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Mudanças climáticas: caminhos para o Brasil

A construção de uma sociedade minimamente sustentável requer esforços da comunidade com colaboração entre a ciência e os formuladores de políticas públicas

 

Introdução

As mudanças climáticas constituem um dos maiores desafios da humanidade. É urgente entendermos como os ecossistemas brasileiros, a economia, a infraestrutura, as cadeias produtivas, a biodiversidade, a saúde, entre outros aspectos, estão sendo afetados por elas. O Brasil é o sétimo maior emissor de gases de efeito estufa (GEE) do planeta, e o quarto em emissões per capita. Historicamente, desde a revolução industrial, o Brasil é o sexto maior emissor global de GEE, o que faz de nosso país um dos maiores responsáveis pela crise climática. O Brasil tem vantagens estratégicas enormes, como a possibilidade de reduzir fortemente as emissões de gases de efeito estufa, com ganhos importantes para a sociedade. Temos um potencial de geração de energia solar e eólica que nenhum outro país possui. Mas também temos vulnerabilidades, como um agronegócio dependente do clima e a geração de hidroeletricidade dependente da chuva. Ainda, temos também 8.500 km de áreas costeiras sensíveis ao aumento do nível do mar, e áreas urbanas vulneráveis a eventos climáticos extremos. Precisamos construir uma socioeconomia mais justa e com menos desigualdades, com clima e meio ambiente integrados de modo sustentável às nossas atividades socioeconômicas.

A ciência não tem dúvidas quanto ao fato de que as mudanças climáticas estão gerando impactos significativos para o Brasil e para o planeta como um todo.[1] Seja com o aumento gradual de temperatura, ou de eventos climáticos extremos, como secas e inundações, a mudança climática já está conosco o tempo todo e agora trazem impactos importantes em nosso sistema socioeconômico. As perspectivas que a ciência coloca para nossa sociedade é de que podemos ter um aquecimento planetário médio da ordem de 3 oC a 4 oC até 2100. Em áreas continentais, a estimativa é de um aquecimento de 4 a 5 oC.[1] Isso poderá comprometer o funcionamento de muitos ecossistemas, bem como o nosso próprio sistema produtivo e infraestrutura, inclusive com dificuldades importantes para alimentar 10 bilhões de pessoas em 2050 em um clima menos favorável. É urgente entender claramente como os ecossistemas brasileiros, a economia, a infraestrutura, as cadeias produtivas, a biodiversidade, a saúde, entre outros aspectos, estão sendo afetados.

Aumentar a resiliência socioambiental é muito importante. Para além do potencial impacto nos ecossistemas, com boa vontade e governança colaborativa, as mudanças climáticas podem ser vistas como uma oportunidade para transformações socioeconômicas significativas e para agilizar o desenvolvimento tecnológico em diversos setores, incluindo indústria, agronegócio, sistemas de energia, transportes, etc., buscando a transição para uma sociedade mais sustentável.

O Brasil está em condições de ser competitivo em uma economia de baixo carbono, desde que explore as possibilidades de transformar sua matriz energética com o uso de energias renováveis, eliminando o desmatamento e reduzindo as emissões de gases de efeito estufa (GEE) provenientes do setor agropecuário. Também é necessário estimular, ao mesmo tempo, medidas como a restauração ecológica e a conservação da biodiversidade em todos os biomas brasileiros. Isso pode ser alcançado sem comprometer o crescimento econômico e promovendo a redução da desigualdade social, devido a algumas vantagens estratégicas que temos no nosso país.

O Brasil mostra vulnerabilidades importantes nas áreas ambiental e climática.[2] O observado aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos tem impactado sobremaneira nossa população, a economia, o funcionamento dos ecossistemas, a produção agrícola, a infraestrutura costeira, a disponibilidade de recursos hídricos, entre muitos outros efeitos. Particularmente nas cidades costeiras, a alta densidade populacional, deficiências infraestruturais, altos níveis de poluição, degradação de rios e áreas úmidas, combinados com os efeitos negativos das mudanças climáticas, como elevação do nível do mar e ocorrência de eventos extremos, ameaçam importantes atividades socioeconômicas dependentes dos oceanos, como turismo, pesca e comércio internacional.

Outras vulnerabilidades importantes são um agronegócio e a geração de hidroeletricidade dependentes de chuva e clima, e algumas regiões, principalmente o Nordeste, em processo de desertificação. As previsões de redução nas precipitações sobre o território brasileiro, particularmente no Nordeste, Brasil central e Amazônia, devem ser motivos de preocupação sobre como poderemos nos adaptar ao novo clima.

 

Interações entre as mudanças climáticas e os impactos socioeconômicos

Segundo o Intergovernamental Panel on Climate Change (IPCC), as emissões globais de gases de efeito estufa devem cair pelo menos 7% ao ano, entre 2021 e 2030, e zerar as emissões em 2050, para afastar a chance de colapso climático, estabilizando o aquecimento global em 1,5 oC. Entretanto, as emissões, ao longo dos últimos anos, estão, na verdade, aumentando globalmente cerca de 2% a 4% ao ano. As mudanças climáticas interagem com múltiplos estressores sociais e ambientais, intensificando seus impactos sociais e econômicos.

Populações vulneráveis vivendo em encostas, que podem perder a vida em uma única chuva forte, são apenas um dos muitos exemplos. O agricultor que tem sua pequena propriedade familiar e é obrigado a abandonar as poucas cabeças de gado e a roça devido a uma seca prolongada também corre o risco de ser afetado. Muitas dessas dimensões das mudanças climáticas e suas interações sociais precisam ser mais bem compreendidas por meio de uma estreita colaboração entre diversas áreas de pesquisa na academia e de múltiplos atores sociais, incluindo lideranças políticas, organizações não governamentais, grupos sociais, comunidades e minorias.

