiente do Ensino Superior, é, em todo o mundo, o primeiro e principal locus de manifestação do M2, isto é do Novo Modo de Produção de Conhecimentos, e onde são percebidas, de maneira mais intensiva, as interações entre agentes produtores de conhecimento e a sociedade como um todo. Com o advento da Internet e sua extraordinária evolução nos últimos 30 anos, essa dinâmica se acentuou sobremaneira e a conectividade, possibilitada pelas Tecnologias Digitais de Informação, Comunicação e Expressão (TICE), tornou-se ferramenta incontornável para os processos epistemológicos, em todos os campos de conhecimento. Nessa ordem de ideais, é bastante evidente que as amplas e cada vez mais abrangentes possibilidades de uso das TICE nos processos de construção de conhecimentos, no âmbito do Ensino Superior, foram e tem sido extraordinariamente catalisadas pelas possibilidades advindas da conexão entre os atores envolvidos nestes processos, acentuando o reconhecimento dos oito princípios do M2.

 

“O ambiente do Ensino Superior, é, em todo o mundo, o primeiro e principal locus de manifestação do M2, isto é do Novo Modo de Produção de Conhecimentos, e onde são percebidas, de maneira mais intensiva, as interações entre agentes produtores de conhecimento e a sociedade como um todo.”

 

O primeiro princípio é o do aumento da produção de conhecimentos proporcionado pelos novos mecanismos de informação, comunicação e expressão, possibilitados pelas TICE, que geram um movimento global de retroalimentação quase imediato em que saberes geram mais saberes, em um movimento inédito de desenvolvimento científico e tecnológico. O segundo princípio é da agregação de maior valor a conhecimentos mais amplamente validados e coletivamente construídos, o que só é possível mediante interações, praticamente em tempo real, entre pesquisadores e laboratórios em todo o mundo. A heterogeneidade é o terceiro princípio, cada vez mais presente nos conhecimentos construídos nos últimos 30 anos, seja ela institucional, individual ou epistemológica. Esse princípio, consolidado pela integração de instituições distintas e geograficamente distanciadas na produção coletiva de conhecimentos, é potencialmente propulsor da construção de saberes criativos, amplamente validados, pertinentes e inovadores, que agregam aos mesmos alto valor acadêmico e social, seja enquanto processos, seja enquanto produtos. O quarto princípio é o da responsabilidade social dos conhecimentos produzidos, decorrente da noção de que os conhecimentos na Sociedade em Rede devem ser úteis e socialmente pertinentes, promovendo a emancipação do sujeito por meio do desenvolvimento científico e tecnológico, racional e humanizado. O quinto princípio é o da contextualização dos novos conhecimentos, que se refere às interrelações, cada vez mais presentes, entre conhecimento e sociedade. A transdisciplinaridade é o sexto princípio delimitador do M2 acentuado pela conectividade, o qual considera que a pertinência dos conhecimentos é diretamente proporcional ao emprego, em sua construção, de saberes distintos, orientações epistemológicas distintas, visões de mundo distintas, gerando abordagens que vão além das disciplinas e das instituições consideradas isoladamente. O princípio da utilidade, ou da instrumentação, é baseado na interação crescente entre a Ciência e a Tecnologia com a resolução de problemas concretos dos indivíduos e da sociedade, como vimos recentemente no caso do desenvolvimento de vacinas contra o vírus causador da covid-19. Por último, o princípio da aplicabilidade, ou a reflexibilidade, diz respeito à universalidade dos conhecimentos produzidos e às possibilidades de sua aplicação universal. Esse princípio corresponde também ao estabelecimento de pontes e de diálogos entre as partes integrantes do sistema de produção de conhecimentos (produtores e produtos) e evidencia a contribuição do indivíduo na produção do conhecimento coletivo e vice-versa, isto é, com o impacto do conhecimento coletivo na evolução de cada indivíduo e na constituição de seu conhecimento privado.

Esses oito princípios apontam, portanto, e ao nosso ver, para um Ensino Superior cada vez mais internacionalizado, atrelando sua qualidade, de forma direta, à adoção de estratégias promotoras da conectividade, seja ela sob a forma de intercâmbios físicos, possibilitada pela mobilidade docente e discente, seja ela sob a forma virtual, possibilitada pelas TICE.

O quadro teórico exposto nos permite concluir que o Consórcio Euromime, na condição de exemplo de um sistema de pós-graduação internacionalizado, operou em pleno M2 de modo a ter um modelo organizacional condizente com o da Sociedade em Rede vislumbrada por Castells.[4] Nesta perspectiva, a tríade “Internacionalização – Ensino Superior – Conectividade” foi fundamental na promoção de inovações, no aumento da capilaridade da iniciativa, no estabelecimento de novas formas de colaboração universitária, no fomento à conexão institucional e na constituição de uma comunidade acadêmica de colaboração em rede, a qual persiste em funcionamento uma década após o encerramento formal do consórcio.

