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A atual política de destruição da Floresta Amazônica

“A sociedade brasileira não pode permitir a destruição dos ecossistemas dos quais tanto depende”, diz Paulo Artaxo, professor titular do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da USP e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

 

A derrubada de florestas na Amazônia alcançou um novo e alarmante patamar nos últimos quatro anos. Desde 2018, houve aumentos consecutivos do desmatamento na região, que vem batendo recordes anualmente. Entre 2019 e 2022, o desmatamento na Amazônia cresceu 56% em relação ao período de 2016-2018. Tivemos um aumento só em 2022 de 34% em relação a 2021. Um dos grandes fracassos do atual governo é na política em relação à conservação da Amazônia. Estudos mostram que 51% do desmatamento do último triênio ocorreu em terras públicas, e a derrubada em áreas protegidas – como Terras Indígenas (TIs) e Unidades de Conservação (UCs) aumentou em 80%. Tais dados são consequências do desmonte da política ambiental no Brasil, evidenciadas pela falta de fiscalização e controle por parte do governo. A grilagem avança sobre terras públicas não destinadas e não respeita nem aquelas terras já alocadas para fins específicos, como TIs e UCs, implicando em ameaça aos direitos fundamentais de habitantes locais e no aumento dos conflitos com violência na Amazônia.

Ao longo dos últimos quatro anos, foram estimulados crimes ambientais, tais como: invasão de terras públicas, garimpo ilegal, invasão de terras indígenas protegidas pela Constituição Federal. O crime organizado e milícias passaram a dominar parte da região Amazônica, como ficou claro no brutal assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips, que como Chico Mendes e Dorothy Stang perderam suas vidas por estarem protegendo um patrimônio brasileiro riquíssimo.

O proposital enfraquecimento das políticas públicas e de ações de comando e controle na área ambiental contribuíram para que o desmatamento tenha atingido o patamar de 1.454 quilômetros quadrados de floresta derrubados em setembro de 2022. Foi o pior setembro desde 2015, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) adotou a atual metodologia. Na comparação entre os meses de setembro de 2022 e 2021, houve uma explosão de 48% no índice de desmatamento.  Além de ilegal, a destruição da maior floresta tropical do mundo configura um verdadeiro crime de lesa-pátria, e uma grande burrice. Desmatar a Amazônia é perder riqueza, em termos de biodiversidade, clima e agronegócio do País.

Não há trilha viável para o agronegócio brasileiro se não forem equacionados seus equívocos e inconsistências legais, ambientais e sociais.  A floresta em pé presta serviços ambientais e ecológicos: é ela que garante a qualidade do solo, dos estoques de água doce e a manutenção do equilíbrio climático, colaborando com o bem-estar humano e provendo segurança alimentar e energética. Estudos recentes comprovam que o desmatamento da Amazônia pode resultar em grandes prejuízos para o agronegócio. A expansão das fronteiras agrícolas, por meio do desmatamento, reduz a evapotranspiração, a umidade e as chuvas da região, e essa alteração nos ciclos hidrológicos prejudica a produção de alimentos no Brasil Central. Podemos estar chegando cada vez mais perto do chamado ponto de inflexão da Amazônia, ou seja, uma situação de não sustentabilidade da floresta que ainda ficou de pé. O rápido aumento dos índices de desmatamento florestal leva à liberação de gases de efeito estufa, agravando as mudanças climáticas que exacerbam ainda mais a degradação da floresta.

A atividade madeireira também é um vetor de destruição na Amazônia. De acordo com um levantamento apresentado pela Rede Simex (formada por Imazon, Idesam, Imaflora e ICV), quase 40% da área com registro de atividade madeireira na região amazônica não possui autorização oficial, adentrando inclusive em áreas nas quais a prática é totalmente ilegal, como Terras Indígenas e Unidades de Conservação. A lei tem que valer também para a região amazônica.

A questão indígena e o desmonte da FUNAI faz parte do processo de destruição da Amazônia. O decreto presidencial 11.226/22 pode ser o golpe de morte na Fundação como a conhecemos. O texto determina a exclusão dos comitês regionais responsáveis por planejar com os indígenas ações e estudos voltados à demarcação de suas terras. Junto aos comitês, se vão as frentes e coordenações subordinadas ao órgão. O novo Estatuto da FUNAI inviabiliza a consulta pública e os estudos etnoambientais necessários para o reconhecimento de Territórios Indígenas. Um relatório da Comissão Arns concluiu que há graves violações de Direitos Humanos no Vale do Javari (e outras regiões amazônicas) e cobra o governo brasileiro a combater a forte criminalidade na região, em documento apresentado ao Conselho Nacional de Justiça.

O novo Código Florestal brasileiro, em vigor desde 2012, dita que o montante de reserva legal que uma propriedade deve manter na Amazônia é de 20%. Ou seja, legalmente, ainda é possível desmatar 11.3 Mha (milhões de hectares) na Amazônia brasileira. Incentivos financeiros, o fomento da bioeconomia e do empreendedorismo de base florestal e a construção de acordos multissetoriais e de uma governança ambiental estruturada são possíveis estratégias para combater o desmatamento legal. O Brasil já mostrou que o combate ao desmatamento na Amazônia aliado ao crescimento econômico é possível e eficaz.

O desmatamento da Amazônia gera impactos socioambientais e climáticos em âmbitos nacional e global.  Desde 2021, cientistas confirmaram que partes da Amazônia estão emitindo mais carbono do que podem absorver. Isso ocorre porque as queimadas emitem mais do que o crescimento de novas árvores é capaz de reter pela fotossíntese.  O desmonte do Ministério do Meio Ambiente, do IBAMA e do ICMBIO e a falta de fiscalização e controle na região prejudicam muito a imagem e a credibilidade internacional do Brasil. Na COP26, o governo brasileiro assinou o compromisso de zerar o desmatamento ilegal até 2028, mas os mecanismos de comando e controle foram desmontados no atual governo.

É importante mencionar que a floresta já perdeu as eleições. Principalmente por causa da composição do futuro Congresso Nacional. Mesmo com a vitória da oposição ao atual governo, será necessário negociar com o Centrão e, nesse caso, a agenda ambiental poderá ser uma das moedas de troca. O Congresso tem forte participação de ruralistas que querem manter a atual política de destruição de nossos ecossistemas. A sociedade brasileira não pode permitir a destruição dos ecossistemas dos quais tanto depende. A Amazônia, Pantanal, Caatinga, Pampas e o Cerrado são essenciais para a manutenção dos serviços ecossistêmicos brasileiros e sua destruição é parte da ruína do futuro do Brasil. Vamos todos reverter este processo de destruição e lutar pela reconstrução de nosso país.

Sobre o autor:

Paulo Artaxo é professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), atua com física aplicada a problemas ambientais, especialmente com questões de mudanças climáticas globais, meio ambiente na Amazônia, física de aerossóis atmosféricos, poluição do ar urbana e outros temas. É membro titular da Academia Brasileira de Ciências, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e de sete outros painéis científicos internacionais. É considerado um dos mais influentes e mais citados mundialmente entre os cientistas do país.

*O artigo expressa exclusivamente a opinião do autor.

Jornal da Ciência

 

Capa: Ivars Utināns | Unsplash.com
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