Os três relatórios mais recentes do IPCC, lançados em 2021 e 2022, mostram o quanto o Brasil, particularmente, é vulnerável às mudanças climáticas. O aquecimento médio observado no país, nas últimas décadas, é significativamente maior do que o aquecimento médio do planeta, pois as áreas continentais se aquecem mais do que as áreas oceânicas, que estão incluídas na média mundial. Nos últimos vinte anos, extremos climáticos registrados em todas as regiões brasileiras enfatizaram a necessidade de soluções para minimizar os problemas socioeconômicos decorrentes de secas fortes e frequentes e inundações em grandes áreas, inclusive áreas urbanas.

O nosso modelo econômico, baseado no agronegócio, também é particularmente vulnerável a alterações nos padrões pluviométricos e nos padrões e aumento dos extremos climáticos. Quanto e quando chove é fundamental para a produtividade agrícola, podendo trazer insegurança alimentar e instabilidade econômica para a população brasileira. Vale ressaltar que nosso país também apresenta insegurança energética dada a vulnerabilidade da geração de energia hidrelétrica aos padrões de chuva. Observamos que a seca no Brasil central em 2021 afetou o custo da eletricidade, pois várias termelétricas foram ativadas e estas geram eletricidade com custo mais alto que as hidroelétricas. O Brasil tem 8.500 km de áreas costeiras, incluindo várias grandes cidades, tornando-o vulnerável à elevação do nível do mar e à acidificação marinha, que afetam a economia baseada em recursos pesqueiros.

É fundamental ajudar o país a desenvolver estratégias baseadas na ciência para que o Brasil possa cumprir suas obrigações internacionais (como as Contribuições Nacionalmente Determinadas – NDC) associadas ao Acordo de Paris e à Agenda 2030. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), ilustrados na Figura 1, fornecem um arcabouço de como nossa sociedade pode se tornar mais sustentável, e ao mesmo tempo, mais justa e resiliente. A ação contra a mudança do clima é o ODS 13, mas muitos dos demais ODS são impossíveis de serem cumpridos sem um clima estável e previsível, além de dependerem de um sistema econômico mais justo que respeite os limites propiciados pelos recursos naturais finitos, e que considere a questão da justiça climática.


Figura 1. O Brasil é um dos signatários da Agenda 2030, que estruturou os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, que são a peça central da construção de uma nova sociedade, mais sustentável, justa e resiliente. A implementação de medidas econômicas, sociais e ambientais para que nossa sociedade possa atingir os 17 ODS deve ser uma prioridade nesta década.
(ONU. Reprodução)

 

Os compromissos brasileiros na agenda climática

Em 2016, o Brasil ratificou o Acordo de Paris, comprometendo-se a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025, e 43% até 2030, em comparação com emissões verificadas em 2005, e eliminar o desmatamento ilegal da Amazônia. O país também se comprometeu a aumentar a participação da bioenergia na sua matriz energética para 18% até 2030, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas, bem como alcançar uma participação de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030, além de uma redução em 10% do consumo de eletricidade (105 TWh em 2030).

Tornar-se neutro em emissões de carbono em 2050 também é um dos nossos compromissos, assim como recuperar uma área de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas por meio do manejo adequado e adubação. São metas que exigirão esforços consideráveis da ciência e da sociedade brasileira. Na COP-26, em Glasgow, em 2021, o Brasil adicionalmente se comprometeu a reduzir suas emissões de metano em 30% até 2030, e eliminar o desmatamento da Amazônia até 2030.

Importante salientar que esses compromissos da agenda climática vão na direção de alcançarmos os 17 ODS e trabalhar na direção da preservação de nossa biodiversidade. Eles são essenciais na construção de um novo Brasil, mais sustentável e justo. Todos os ODS podem atingidos, mas precisamos da governança necessária para implementar essas medidas. Em particular, voltarmos a ter órgãos fiscalizadores efetivos, e uma maior regulação do sistema fundiário e das atividades agropecuárias.

 

Integrando a proteção da biodiversidade à mitigação das mudanças climáticas

Estamos em plena era do Antropoceno, na qual o homem é um dos principais agentes transformadores. O crescimento da população humana mundial, que poderá alcançar entre 9 e 10 bilhões de pessoas em 2050, nos coloca frente a um dos maiores desafios do século XXI: manter a provisão da qualidade ambiental e possibilitar acesso justo a recursos básicos, como água, alimentos e energia, garantindo a segurança e equidade em um cenário de mudanças climáticas e desigualdades sociais. Esta questão é bem trabalhada no último relatório do Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES),[5] que coloca o colapso dos serviços ecossistêmicos na agenda ambiental.

 

“O observado aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos tem impactado sobremaneira nossa população, a economia, o funcionamento dos ecossistemas, a produção agrícola, a infraestrutura costeira, a disponibilidade de recursos hídricos, entre muitos outros efeitos.”

 

Os serviços ecossistêmicos englobam todos os materiais que consumimos providos pelos ecossistemas, sejam alimentos (frutos, raízes, animais, mel, vegetais), matérias-primas para construção e combustível (madeira, biomassa, óleos de plantas), água potável (qualidade e quantidade) e recursos genéticos, entre outros. A resiliência dos ecossistemas e sua capacidade de reagir a mudanças estão sujeitos, em grande parte, à sua biodiversidade.

As alterações observadas na temperatura e na chuva já estão impactando o funcionamento dos ecossistemas em praticamente todas as regiões do nosso planeta. Mudanças climáticas podem, por exemplo, levar a desencontros entre a época da floração e a atividade dos polinizadores, afetando a produtividade de culturas e de ecossistemas naturais, com consequências ainda imprevistas para a manutenção da biodiversidade e da produção de alimentos. Também perturbam os padrões ecossistêmicos da fotossíntese e da produtividade, podendo modificar os ciclos hidrológicos e a dinâmica do ciclo do carbono.

