Introdução
No Brasil, quando se fala em produção do conhecimento, inevitavelmente é preciso falar do conjunto de suas instituições de educação superior (IES) e, principalmente, as que são públicas, pois elas são as principais responsáveis pelo desenvolvimento das atividades de ciência e tecnologia. Esse fato pode ser constatado examinando-se a relação existente entre os cursos de pós-graduação stricto sensu e as IES em que estão implantados. A existência de uma relação direta entre a pós-graduação stricto sensu e a produção do conhecimento é uma característica brasileira.
Ao discutir o financiamento público para a produção do conhecimento e analisar que caminhos seguir para o futuro do país, uma pergunta básica se apresenta imediatamente: que país se quer construir?
Examinaremos a resposta para essa pergunta considerando como verdadeira a premissa de que se quer a produção do conhecimento, contribuindo na construção de um país soberano, de estado democrático e de direito, que defenda a vida, os direitos sociais, uma educação da população com qualidade em todos os seus níveis, etapas e modalidades e que tenha como resultado final a diminuição da desigualdade social existente no Brasil.
Partindo, portanto, da veracidade dessa premissa, pode-se perguntar em seguida, que países já conseguiram atingir, pelo menos em parte, essas condições? Que informações poderiam ser analisadas nesses países para que o Brasil conseguisse também, ao longo do tempo, considerando as suas tradições e especificidades culturais, percorrer caminhos que considerassem os resultados dessas informações?
Elencaremos algumas características mínimas que seriam desejáveis analisar no Brasil, comparando-as com outros países, e que discutiremos neste estudo: anos de escolaridade da população; expectativa de vida ao nascer; valor da renda per capita; concentração de renda na sociedade; valores financeiros aplicados na educação; valores aplicados em ciência e tecnologia e como elevar os recursos financeiros do Fundo Público do Brasil.
Consideraremos neste estudo que diversos países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já conseguiram alcançar aspectos fundamentais das premissas básicas estabelecidas anteriormente e faremos comparações entre as informações do Brasil e dos países membros da OCDE.
“Ao discutir o financiamento público para a produção do conhecimento e analisar que caminhos seguir para o futuro do país, uma pergunta básica se apresenta imediatamente: que país se quer construir?”
O estudo está constituído dos seguintes itens: a relação entre a pós-graduação stricto sensu e as IES públicas brasileiras; índice de desenvolvimento humano (IDH): escolaridade, expectativa de vida, concentração de renda e produto interno bruto (PIB) per capita; desigualdade brasileira; recursos aplicados na educação; recursos aplicados em ciência e tecnologia; o fundo público do Brasil e os desafios brasileiros para a produção do conhecimento; e as considerações finais: como viabilizar os recursos financeiros para implementar mais condições para a produção do conhecimento no Brasil?
A relação entre a pós-graduação stricto sensu e as IES públicas brasileiras
No Brasil, historicamente as IES públicas e, em especial as Universidades Federais, instaladas em todos os estados da federação e no Distrito Federal (DF), possuem, além de colaborar na ampliação da qualificação de recursos humanos e das práticas pedagógicas para os diversos níveis, etapas e modalidades educacionais, a função de liderar a produção do conhecimento.
Esse perfil determinado historicamente pode ser visualizado examinando-se a Tabela 1, que mostra o quantitativo de cursos de pós-graduação stricto sensu (mestrado ou doutorado) existentes em cada uma das regiões brasileiras, nos âmbitos federal, estadual, municipal e privado. No âmbito federal, estão separados, na Tabela 2, os programas existentes nas Universidades Federais daqueles das outras instituições federais que ofertam pós-graduação stricto sensu (Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, Centros Federais de Educação Tecnológica, Escola Nacional de Ciências Estatísticas, Instituto Militar de Engenharia e Instituto Tecnológico da Aeronáutica).
Tabela 1. Número de cursos de mestrado ou doutorado nas regiões brasileiras nos âmbitos federal, estadual, municipal e privado – 2021
Fonte: Dados do Geocapes[1] e tabela estruturada para este estudo
Tabela 2. Número de cursos de mestrado ou doutorado no âmbito federal – 2021
Fonte: Dados do Geocapes[1] e tabela estruturada para este estudo
Verifica-se, portanto, que é o conjunto de Universidades Federais, instaladas em todos os estados brasileiros e DF, que promove em seus 4.208 cursos de mestrado ou doutorado procuram diminuir as assimetrias regionais.[1] Na Região Norte, as Universidades Federais são responsáveis por 85,2% dos cursos, na Região Nordeste, por 73,6%, na Região Sudeste, por 46,4%, na Região Sul, por 50,9% e na Região Centro-Oeste, por 77,8%. Ressalte-se que a única Região em que as Universidades Federais não ultrapassam os 50% é a Sudeste.