No tocante à promoção de inovações didáticas, os mecanismos de conectividade para promoção da internacionalização desta iniciativa de Ensino Superior promoveram inovações de natureza pedagógica, delimitadas pelo reconhecimento de créditos de disciplinas cursadas em quaisquer das sete universidades consorciadas, por inovações institucionais necessárias para gerir um curso transnacional, pelos projetos de pesquisa colaborativos e pela mobilidade de acadêmicos e de estudantes em todo o território acadêmico conectado; inovações culturais, delimitadas pelo compartilhamento de abordagens teóricas e pela interculturalidade; inovações tecnológicas, delimitadas pelos produtos e processos decorrentes das dissertações de mestrado sobre engenharia de mídias educativas; e inovações sociais, delimitadas pelo grau elevado de adequação dos mestrandos ao mercado de trabalho. No que se refere à capilaridade da iniciativa, a tríade em foco gerou um imenso território acadêmico transnacional e transcontinental em que, ao longo de dez anos, cerca de 900 atores de diversos países interagiram em torno da construção de conhecimentos acerca da engenharia de mídias educativas. Evidentemente, novas formas de cooperação universitária emergiram da iniciativa, o que se constatou não apenas na estrutura internacional e multicultural do Consórcio Euromime, mas também na realização de projetos de pesquisa colaborativos, envolvendo pesquisadores de várias instituições, os quais cimentarem relações acadêmicas sólidas e duradouras e agregaram alunos de diversas nacionalidades. Com relação ao fortalecimento das conexões institucionais, os quatro instrumentos possibilitados pela conectividade deram forma a esse projeto de internacionalização da pós-graduação: o próprio curso de mestrado, conceituado em torno da mobilidade docente e discente; os estágios dos estudantes nas diferentes instituições partícipes; as bolsas de deslocamento de acadêmicos e o financiamento de projetos colaborativos de pesquisa. Por fim, a tríade “Internacionalização – Ensino Superior – Conectividade” foi decisiva na conexão de todos os atores do consórcio em uma comunidade de aprendizagem em rede, a qual perdura até hoje. (Figura 2)


Figura 2. Internacionalização e conectividade são essenciais para a promoção de inovações, culturais e sociais – fundamentais no Ensino Superior.
(Foto: Programa Erasmus Mundus. Divulgação)

 

Dado o exposto, e em um momento em que os gestores do Consórcio discutem a possibilidade de retomada da iniciativa, importa saber se a formatação adotada para promoção da internacionalização visada, baseada nas diferentes formas de conectividade descritas, deu resultados positivos. Nessa perspectiva, os pressupostos da investigação aqui relatada foram de que egressos do curso, que hoje atuam como docentes no Ensino Superior em diferentes países, foram impactados pelas premissas do Consórcio, baseadas na tríade “Internacionalização – Ensino Superior – Conectividade”, as reproduzem, ampliam e aperfeiçoam em suas práticas docentes atuais e as investem na manutenção do território acadêmico conectado decorrente da iniciativa.

 

A tríade “Internacionalização – Ensino Superior – Conectividade” e a conexão de territórios acadêmicos 

Para a produção dos dados visados para o atendimento a nossas questões de pesquisa, foram abordados 10 egressos do Curso de Mestrado em Engenharia de Mídias para a Educação, em seis países, na Europa e na América Latina, todos atualmente engajados como docentes de Ensino Superior. A manutenção da maior parte dos atores do Consórcio em interação por meio de um grupo virtual na rede social Facebook, os quais permanecem em constante interação, já é um indicador da permanência do network criado e do impacto positivo da conectividade em sua manutenção. A produção e a coleta de dados foi realizada em dois momentos distintos e complementares. Inicialmente, após o estabelecimento do contato inicial e da explicação da dinâmica, um artigo acerca dos resultados do Consórcio, publicado na Revista Brasileira de Pós-Graduação, foi encaminhado a todos os respondentes.[7, 13] Em seguida, após algum tempo para leitura do mesmo, cada respondente foi abordado individualmente, à luz das questões de pesquisa que nos mobilizavam naquele momento. Apresentamos, a seguir, um resumo das respostas e posicionamentos obtidos.

 

“A conectividade, tanto no sentido das interrelações quanto no sentido das interações virtuais, é condição sine qua non da internacionalização.”