Os efeitos sinérgicos da mudança do uso da terra, incluindo a fragmentação e redução de vegetação nativa e mudanças do clima, podem aumentar a ação de pragas, reduzindo os polinizadores e exigindo medidas de mitigação ou adaptação para garantir a produtividade de muitas culturas alimentares no Brasil e ao redor do mundo. A vulnerabilidade da nossa biota e ecossistemas aumenta significativamente e, consequentemente, reduz a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos associados, vitais para nosso país.

Na Amazônia, o aumento da produção de biomassa, aceleração do ciclo de vida das árvores, alterações na distribuição e abundância de espécies estão entre as mudanças relacionadas ao efeito fisiológico da elevação de CO₂ atmosférico, também influenciadas pela disponibilidade de nutrientes nos solos, em particular o fósforo. Em nossa vasta plataforma continental oceânica, nosso conhecimento é ainda mais restrito em decorrência da falta de programas de monitoramento, e das especificidades dos estudos nesse ambiente. No ambiente marinho, o aquecimento da água tem promovido a migração de espécies e estoques pesqueiros para maiores latitudes.

Para melhorar a detecção e atribuição dos efeitos das mudanças climáticas na biodiversidade e ecossistemas brasileiros, é fundamental melhorar nosso entendimento dos serviços ecossistêmicos relacionados, e analisar possíveis respostas a cenários futuros de aquecimento, prevendo e sugerindo medidas de mitigação e adaptação e procedimentos de remediação.

 

Os desafios brasileiros em setores chaves nesta transformação

O Brasil tem um perfil de emissão de GEE muito peculiar e diferente da maior parte dos países desenvolvidos. O Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG) mostra que os setores que mais emitiram GEE são: mudança de uso do solo (46%), agropecuária (27%), energia (18%), processos industriais (5%) e resíduos (4%). O setor de transporte está incluído na componente de energia. Na maior parte dos países, as emissões são dominadas pela queima de combustíveis fósseis para geração de eletricidade e no setor de transporte. O total das emissões brasileiras atingiu em 2021 cerca de 2,16 bilhões de toneladas de CO₂ equivalentes. A Figura 2 apresenta a série histórica das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, de 1990 a 2021, por cada setor econômico. Nota-se que desde 2011, temos emissões crescentes, apesar do compromisso brasileiro de reduzir emissões de gases de efeito estufa.


Figura 2. Série histórica das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, de 1990 a 2021, por cada setor econômico.
(Reprodução)

 

A questão energética

Na escala planetária, cerca de 75% das emissões globais de GEE estão associados à produção de energia e ao setor de transporte. Os desafios científicos e tecnológicos para reduzir emissões e manter o aquecimento global máximo em 2 oC, como estabelecido pelos países signatários do Acordo de Paris, implicam grandes transformações globais na produção e uso de energia, em particular nos setores de geração de eletricidade por termelétricas e em transportes. O Brasil tem importantes vantagens estratégicas na área energética, pois uma parcela significativa de nossa matriz energética vem de fontes renováveis, como a hidroeletricidade e biocombustíveis, e possuímos grande potencial de utilização das energias eólica (onshore e offshore) e solar. Entretanto, as emissões de GEE do setor energético brasileiro dobraram de 1990 a 2019, devido ao aumento da queima de combustíveis fósseis, para geração por termelétricas.

Incorporar o potencial de redução de emissões ao atual sistema energético nacional requer desenvolvimento de novos modelos de geração, distribuição e tarifação de energia, e incentivos para que o uso de energia renovável seja ampliado, em especial para a geração eólica e solar. Novas oportunidades de criação de empregos, novos negócios e novas cadeias de suprimento com novas tecnologias poderão surgir. Ao mesmo tempo e na direção oposta, há interesse crescente na incorporação de novas parcelas de combustíveis fósseis, especialmente de gás natural e petróleo oriundos da exploração do pré-sal.

 

“As consequências do descaso com a infraestrutura associada à cobertura vegetal e recursos hídricos, que modulam o clima urbano, tendem a agravar episódios recorrentes de inundações e alagamentos severos, ondas de calor e baixa qualidade do ar, trazendo sérios danos à qualidade de vida e bem-estar dos indivíduos.”

 

A aparente contradição entre a evolução para as energias renováveis e a exploração do pré-sal pode ser resolvida por meio de estratégias de utilização do gás natural como um combustível de transição, possibilitando a inserção gradativa de grandes blocos de energia intermitente. São necessários esforços para melhor compreensão dos impactos de mudanças em tecnologias e políticas energéticas no que se refere à maior resiliência da economia brasileira e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões de GEE da geração elétrica.

 

Mudanças de uso do solo e agropecuária

A questão do desmatamento da Amazônia e sua ligação com a expansão da agropecuária são questões centrais para o Brasil. Depreende-se da análise dos dados do SEEG que a atividade rural ainda responde pela imensa maioria das emissões do Brasil. Quando se soma o total emitido por mudança de uso da terra e as emissões totais da agropecuária, a maioria delas do rebanho bovino, conclui-se que 73% das emissões nacionais estão diretas ou indiretamente ligadas à produção rural e ao desmatamento da Amazônia. A Figura 3 apresenta as taxas anuais de desmatamento da floresta amazônica, produzidas pelo sistema de monitoramento Programa de Desmatamento (Prodes) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).


Figura 3. Taxas anuais de desmatamento da floresta amazônica, produzidas pelo sistema de monitoramento PRODES do INPE.
(Reprodução)

 

O Brasil, com um forte agronegócio e taxas altas de desmatamento da Amazônia e Cerrado, está no centro da questão de redução do desmatamento. Por outro lado, o das vulnerabilidades, o clima é um fator significativo na produtividade agrícola, e um dos setores que podem ser muito impactados é exatamente a produção agrícola e a pecuária. Temos um potencial de perdas de produtividade agrícola devido às alterações no regime de chuvas e aumento de temperatura.

