juliano moreira

Histórias da ciência no Brasil

Conheça a trajetória de Juliano Moreira, um negro baiano, de origem pobre, que se tornou cientista de renome internacional e batalhador contra o racismo científico

 

No dia 11/05/1925, Einstein visitou o Hospício Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro, acompanhado do diretor Juliano Moreira. (Figura 1) Anotou em seu diário: “Visita ao manicômio, cujo diretor é mulato e uma pessoa especialmente virtuosa”. Juliano era vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC): ele a presidiria de 1926 a 1929, tornando-se possivelmente o primeiro presidente negro de uma academia de ciências no mundo. Foi um dos pioneiros da psiquiatria no Brasil, crítico duro do racismo científico e lutador pelo estabelecimento de políticas de saúde mental em escala nacional. Por tudo isto, teve uma importância muito grande para a psiquiatria e para a ciência brasileira.


Figura 1. Visita de Einstein ao Hospício Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro, acompanhado do diretor Juliano Moreira.
(Reprodução)

 

Juliano Moreira nasceu em Salvador, em 1872, dois anos depois da Lei do Ventre Livre. Filho de uma cozinheira negra, Galdina Joaquina do Amaral, e de um trabalhador português. Foi apadrinhado pelo patrão de sua mãe, Barão de Itapoã, um médico renomado, o que lhe possibilitou condições de estudo. Ainda muito jovem, com 14 anos, ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, onde se graduou com 19 anos, em 1891, com uma tese que trouxe novas abordagens sobre a etiologia da sífilis maligna precoce e na qual criticava a atribuição da doença ao fator racial. (Figura 2). Anos depois, se tornou professor substituto da seção de doenças nervosas e mentais da mesma escola. De 1895 a 1902, frequentou cursos sobre doenças mentais e visitou muitos asilos e clínicas na Europa. Mudou-se para o Rio de Janeiro e ali, de 1903 a 1930, dirigiu o Hospício Nacional de Alienados.


Figura 2. Juliano Moreira
(Reprodução)

 

Polemizou com o médico Nina Rodrigues (1862-1906), do qual fora aluno, discordando da teoria que atribuía a degeneração do povo brasileiro à mestiçagem, e especialmente a uma suposta contribuição negativa dos negros na miscigenação. A posição de Juliano era minoritária entre os médicos, na primeira década do século XX, época em que desafiou também o pressuposto, comum à época, de que existiriam doenças nervosas e mentais próprias dos climas tropicais. Ajudou a refutar, assim, a ideia de que havia uma hierarquia entre os povos baseada na diferença entre os climas ou nas formações raciais diversas, contrariando o pensamento racista em voga no meio acadêmico. Para ele, os inimigos a combater eram o alcoolismo, a sífilis, as verminoses e as condições sanitárias e educacionais adversas, não importando a origem étnica dos indivíduos ou a região do mundo em que viviam.

Juliano alinhou-se também às correntes que defendiam a modernização da psiquiatria e da prática asilar. Isto se refletiu nas mudanças que introduziu no Hospício Nacional de Alienados, instalando laboratórios, renovando o corpo clínico com o ingresso de psiquiatras, neurologistas e especialistas de clínica médica, pediatria, oftalmologia, ginecologia e odontologia. Aboliu o uso de coletes e camisas de força, retirou grades de ferro das janelas e deu especial atenção à formação dos enfermeiros e ao cuidado com os registros administrativos e clínicos. Juliano atuou, ainda, na organização da “Assistência aos Alienados”, mais tarde “Serviço Nacional de Assistência aos Psicopatas”, tendo insistido junto ao governo para a aprovação da legislação federal de assistência aos alienados, promulgada em 22/12/ 1903. Em 1911, obteve do governo a criação da nova colônia, destinada a mulheres, em Engenho de Dentro.

Sua extensa obra escrita abrangeu áreas diversas como sifiligrafia, dermatologia, infectologia e anatomia patológica. Posteriormente, dedicou-se cada vez mais às doenças nervosas e mentais. Interessou-se pela psicanálise e, tendo domínio do alemão, conhecia as obras de Freud e tinha uma avaliação crítica delas. Em 1912 escreveu um artigo sobre as origens da ciência no Brasil. (Figura 3)


Figura 3. Artigo de Juliano Moreira escreveu sobre as origens da ciência no Brasil
(Reprodução)

 

Juliano Moreira, ao longo de toda sua vida, participou de inúmeros congressos médicos, representou muitas vezes o Brasil no exterior e recebeu diversas honrarias. O IV Congresso Internacional de Assistência aos Alienados, reunido em Berlim, em 1901, elegeu-o, apesar de ausente, seu Presidente Honorário. Fez uma viagem de quatro meses ao Japão, em 1928, na qual fez conferências nas principais universidades e foi muito homenageado. (Figura 4)


Figura 4: Obra de Juliano Moreira sobre sua viagem ao Japão
(Reprodução)

 

O Imperador do Japão conferiu-lhe a Ordem do Tesouro Sagrado. Foi membro de sociedades médicas e científicas de muitos países e participou da criação de periódicos como os Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal (1905) e os Arquivos Brasileiros de Medicina (1911).  Foi Presidente perpétuo da Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal, Vice-Presidente da Academia Nacional de Medicina, e presidiu, de 1926 a 1929, a ABC, na qual recepcionou Einstein e Marie Curie. (Figura 5) Ajudou na formação de muitos professores, clínicos, psiquiatras, administradores, … , que sempre destacaram a sua tolerância, dedicação e sabedoria. Um semeador que soube semear.


Figura 5. Juliano Moreira presidiu a Academia Brasileira de Ciências (ABC) de 1926 a 1929
(Reprodução)

 

Depois que se aposentou passou a residir no Hotel dos Estrangeiros, no Flamengo; com dificuldades financeiras para sobreviver, já que tinha poucas posses, foi ajudado por amigos. Juliano Moreira foi casado com a enfermeira alemã, Augusta Peick Moreira, e não tiveram filhos. Morreu, no dia 2 de maio de 1932, em Petrópolis (Sanatório de Correias), para onde se transferira para tratamento da tuberculose. Mestre da razão e sábio, Juliano Moreira foi um grande homem de ação e uma das personalidades mais marcantes da ciência no Brasil. Foi homenageado, neste ano do Bicentenário da Independência, na exposição “Faces da Ciência no Brasil” colocada no Congresso Nacional. (Figura 6)

Figura 6. Homenagem a Juliano Moreira na exposição “Faces da Ciência no Brasil”
(Reprodução)
Ildeu de Castro Moreira

Ildeu de Castro Moreira

Ildeu de Castro Moreira é professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Recebeu o Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica do CNPq em 2013. É presidente de honra da SBPC, membro do Conselho Editorial de Ciência & Cultura.
Ildeu de Castro Moreira é professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Recebeu o Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica do CNPq em 2013. É presidente de honra da SBPC, membro do Conselho Editorial de Ciência & Cultura.
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