 

O primeiro questionamento dizia respeito ao modo de atuação de cada respondente no Ensino Superior, à luz do fato de serem egressos do Consórcio Euromime. Houve unanimidade em torno da ideia de que a prática da internacionalização e de que sua consideração como fundamento das relações educativas é uma das principais heranças positivas daqueles que passaram pelo Consórcio. Prova disso é que todos eles evoluem em grupos de pesquisas bastante internacionalizados, com a participação de, pelo menos, dois participantes de outros países. Seis dos dez respondentes coordenam, em suas instituições, atividades que envolvem estudantes estrangeiros e professores visitantes vindos de outros países. Quatro deles estavam fora de seus países no momento da enquete, em estágios de pós-doutorado. Sete deles já haviam promovido ações para acolherem professores estrangeiros em suas instituições. E todos eles permanecem atuantes no Consórcio Euromime, trocando informações com ex-colegas docentes e discentes, convidando-os para bancas avaliadoras de dissertações e teses e intercambiando artigos, objetos de investigação e estudantes. Todos apontaram também que a prática da internacionalização areja os cursos em que eles atuam, promovendo a circulação de ideias, a colaboração interinstitucional e a construção conjunta de conhecimentos. Em suma, todos atuam de forma internacionalizada, seja no contexto de grupos de pesquisa com participações estrangeiras, seja no acolhimento de estudantes e professores de outros países, ou na constante necessidade de sair de seu contexto local e nacional para abordar outras visões de mundo em outros contextos no exterior. A maioria dos participantes da pesquisa colocou em evidência a crucialidade das TICE na formatação de contextos educativos internacionalizados, de modo que conectividade, tanto no sentido das interrelações quanto no sentido das interações virtuais, é condição sine qua non da internacionalização.

O segundo questionamento endereçado aos participantes da enquete foi a respeito do impacto da conectividade em sua atuação em ensino superior em prol do estabelecimento de relações internacionalizadas. No âmbito do Consórcio Euromime, a conectividade se dava de duas formas: por meio de interações físicas dos estudantes e dos docentes nas sete universidades consorciadas para a realização das mais diversas atividades (estágios, seminários, participação em banca, atuação em projetos de pesquisa, recebimento de orientação acadêmica, atuação em laboratórios, etc.); e por meio de interações virtuais que tornaram o Consórcio Euromime uma rede Euromime, atualmente concretizada em um grupo na rede social Facebook, mas com extensões diversas mediante o uso de outras TICE como canais de vídeo, dispositivos de diálogo e plataformas de reuniões individuais e coletivas. O principal impacto identificado foi a dependência estrutural das TICE na elaboração, condução e divulgação de pesquisas e seus resultados. Em diversas respostas, ficou evidenciada a existência de uma relação de interdependência entre conectividade (especialmente a virtual) e internacionalização, como se fosse impossível, no âmbito do M2, a modalidade do Ensino Superior de qualidade sem esses dois vetores complementares. Quatro dos respondentes, que vivem em países com pouco ou nenhum subsídio à mobilidade docente e discente e com baixa taxa de acesso à Internet, se disseram academicamente acuados, o que tem reflexos nos currículos e na pertinência local e global dos cursos em que atuam.

Quando questionados sobre quais características dos processos de ensino-aprendizagem decorrentes do Consórcio Euromime são identificáveis em sua práticas docentes atuais, os docentes consultados forneceram respostas que se agrupam em cinco grupos: (1) Uso massivo de TICE como instrumentos mediadores de relações educativas e de constituição de salas de aula ampliadas, sem limitação de tempo e lugar; (2) Constituição de grupos virtuais suscetíveis de romperem barreiras de comunicação e gerarem pequenas e grandes comunidades de aprendizagem em rede; (3) Cooperação e colaboração como fatores intrínsecos de seu trabalho, tanto nos processos de ensino, quanto nos processos de aprendizagem e, especialmente, nos processos de condução de projetos de pesquisa; (4) Consideração de múltiplas realidades na constituição de quadros teóricos; e (5) Abrangência internacional das revisões de literatura confirmadoras dos problemas de pesquisa. É interessante observar que seis dos dez respondentes convergiram para a identificação de barreiras linguísticas dos seus alunos como os principais empecilhos para as práticas de conectividade e de internacionalização, de modo que, em suas instituições, essas práticas acabam restritas ao âmbito dos docentes. Nesse caso, resultados eventualmente advindos das mesmas não chegam direta ou integralmente aos estudantes.

 

“A conectividade e a internacionalização promovem a constituição de territórios acadêmicos interligados, sem limitações geográficas e temporais, condizentes com as premissas de uma sociedade em rede que tem nas TICE seus principais mecanismos de conexão.”

 

Em seu conjunto, as respostas e os posicionamentos dos docentes egressos do Consórcio Euromime e do Curso de Mestrado em Engenharia de Mídias para a Educação colocam luzes potentes sobre a tríade estudada. De fato, tanto a experiência por eles vivenciada, enquanto alunos do curso, quanto sua realidade atual enquanto docentes do Ensino Superior em várias universidades dos sete países consorciados, ressaltam a conectividade e a internacionalização como vetores indissociáveis dos estudos superiores de qualidade e conectados com o mundo. Foram recorrentes, nas respostas obtidas, colocações que nos remetem à associação entre a tríade “Internacionalização – Ensino Superior – Conectividade” e a pertinência das instituições em que atuam, tais como maior interesse por parte dos alunos, mais integração com os avanços científicos e tecnológicos em escala mundial, menor evasão, maior engajamento dos professores, maior sentido social dos programas de formação.