As implicações para o manejo e renda de propriedades agrícolas dependem de combinações de adaptações incrementais (agricultura de precisão, sensoriamento remoto, etc.), adaptação sistêmica (conservação de solo e água, diversidade genética, etc.) e adaptações transformativas (sistemas agrícolas complexos, agroecologia, agroflorestal, etc.). Em todos os casos, efeitos benéficos ou deletérios podem existir, o que requer estudos comparativos em várias escalas. Um dos desafios é desenvolver uma agricultura mais eficiente e resiliente, reduzindo drasticamente novas expansões sobre áreas de vegetação nativa, como a Amazônia e o Cerrado, e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões.

Ações para a redução das emissões do óxido nitroso (N₂O) e metano (CH₄) no setor agropecuário constituem uma questão primordial. A Embrapa está liderando um grande projeto de desenvolvimento de agricultura de baixo carbono, o chamado programa ABC, que inclui ampliar a utilização do Sistema Plantio Direto (SPD) em 8 milhões de hectares, e aumentar a adoção de sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF) e de Sistemas Agroflorestais (SAFs) em 4 milhões de hectares.

O trabalho nessa área deve contemplar pesquisas interdisciplinares, ressaltando os aspectos da busca integrada do equilíbrio em relação à produção agropecuária e conservação ambiental. Por exemplo, para os pequenos produtores, esses impactos das mudanças climáticas podem representar uma questão de sobrevivência, enquanto para os grandes produtores os impactos se reverterão em perdas econômicas que reverberam pelo sistema socioeconômico do país. Essas duas situações demandam olhares diferentes de pesquisa/investigação. O sistema MapBiomas de mapeamento da cobertura do solo de nosso país é um excelente exemplo de esforços em tornar transparente e com fácil acesso à sociedade o impacto das mudanças do uso do solo para todo o território nacional.

 

“O desmatamento na Amazônia não derruba somente árvores, ele também destrói a biodiversidade, desorganiza o regime de chuvas, desequilibra o microclima local e o clima global, aprofunda as desigualdades sociais, agrava a violência e não gera prosperidade, como se vê pelos indicadores socioeconômicos da região, inferiores aos do restante do Brasil.”

 

O Brasil precisa manter a alta produtividade agrícola em um clima em rápida mudança, e esta tarefa não será fácil. Isso inclui avaliação da resiliência, da plasticidade e da capacidade de coexistência entre ecossistemas nativos e de sistemas de produção agropecuários e florestais. As pesquisas devem buscar: 1) Novas tecnologias (incluindo melhoramento genético), aprimorando a agricultura, considerando as dinâmicas relacionadas ao contínuo água-solo-atmosfera, incluindo resiliência das zonas críticas; 2) Desenvolvimento de sistemas avançados de apoio à tomada de decisão, incluindo modelagem numérica de tempo, clima e ambiental, plataformas avançadas de informação, e integração da modelagem biofísica aos modelos socioeconômicos; 3) Métodos avançados de implementação de novas tecnologias visando o incremento da produtividade agropecuária com melhores práticas de manejo do solo e da produção, e agricultura de baixo carbono; 4) Analisar a evolução dos padrões de uso do solo, incluindo padrões de desmatamento e verificação do cumprimento das NDC do Acordo de Paris; 5) Pesquisas sobre os impactos na agricultura, incluindo perspectivas em paisagens multifuncionais, voltadas a soluções sustentáveis ao setor produção agropecuária.

 

Impactos das mudanças climáticas na saúde

O Brasil apresenta uma complexa heterogeneidade nas suas regiões, com variada distribuição espacial e temporal de determinadas doenças e grande diversidade social, cultural, ecológica e climática que impactam na resiliência individual e coletiva das populações expostas às mudanças climáticas. Os impactos na saúde resultantes das alterações climáticas globais dependerão do estado geral de saúde das populações expostas que, por sua vez, dependem de condições dos determinantes sociais da saúde, como a cobertura de saúde universal, a governança socioambiental, políticas públicas e os rumos do modelo de desenvolvimento do país. O clima tropical e as alterações ecossistêmicas favorecem o desenvolvimento de patógenos.

Também caracteriza nosso país uma grande diversidade de animais silvestres que, por sua vez, hospedam múltiplos e diferentes microrganismos, muitos destes considerados agentes etiológicos de doenças, tanto para os animais quanto para o homem. Como parte do ciclo de transmissão de inúmeros parasitas, a saúde humana está intimamente ligada à saúde dos animais silvestres. As alterações ambientais, incluindo as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade, são fatores determinantes para a emergência de doenças oriundas de animais silvestres. Em geral, doenças infecciosas crescem em incidência com maiores temperaturas. Os ecossistemas preservados e em equilíbrio têm um papel importante para a dinâmica e controle de doenças zoonóticas e infecções transmitidas por vetores.

Cerca de 60% das doenças infecciosas circulam entre animais e humanos (zoonoses) e estima-se que 72% dessas sejam causadas por patógenos com origem na vida silvestre. É de amplo conhecimento que a diversidade de vírus (incluindo coronavírus), bactérias e outros agentes patógenos segue o mesmo padrão espacial da diversidade de plantas e animais, fazendo do Brasil o maior repositório desses seres vivos.

As mudanças ambientais globais têm consequências diretas para o avanço dos patógenos que geram impactos tanto para a saúde pública quanto para a conservação de fauna. Dentre eles, podem ser apontados os agentes etiológicos da malária, febre-amarela, tuberculose, toxoplasmose, leptospirose, febres hemorrágicas, raiva, brucelose, doença de Chagas, das doenças causadas pelos vírus oropouche, Mayaro, ebola, e os coronavírus SARS-CoV-2 dentre tantos outros. As doenças arbovirais, como dengue, zika, chikungunya e febre-amarela, são as principais ameaças das mudanças globais à saúde pública.

 

“No contexto das mudanças climáticas, esforços de adaptação podem gerar vários benefícios adicionais, como melhoria da produtividade agrícola, inovação, saúde e bem-estar, segurança alimentar, conservação da biodiversidade, bem como redução de riscos e danos.”

