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As consequências da desindustrialização para o trabalho

Artigo de José Dari Krein, professor do Instituto de Economia da Unicamp e diretor do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho

 

O trabalho ganhou maior visibilidade na pandemia, tanto pela sua importância social quanto pela situação de precariedade de muitas ocupações. É uma expressão do desenvolvimento brasileiro, que foi incapaz de incorporar todas as pessoas disponíveis em ocupações decentes, especialmente depois da crise dos anos 1980, a partir de quando o País interrompeu o processo de industrialização.

No período entre 1940 e 1980, houve avanço do assalariamento com uma economia crescendo, em média, a 7% ao ano, que culmina na  internalização do ciclo de 2ª Revolução industrial e o País se torna a 8ª economia mundial. Apesar da existência de uma legislação trabalhista ampla e da dinâmica econômica proporcionar mobilidade social ascendente para a maioria, o País não conseguiu organizar o mercado de trabalho, pois, dada a grande migração do campo para cidade, manteve-se um excedente estrutural de força de trabalho. O que gerou uma concorrência predatória pela ocupação das melhores oportunidades, com a reafirmacão das discriminações contra mulheres e pessoas negras, a permanência de uma alta informalidade e de baixos e desiguais rendimentos do trabalho.

A partir da crise da dívida nos 1980, as opções políticas prevalecentes levaram o país para uma regressão da estrutura produtiva, especialmente com a forma como o Brasil fez a abertura econômica e sua inserção na globalização financeira nos anos 1990. A partir de então, o País não conseguiu manter o desenvolvimento industrial e nem competir com os países com maior capacidade de inovação tecnológica, o que levou a uma posição subordinada nas cadeias globais de valor e uma reprimarização da pauta exportadora. A desindustrialização ocorreu de forma prematura, sem que o país incorporasse as pessoas no mercado de trabalho. Além de perder o bonde do desenvolvimento, desde então o país praticante andou de lado. Com exceção da primeira década do século XXI, o desempenho do produto interno per capita foi muito baixo, sendo negativo em duas delas (anos 1980 e 2010).

Como consequência, ocorreu um deslocamento para uma economia de serviços, o que se reflete em uma queda muito expressiva nas ocupações industriais e na agricultura. Em 2022, mais de 70% do total dos ocupados se encontrava no setor de serviços, sendo boa parte no comércio. A participação do emprego industrial caiu de 28% nos anos 1980 para 13% em 2020. A queda foi maior em setores com maior complexidade tecnológica. Novas tecnologias, poupadores de força de trabalho, foram sendo incorporadas, mas, com raras exceções, nossa capacidade de competir nos setores de ponta, de criar inovações, foi tímida e insuficiente. Além disso, uma parte do encolhimento do emprego industrial se explica também pela terceirizacão.

Neste contexto, sob a hegemonia do neoliberalismo, avançou a desorganização do mercado de trabalho, especialmente após a crise econômica de 2015 e a reforma trabalhista de 2017. Para exemplificar, vale observar alguns poucos indicadores: a informalidade passou de 24% para 40%, entre os anos 1980 e 2022. O trabalho por conta própria chega a 25% dos ocupados em 2022, sendo que cerca de 80% seguiram por esse caminho por falta de opção. Ainda de acordo com a PNADC/IBGE, a taxa de subutilização da força de trabalho alcançou 23,2%, sendo que entre as mulheres negras chegou a 34%. Talvez o número mais expressivo seja que mais de 60 milhões de brasilieros(as) se encontram desocupados, na força de trabalho potencial e na informalidade, expressão de extrema vulnerabilidade. A ausência de oportunidades atinge também segmentos qualificados da força de trabalho. Por exemplo, 15% dos doutores estavam desempregados em 2019.

O setor de serviços tende a gerar postos de trabalho que exigem menos qualificação, o que se expressa na queda do poder dos salários, afetando negativamente a demanda e, portanto, o nível de atividade da economia, especialmente no momento em que é abandonada a política de valorização do salário-mínimo. Nesse sentido, por um lado, as políticas públicas, foram adaptativas a uma realidade de ausência de emprego decente, especialmente gerindo a pobreza. Por outro lado, prevaleceram, especialmente nos anos 1990 e depois de 2017, as reformas laborais, de retirada de direitos e redução da proteção social. Opções ineficazes para resolver os problemas do trabalho, mas eficazes para ampliar a precarização do trabalho.

Políticas buscavam responsabilizar as pessoas pela sua situação no mercado, deixando transparecer a falsa impressão de que não há alternativa. No entanto, o trabalho existente na sociedade é resultante da estrutura técnica-produtiva, do padrão de desenvolvimento e da dinâmica econômica, que são socialmente determinadas. Portanto, o desafio atual é mudar o padrão de desenvolvimento para enfrentar os problemas sociais, ambientais e de soberania nacional, o que implica em fortes investimentos em educação, ciência e tecnologia. O Estado também deve assumir a função de garantir ocupação e proteção para todos que queiram  trabalhar. Enfim, pensar uma sociedade mais inclusiva não será possível sem enfrentar os problemas do trabalho.

Sobre o autor:
José Dari Krein é professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diretor do CESIT (Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho) e da coordenação da REMIR (Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista)

Jornal da Ciência

 

Capa: Remy Gieling | Unsplash.com
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