 

Considerações finais

A investigação aqui relatada colocou em evidência a efetividade da tríade “Internacionalização – Ensino Superior – Conectividade” na constituição de sistemas de Educação Superior que atendam aos princípios do Novo Modo de Produção de Conhecimentos e que formem atores comprometidos com práticas educativas internacionalizadas e conectadas, em todos os seus sentidos e dimensões. Pode-se constatar, a partir dos dados produzidos, coletados e analisados, que a conectividade e a internacionalização promovem a constituição de territórios acadêmicos interligados, sem limitações geográficas e temporais, condizentes com as premissas de uma sociedade em rede que tem nas TICE seus principais mecanismos de conexão. Os dez entrevistados sinalizaram que o Consórcio Euromime, por meio do Curso de Mestrado em Engenharia de Mídias para a Educação, foi ambiente formador efetivo de práticas que têm no contato com o outro, no caso estudantes e pesquisadores de diversos países, contextos e formações, seu principal argumento e sua motivação central. Isto posto, fica esclarecido que prover conectividades irrestritas e fomentar a internacionalização mais ampla possível são condições necessárias para a implantação e a condução de programas de Ensino Superior condizentes com o Novo Modo de Produção de Conhecimentos, que os almeja em maior quantidade, com maior valor agregado, heterogêneos, socialmente responsáveis, contextualizados, transdisciplinares, úteis e aplicáveis.


Saiba mais:

Gilberto Lacerda Santos, coordenador Euromime

 


Capa. A conectividade e a internacionalização promovem a constituição de territórios acadêmicos interligados, sem limitações geográficas e temporais
(Divulgação)

SANTOS, Gilberto Lacerda. Conectividade, ensino superior e internacionalizaçãoo Consórcio e o Mestrado Europeu de Engenharia de Mídias para a Educação (Euromime) e a conexão de territórios acadêmicos. Cienc. Cult. [online]. 2023, vol.75, n.1, pp.01-08. ISSN 0009-6725.  http://dx.doi.org/10.5935/2317-6660.20230008.
[1] GIDDENS, M.; LIMOGES, C.; NOWOTNY, H.; SCHWARTZMAN, S.; SCOTT, P. e TROW, M. The New Production of Knowledge: The Dynamics of Science and Research in Contemporary Societies. London, UK: Sage, 1994.
[2] UE (UNIÃO EUROPEIA) (2012). The Europe 2020 Strategy. Bruxelas, Bélgica, 2012.
[3] MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). Ata da Reunião Especializada em Ciência e Tecnologia. RECyT, ATA No. 02/04. Recife, Brasil. Disponível em www.recyt.mincyt.gov.ar/files/Recyt/XXXIIReuniao/DocumentoCompleto.pdf, 2004.
[4] CASTELLS, M. La Sociedad en Red: Unavisión global. Madrid, Espanha: Alianza Editorial, 2006.
[5] LACERDA SANTOS, G. Ciência, Tecnologia e Formação de Professores para o Ensino Fundamental. Brasília, Brasil: Editora da Universidade de Brasília, 2005.
[6] LACERDA SANTOS, G. O papel da Universidade e das novas Tecnologias de Informação, Comunicação e Expressão (TICE) no contexto do Novo Modo de Produção de Conhecimentos Científicos e Tecnológicos (M2). In: E. Lampert & M. Baumgarten (Org.),Universidade e Conhecimento (pp. 46-61). Porto Alegre, Brasil: Editora Sulina, 2010.
[7] LACERDA SANTOS, G., PETIT, T. e SOUSA, J. V. O Consórcio e o Mestrado Europeu De Engenharia De Mídias Para a Educação (Euromime): Uma Experiência De pós-graduação Conectando territórios Acadêmicos Por Meio De Um Novo Modo De produção De Conhecimentos. Revista Brasileira De Pós-Graduação, 11 (25). https://doi.org/10.21713/2358-2332.2014.v11.504, 2014.
[8] PETIT, T. & LACERDA SANTOS, G. A aprendizagem não formal da língua estrangeira usando o smartphone: por que voltamos a metodologias do século XIX?In Anais do 5º. Simpósio Hipertexto e Tecnologias na Educação. Recife (PE, Brasil), 2013.
Gilberto Lacerda Santos é professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) e coordena a Rede Distrital de Educação e Divulgação Científica e o Museu Virtual de Ciência e Tecnologia da UnB. Foi o coordenador brasileiro do Consórcio Euromime, objeto deste artigo.

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