 

São também observados impactos de fungos, com micoses descritas em climas tropicais passando a ocorrer em climas temperados. Há também o impacto do calor na maior proliferação e crescimento de larvas de insetos vetores de doenças virais que causam febres hemorrágicas. A maior temperatura favorece o desenvolvimento de fungos que afetam tanto a saúde quanto a segurança alimentar, no armazenamento e transporte de alimentos. Esses agentes patogênicos, entre outros, provocam impactos importantes na saúde e socioeconomia.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estruturou o conceito “One World, One Health”, que integra políticas de saúde humana, animal e ambiental. Tem o objetivo de ampliar a visão e as ações para o enfrentamento dos desafios da prevenção de epidemias e epizootias e manutenção da integridade ecossistêmica em benefício humano e da biodiversidade que os suportam. A pandemia de covid-19 causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 mostrou a relevância dessa abordagem.

 

A questão urbana e as mudanças climáticas

Cerca de 84% de nossa população vive em áreas urbanas em 2022. Muitas de nossas cidades concentram áreas altamente suscetíveis aos impactos mais severos das alterações climáticas, como elevação do nível médio do mar (em cidades costeiras) e eventos extremos de precipitação (inundações) e intensificação do aumento da temperatura pela ilha de calor urbana. Episódios recentes relacionados a esses eventos evidenciam que as alterações na distribuição, intensidade e frequência geográfica dos riscos relacionados às condições meteorológicas ameaçam exceder as capacidades das cidades brasileiras de absorverem perdas e recuperarem-se dos impactos.

Esses impactos tendem a exacerbar os riscos comumente existentes nas cidades brasileiras, bem como as inadequações nas capacidades dos governos locais para tratarem da infraestrutura inadequada e no oferecimento de serviços básicos necessários, agravando as condições de vulnerabilidade de determinados grupos sociais e comunidades. Assim, as estratégias de mitigação e adaptação nos centros urbanos devem considerar aspectos como habitabilidade, conforto térmico, saúde, mobilidade, planejamento urbano, transportes, acesso à água e energia, entre outros aspectos.

Nas áreas urbanas, o uso do solo e as emissões antropogênicas de gases e partículas alteram o clima local. Esse entendimento é ainda mais crítico considerando o crescimento rápido dos assentamentos urbanos e o próprio processo de urbanização desordenada que caracteriza, em geral, a maioria das cidades brasileiras. Ainda que apresentem suas especificidades, em comum os municípios são marcados por uma legislação urbanística ainda muito descolada das dinâmicas urbanas e da produção do espaço urbano, e pela desarticulação de políticas setoriais, como as relacionadas à preservação e qualidade ambiental e habitação, o que dificulta a qualificação integrada do espaço urbano, tornando o processo de atualização e/ou adaptação complexo e lento.

A segregação socioespacial também é outra característica marcante, sobretudo nos grandes centros urbanos. Somam-se a esses problemas os episódios de alagamentos e efeitos da ilha de calor, ambos associados à redução das áreas verdes e à expansão histórica das áreas urbanizadas, agravados nas últimas décadas pelas mudanças do clima, tornando esses eventos cada vez mais frequentes.

As consequências do descaso com a infraestrutura associada à cobertura vegetal e recursos hídricos, que modulam o clima urbano, tendem a agravar episódios recorrentes de inundações e alagamentos severos, ondas de calor e baixa qualidade do ar, trazendo sérios danos à qualidade de vida e bem-estar dos indivíduos. O número de pessoas vulneráveis às consequências das ondas de calor e chuvas extremas aumentou significativamente no Brasil.

A poluição do ar nas grandes cidades pela frota veicular e emissões industriais trazem impactos negativos na saúde da população. A redução de emissões de gases de efeito estufa também reduziria os níveis de poluentes atmosféricos em áreas urbanas em efeito sinérgico com o aquecimento global. São necessárias, assim, mudanças profundas na mobilidade urbana, como viagens intermodais, corredores de ônibus de baixas emissões, sistemas de transportes de massa extensos, eletrificação da frota veicular, compartilhamento de veículos, entre outras propostas.

 

A questão amazônica é crucial para nosso país.

A Amazônia é um ecossistema crítico para a manutenção do clima global e regional, em especial na questão do ciclo do carbono, ciclo hidrológico e manutenção da biodiversidade. O desmatamento na Amazônia não derruba somente árvores, ele também destrói a biodiversidade, desorganiza o regime de chuvas, desequilibra o microclima local e o clima global, aprofunda as desigualdades sociais, agrava a violência e não gera prosperidade, como se vê pelos indicadores socioeconômicos da região, inferiores aos do restante do Brasil. As ações associadas ao desmatamento vão em direção oposta à implementação dos ODS da ONU, dos quais o Brasil é um dos signatários. Por uma série de razões, a Amazônia é uma região estratégica para o planeta e para o Brasil. [3, 4] Contempla a maior floresta tropical do mundo, com uma área aproximada de 6,7 milhões de km2, dos quais 5,5 milhões de km2 estão em território brasileiro; sua bacia hidrográfica é o maior sistema fluvial do planeta, e a floresta está distribuída entre nove países (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela). A Amazônia também hospeda uma gigantesca e complexa biodiversidade. Desenha papel fundamental na provisão de produtos e serviços ambientais, no ciclo do carbono e na regulação do clima. É o maior reservatório de carbono em regiões continentais, contendo cerca de 120 bilhões de toneladas de carbono, ou o equivalente a 10 anos de toda a queima de combustíveis fósseis. Presta serviços ecossistêmicos essenciais para a sociedade e a economia brasileira. Tem uma vasta população tradicional e indígena, detentora de ativos de valores inestimáveis como conhecimento, línguas e cultura nos povos indígenas e comunidades tradicionais.

