A desigualdade de gênero ainda existe em áreas do ensino como a matemática, especialmente nos primeiros anos escolares, aponta estudo divulgado pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco). No entanto, o estudo também aponta que, nos anos seguintes, o desempenho das meninas se equipara ao dos meninos.
Visando provocar o debate a respeito da desigualdade de gênero e as barreiras encontradas pelas meninas nestas áreas em que prevalece historicamente a presença masculina, o estudo é realizado anualmente pela Unesco, com dados levantados em 120 países.
A pesquisa confirma que a diferença de gênero favorece os meninos em matemática no ensino fundamental e médio, mas mostra também que ela tem diminuído. Em alguns países, o quadro chega a se reverter na 8.ª série. A diferença é a favor das meninas em matemática em 7% na Malásia, 3% no Camboja, 1,7% no Congo e 1,4% nas Filipinas.
Estereótipos e preconceitos
O relatório evidencia também que preconceitos e estereótipos podem afetar estes resultados. Ou seja, as circunstâncias continuam sendo favoráveis aos meninos, aumentando, assim, suas probabilidades de estarem entre os melhores.
Segundo o estudo, o desempenho das meninas em leitura é superior ao dos meninos, assim como em matemática e ciências. Já nos países de renda média e alta, as notas das meninas em ciências são mais altas no ensino secundária, porém isso não resulta na opção por carreiras científicas. O levantamento indica que os preconceitos de gênero podem ser o obstáculo principal no momento da escolha por áreas de ciência, tecnologia, matemática e engenharia.
Escolhas
O novo relatório divulgado pela Unesco, em conjunto com a International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA), aponta que em muitos países as mulheres jovens representam apenas 25% dos estudantes de engenharia ou Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC).
Ainda conforme a Unesco, o relatório conclui que em 87% dos sistemas educacionais a grande maioria dos meninos deseja seguir carreira que envolva matemática. Nesses mesmos sistemas os meninos também preferem carreiras científicas.
O documento indica que isso pode sugerir que existem fatores estruturais, culturais e sociais nas visões de gênero dos alunos sobre as carreiras. Essas disparidades aparecem tanto no emprego quanto na educação: normas e estereótipos de gênero podem estar moldando as áreas nas quais escolhem estudar ou trabalhar.
Pontos em questão: acesso e permanência
Para Sandra Ávila, professora do Instituto de Computação (IC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a notícia da melhora do desempenho das meninas em matemática é animadora, “mas sabemos que temos um longo caminho pela frente. Não é uma questão de ser melhor ou pior que os meninos. É uma questão de oferecer acesso à educação, dado que muitas vezes elas não têm nem a mesma chance que os meninos”.
Segundo a docente, tão importante quanto o acesso é incentivar as meninas a permanecer na escola. “Mostrar para as meninas que temos matemáticas e cientistas com diversas contribuições fantásticas que usamos no nosso dia a dia é uma excelente maneira.”
A professora se dedica a um projeto de inserção das mulheres nas áreas de tecnologia e computação, com incentivos para meninas no campo da ciência: “Meninas SuperCientistas”. Organizado desde 2019 por alunas, professoras e funcionárias da Unicamp, o programa realiza atividades para alunas do Ensino Fundamental II de escolas públicas (45 vagas) e privadas (20 vagas). Guiadas por cientistas mulheres, as meninas conhecem exemplos de atuação de mulheres na ciência. O projeto criou também um canal no YouTube (Meninas SuperCientistas).
O projeto foi inspirado em outra iniciativa criada em 2016 na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pelo Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional: “Meninas com Ciência”. No ano seguinte, a iniciativa se reproduziu na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar-Sorocaba), “Pequenas Cientistas”; e em 2018 na Universidade de São Paulo (USP), “Mergulho na Ciência”.
Em janeiro de 2020, dentro da programação anual do Instituto de Computação da Unicamp, que desde 2012 realiza a Escola de Verão da Maratona de Programação com o objetivo preparar estudantes para competições internacionais, houve um projeto especial para estimular a participação feminina na competição mundial da área de programação International Collegiate Programming Contest (ICPC).
Conclusões do relatório
O estudo aponta que a autoconfiança é fundamental na escolha por estudos científicos. Confiança que pode ser afetada de várias maneiras: por colegas, pais, professores, conselheiros e materiais escolares que possam perpetuar ou promover estereótipos de gênero, contribuindo, por exemplo, para manter as meninas fora das áreas de engenharia ou TIC.
O relatório confirma a necessidade de se criar oportunidades para meninas e mulheres jovens adquirirem mais autoconfiança e capacitá-las por meio da educação para poderem ocupar lugares em todas as áreas da ciência, superando barreiras sociais e psicológicas. Como o levantamento foi realizado antes da pandemia da covid-19, a Unesco aponta que deverá levar algum tempo para que um novo relatório com uma imagem global mostre o impacto da pandemia.