Apesar de sua importância, o ecossistema está sendo destruído rapidamente, devido ao desmatamento e ao impacto das mudanças climáticas no ecossistema.[9] O INPE, por meio do sistema de monitoramento do desmatamento amazônico, observou em 2021 a conversão de mais de 13.000 km2 de florestas. As emissões de dióxido de carbono e metano associadas ao desmatamento e queimadas evidenciam o processo destrutivo recente sobre a Amazônia, de acordo com relatório do SEEG de 2022. Como resultado desse processo, o ciclo hidrológico está sendo alterado em vastas áreas, com realimentações sobre o próprio ecossistema e sobre o clima de vastas regiões da América do Sul.

Por outro lado, algumas regiões da Amazônia tiveram aumento expressivo de temperatura (maior que 2,2 oC), redução da precipitação (cerca de 20%) e aumento dos fenômenos climáticos extremos como grandes secas e inundações. Como resultado, está sendo observado em vários estudos, uma degradação florestal pronunciada na floresta, com perda de carbono e biomassa.

É consenso, para a ciência, que a preservação da floresta é fundamental para a sustentabilidade do planeta. O bioma amazônico é rico em diversidade cultural, linguística, biológica e geológica, e investimentos em ciência, tecnologia e inovação, em pesquisas básicas e aplicadas são estratégicos para a sua compreensão e sua sustentabilidade. No entanto, apesar de ser caracterizada como a região que hospeda a maior biodiversidade natural do país, o seu desenvolvimento socioeconômico em torno de atividades relacionadas à floresta ainda não alcançou escala de projeção em todo o seu potencial. Há um gigantesco desafio no âmbito da regularização fundiária, e faltam planos concretos de crescimento econômico inclusivo e sustentável.

É necessária a formulação de uma estratégia de transição econômica sustentável através da sociobiodiversidade. Esta formulação envolve questões territoriais, ligadas a questões fundiárias no ambiente rural e urbano. É importante também desenvolver cadeias de valor e sociobiodiversidade que mudem as atuais práticas e modelos econômicos atuais para um novo conjunto de iniciativas econômicas, baseadas na floresta em pé. Esta nova economia deve ser estruturada na proteção e uso sustentável dos recursos naturais, rompendo com o atual modelo de desenvolvimento predatório.

Outro aspecto importante do desenvolvimento recente na Amazônia é a dominação de atividades criminosas, como invasão de terras indígenas, contrabando de madeira, ocupação ilegal de terras públicas, tráfico de drogas e outras atividades ilícitas. Certamente a implementação de um novo modelo econômico para a Amazônia terá que superar a criminalidade que impera hoje na região.

O desmatamento e a degradação da floresta, associadas a mudanças climáticas globais e, em especial, o aumento da frequência e intensidade de queimadas e da ocorrência de secas extremas, aproximam a Amazônia de um ponto de não-retorno. Ou seja, uma mudança abrupta nos estados e funcionamento da floresta, que terá impactos importantes sobre o clima do Brasil e do planeta. A ciência não conhece exatamente onde estão estes chamados “tipping points”, mas podemos já estar a meio caminho destes pontos de não retorno, e todo o cuidado é necessário.

O que a ciência destaca, em consonância com o conhecimento de povos originários da região, é que a conservação dos ambientes terrestres e aquáticos é que será o pilar do desenvolvimento humano e econômico sustentável da Amazônia. O objetivo é manter os processos de funcionamento do planeta, e ao mesmo tempo dar uma vida digna aos brasileiros que vivem na região amazônica. Temos clareza de que, se a floresta influencia processos ecológicos e econômicos além de suas fronteiras, as mudanças globais representam um risco crescente que atua em sinergia com as mudanças locais, acelerando a degradação e a perda de resiliência do ecossistema amazônico.

 

A adaptação do Brasil ao novo clima

A localização tropical, a estrutura socioeconômica fortemente dependente do regime de chuvas, as inadequações urbanísticas e enormes iniquidades sociais fazem do Brasil um país singular, ambientalmente falando. No contexto das mudanças climáticas, esforços de adaptação podem gerar vários benefícios adicionais, como melhoria da produtividade agrícola, inovação, saúde e bem-estar, segurança alimentar, conservação da biodiversidade, bem como redução de riscos e danos.

As ações de adaptação climática – compreendida como processos de ajustamentos para antecipar impactos adversos das mudanças climáticas que resultam na redução da vulnerabilidade – tendem a ser mais facilmente implementadas e organizadas quando buscam sinergias com políticas, recursos e outras medidas já existentes, incluindo ações visando à sustentabilidade, qualidade de vida e melhoria de infraestrutura.

O Brasil tem um plano de adaptação climática (PNA), lançado em 2016, que visa orientar iniciativas para gestão e redução dos riscos provenientes dos efeitos adversos das mudanças climáticas no médio e nos longos prazos, nas dimensões social, econômica e ambiental. Todavia, até o momento, um planejamento de longo prazo voltado à adaptação climática ainda não ganhou projeção no país como um todo.

Entre as razões para esse atraso estão a própria complexidade envolvida na adaptação, as limitações econômicas, institucionais e políticas e, em particular nas cidades, as relações de interdependência entre mudanças do clima, dinâmicas do planejamento urbano e questões políticas. Recentemente, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e o Inpe lançaram a plataforma Adapta Brasil, que sugere uma série de políticas públicas a serem implementadas.

Embora melhorias nos níveis de renda, educação, saúde e outros indicadores socioeconômicos sejam importantes para reduzir a vulnerabilidade às mudanças do clima em geral, considerando o conjunto de riscos específicos que as alterações climáticas representam em particular para as cidades (por exemplo, inundações, secas, aumento do nível do mar, ilhas de calor), há também uma necessidade urgente de considerar as capacidades específicas necessárias para superar e se recuperar desses estressores, incluindo, por exemplo, mapeamentos de áreas de risco, sistemas de alerta precoce e planejamento de enfrentamento a desastres naturais.

A falta de dados e informações úteis e utilizáveis, que possam ser mobilizados para subsidiar gestão, planejamento e governança, é frequentemente identificada como uma das principais barreiras para o avanço da adaptação às mudanças climáticas, traduzindo-se em paralisia e inação por parte dos tomadores de decisão. Nesse contexto, tão importante quanto a capacidade de produzir informação técnico-científica que seja facilmente convertida em estratégias, políticas e ações de adaptação, é promover maior envolvimento dos usuários da informação (os atores institucionais, por exemplo) na produção e circulação do conhecimento.

A produção e disponibilização desses dados, que incluam métricas robustas e possam ser atualizados periodicamente e que estejam conectados às especificidades da realidade brasileira, considerando um conjunto de variáveis que refletem na capacidade adaptativa, podem impulsionar ações e políticas públicas de adaptação.

Nesse cenário, as pesquisas também devem buscar compreender melhor as respostas sociais e individuais às mudanças climáticas, considerando que os governos, embora cumpram papel importante no planejamento efetivo de adaptação, não são capazes, sozinhos, de resolver a crise climática dada sua complexidade e multidimensionalidade. Ademais, é preciso entender que adaptação requer parcerias, alianças estratégicas e outras formas de colaboração entre diferentes setores e organizações. Pesquisas sobre as melhores estratégias de adaptação são essenciais, pois estas, em geral, envolvem soluções locais ou regionais.

 

Conclusões

Nosso país tem notáveis vantagens estratégicas para enfrentar estes desafios. Mas também tem vulnerabilidades importantes, pela sua vasta área costeira, vulnerável ao aumento do nível do mar, e pela sua localização tropical, fortemente afetada pelo aumento global de temperatura. As previsões de redução nas precipitações sobre o território brasileiro, particularmente no Nordeste, Brasil central e Amazônia, devem ser motivos de preocupação, pelos seus impactos nos ecossistemas e na socioeconomia.[6] Importante salientar que nossa economia baseada na produção agropecuária pode não ter a mesma produtividade em um cenário de redução de chuvas ao logo das próximas décadas. Nossas cidades não estão preparadas para o aumento dos eventos climáticos extremos, e a construção de áreas urbanas mais sustentáveis deve ser uma de nossas prioridades.

A construção de uma sociedade minimamente sustentável requererá grandes esforços da sociedade, em todos os setores, com forte colaboração entre a ciência e os formuladores de políticas públicas.[6, 7] Geração e consumo de energia, produção de alimentos, transportes, habitação, questões urbanas, funcionamento de ecossistemas são somente alguns destas questões que terão atenção. É evidente a necessidade da construção de uma nova rota de desenvolvimento, que poderá ser um grande processo de reconstrução de nossa sociedade, incluindo o sistema econômico global. Inúmeros relatórios internacionais apontam para a necessidade da construção deste novo modelo de desenvolvimento, já que este nosso atual modelo econômico é insustentável, mesmo a curto prazo.

Neste sentido, alguns tópicos requerem atenção especial: 1) aprimorar projeções sobre impacto econômico direto e indireto de diferentes cenários de mudanças climáticas em diferentes setores produtivos, incluindo impactos sociais de distintas estratégicas futuras de mitigação e adaptação; 2) ter uma maior compreensão da contribuição econômica da conservação da natureza e dos serviços ecossistêmicos visando minimizar impactos de mudanças climáticas para a sociedade; 3) criar oportunidades de inovações na economia da biodiversidade, estudando potenciais estratégias de bioeconomia sustentável; 4) desenvolver modelos de economia circular para diferentes setores econômicos, maximizando os benefícios à sociedade como um todo; 5) conhecer os impactos territoriais predatórios para orientar políticas de desenvolvimento que recupere áreas degradadas e avance na restauração ecológica de nossos biomas; 6) criar oportunidades e sinergias para alinhar medidas de mitigação e adaptação à redução da pobreza e desigualdades sociais; 7) trabalhar com o conceito de “justiça climática”, desenvolvendo estratégias que minimizem os impactos na população menos favorecida.

Em relação ao crítico papel da Amazônia nas questões relacionadas às mudanças climáticas, o recente relatório do Science Panel for Amazon [4] apresentou quatro recomendações-chave para tomadores de decisão para mudar a trajetória de desmatamento e degradação no bioma amazônico: (1) eliminar o desmatamento, degradação e incêndios na bacia até 2030; (2) restauração de ecossistemas aquáticos e terrestres; e (3) promoção de uma bioeconomia de “saudáveis florestas em pé e rios fluindo” baseada em ciência, tecnologia, inovação e conhecimentos indígenas e de comunidades locais. Equidade, ética e justiça moral são centrais na correção de rumos em um processo colaborativo de desenho de alternativas inovadoras e viáveis para a região amazônica. O panorama de violência, crimes ambientais, degradação e descaso do poder público que resultou no avanço acentuado do desmatamento e degradação nos últimos anos irá requerer um pacto nacional de reconstrução da governança socioambiental para a Amazônia.

Modelos econômicos de baixa emissão de carbono podem ser geradores de emprego, e podem reduzir as desigualdades sociais. As políticas de mitigação precisam considerar o efeito da geração de empregos, particularmente para pessoas menos qualificadas e mais vulneráveis. Analisar processos de fortalecimento territorial de comunidades organizadas na produção da biodiversidade em diversas escalas contribui para a mitigação. A questão da segurança alimentar em um clima em mudança também é chave nas dimensões sociais, e uma oportunidade para reduzir a fome, e adaptar nosso sistema agropecuário ao clima em mudança.

Importante também destacar o delineamento de estratégias para informar adequadamente a sociedade sobre as Mudanças Climáticas. A divulgação científica e ciência cidadã são estratégias efetivas e já reconhecidas, que devem ser incentivadas, implementadas e aperfeiçoadas. Divulgar e informar o público sobre o aquecimento global, definir, ilustrar, mostrar as tendências e padrões de dados, explicar os seus efeitos, discutir as informações imprecisas na mídia e divulgar os resultados das pesquisas são prerrogativas desta agenda. Nesta estratégia está o apoio necessário à educação ambiental em todos os níveis, desenvolvendo ferramentas de educação para a ciência e difusão do conhecimento.

Temos como tarefa auxiliar o país a desenvolver estratégias baseadas em ciência para que o Brasil cumpra suas obrigações internacionais (as National Determined Contribution – NDC) associadas ao Acordo de Paris. O auxílio na formulação de políticas públicas baseadas em ciência em todos os níveis (municipal, estadual, nacional e global) é tarefa fundamental. Estas atividades exigirão grande esforço científico da academia em parceria com os vários setores da sociedade. A adaptação às mudanças climáticas nas diversas regiões do nosso país também irá requerer o desenvolvimento de ciência olhando para as necessidades da sociedade. Os desafios envolvidos na redução do impacto das ações humanas no ambiente, alinhados à necessidade do desenvolvimento sustentável e redução de desigualdades sociais, passam pelo desenvolvimento de sólidos resultados científicos.

Considerando as questões científicas, de governança, finanças, e novas tecnologias poderemos construir um futuro mais resiliente, sustentável e justo, preservando os serviços ecossistêmicos através de estratégias adequadas de adaptação e mitigação de emissões.[8] Este processo está associado aos ODS, já que temos que atender às necessidades básicas da população (educação, saúde, igualdade de gênero, erradicação da pobreza, fome zero, água limpa e outros), e ao mesmo tempo respeitar os limites da disponibilidade dos recursos naturais de nosso planeta. Estas são somente algumas das importantes questões que o Brasil terá que enfrentar, e soluções baseadas em ciência sólida certamente têm mais chances de garantir uma trajetória sustentável a nosso país.

A partir de janeiro de 2023, esperamos que o Brasil implemente políticas que nos permitam alcançar os 17 ODS, reduzindo a pobreza, eliminando a fome e com isso construir uma sociedade sustentável, social e economicamente. Isso é possível, e temos todos os elementos para esta transformação do país. Não será feita rapidamente, mas o Brasil redirecionará seus grandes recursos humanos e naturais na construção de uma sociedade mais justa e sustentável.

 

Capa. Desmatamento e garimpo no Amazonas agrava mudanças climáticas, trazendo consequências negativas para todo o planeta
(Imagem: Ibama. Reprodução)

Referências
[1] IPCC AR6 WGI (2021). V. Masson-Delmotte, P. Zhai, A. Pirani, S. L. Connors, C. Péan, S. Berger, N. Caud, Y. Chen, L. Goldfarb, M. I. Gomis, M. Huang, K. Leitzell, E. Lonnoy, J. B. R. Matthews, T. K. Maycock, T. Waterfield, O. Yelekçi, R. Yu, & B. Zhou (Eds.), Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Cambridge University Press. Contribution of Working Group I to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/.
[2] Artaxo P., Hansson H. C., Machado L.A. T., Rizzo L. V. (2022a) Tropical forests are crucial in regulating the climate on Earth. PLOS Climate 1(8): e0000054. https://doi.org/10.1371/journal.pclm.0000054, 2022.
[3] Artaxo, P, Hansson, H-C, et al., 2022b. Tropical and Boreal Forest – Atmosphere Interactions: A Review. Tellus B: Chemical and Physical Meteorology, 74 (2022), 24–163. DOI: https://doi.org/10.16993/tellusb.34.
[4] SPA 2021 – SPA – The Amazon we Want. Science Panel for the Amazon. Executive Summary of the Amazon Assessment Report 2021 (48 p.). The Amazon we Want. United Nations Sustainable Development Solutions Network. DOI: 10.55161/RWSX6527, ISBN 9781734808001. https://www.theamazonwewant.org. 2021.
[5] IPBES 2019 – Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services – IPBES. (2019). Global assessment report of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services. IPBES. https://ipbes.net/ .
[6] Artaxo, P., As três emergências que nossa sociedade enfrenta: saúde, biodiversidade e mudanças climáticas. Estudos Avançados, vol. 34, número 100, Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo 2020. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.34100.005.
[7] Artaxo, P., Break down boundaries in climate research. World View Section, Nature 481, 239, 2012.
[8] Artaxo, P., Working together for Amazonia. Editorial Science Magazine, Vol. 363, Issue 6425, doi: 10.1126/science.aaw6986, January 2019.
[9] Davidson, E., de Araújo, A., Artaxo, P. et al. The Amazon basin in transition. Nature 481, 321–328 (2012). https://doi.org/10.1038/nature10717

ARTAXO, Paulo. Mudanças climáticas: caminhos para o Brasil: a construção de uma sociedade minimamente sustentável requer esforços da sociedade com colaboração entre a ciência e os formuladores de políticas públicas. Cienc. Cult. [online]. 2022, vol.74, n.4 [citado  2023-08-30], pp.01-14. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252022000400013&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 0009-6725.  http://dx.doi.org/10.5935/2317-6660.20220067.
Paulo Artaxo

Paulo Artaxo

Paulo Artaxo é professor do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). É membro titular da Academia Mundial de Ciências (TWAS), do INCT Mudanças Climáticas, do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e vice-presidente da SBPC. É coordenador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável da Universidade de São Paulo (CEAS-USP).
Paulo Artaxo é professor do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). É membro titular da Academia Mundial de Ciências (TWAS), do INCT Mudanças Climáticas, do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e vice-presidente da SBPC. É coordenador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável da Universidade de São Paulo (CEAS-USP).
1 comment
  1. Grato, mestre. Tenho te trabalhado na graduação e no mestrado em ciências ambientais. Tu e outros. Embora estudar o antropoceno esteja tirando mais e mais a minha fé na Humanidade [e seus controladores] Gracias, gracias

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