O IDH: escolaridade, expectativa de vida, concentração de renda e PIB per capita
A Organização das Nações Unidas (ONU) divulga regularmente relatórios em que são realizadas análises a respeito do desenvolvimento econômico e a qualidade de vida dos países.[2] Neste contexto é divulgado o IDH, que é um indicador que considera as seguintes informações em seu cálculo: os anos de escolaridade da população, com duas vertentes, expectativa de tempo de escolaridade e tempo médio de escolaridade da população; a expectativa de tempo de vida ao nascer; e a renda per capita. Na metodologia estabelecida o IDH varia de 0 a 1, e quanto mais próximo de 1, maior seria o nível de desenvolvimento econômico e a população teria maior qualidade de vida.
O Gráfico 1 apresenta o valor do IDH calculado em 2021 para o Brasil e os países membros da OCDE. O Gráfico 1 mostra ainda o valor médio dos países da OCDE.
Gráfico 1. O IDH do Brasil e dos países membros da OCDE – 2021
Fonte: Dados do Human Development Report 2021-2022[2] e gráfico elaborado para este estudo
Dentre todos os países listados, o Brasil possui o IDH com valor de 0,754, distante do valor 1. Na metodologia estabelecida, seria um país com uma das piores condições relativas à qualidade de vida da população e ao estágio de desenvolvimento econômico. Mesmo em relação ao valor médio dos países da OCDE, 0,904, o Brasil também se encontra distante, mesmo se considerando que a Colômbia e o México, países membros da OCDE, também possuem IDHs próximo ao brasileiro.
Registre-se que no período 1990-2019 o Brasil possuía uma trajetória de IDH crescente, saindo de 0,610 em 1990 e atingindo o valor de 0,766 em 2019. O Gráfico 2 mostra a evolução do IDH brasileiro de 1990 a 2021.
Gráfico 2. Evolução do IDH do Brasil de 1990 a 2021
Fonte: Dados do Human Development Report[3] e gráfico elaborado para este estudo
Nos anos de 2020 e 2021 houve uma diminuição do Índice, de 0,766, para 0,754, e uma grande parte desta redução pode ser creditada ao SARS-COV-2, que causou a pandemia de covid-19, pois uma queda de 2020 e 2021 também se verificou, de forma geral, nos países do mundo.[2]
Além dessa justificativa, há que se contextualizar as crises política e econômica no Brasil, que se intensificaram com a reeleição de Dilma Rousseff em 2014 e a abertura de processo de impeachment, que se concretizou em 2016, assumindo o vice-presidente Michel Temer, que voltou a implementar, com intensidade, as premissas do Consenso de Washington, atenuado no período dos dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e no período de Dilma Rousseff (2011- primeiro semestre de 2016). Foi um marco do governo Temer, nos primeiros momentos de sua atuação, a apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que se tornou a Emenda Constitucional N° 95 (EC 95), de 15 de dezembro de 2016,[4] que instituiu um Novo Regime Fiscal (NRF) que congelou por 20 anos as despesas primárias do Poder Executivo, englobando aquelas relacionadas aos pagamentos de água luz, limpeza, vigilância, material de consumo, construções, compra de equipamentos, pagamento de pessoal, etc., e não estabeleceu nenhum constrangimento aos pagamentos relacionados ao mercado financeiro, como os pagamentos de juros, encargos e amortizações da dívida pública. Dessa forma, esperava-se que os recursos aplicados nas áreas sociais fossem reduzidos no âmbito federal, pela enorme disputa que seria instalada entre os diversos organismos que compõem o Poder Executivo.[5] Como se verificou, setores não sociais, como a defesa nacional, tiveram elevação dos recursos, em contrapartida às reduções implementadas em setores sociais, como educação, saúde, cultura, etc.[6]
Na área educacional, estudos que discutiram as consequências futura da EC 95 já mostravam de forma inequívoca que o percentual mínimo dos impostos para Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) no âmbito federal cairiam dos 18% em 2017 para percentuais abaixo de 13% em 2036, ano em que terminaria a validade desta emenda constitucional.[7]
“As políticas e ações implementadas no Brasil, incluindo a produção do conhecimento, deveriam contribuir para diminuir a desigualdade.”
Em 2019 assumiu o poder em âmbito Federal um grupo, tendo à frente Jair Bolsonaro, de extrema-direita e que acreditava na existência de uma ideologia de esquerda “marxista” que teria dominado o Brasil desde a década de 1980.[8] Dessa forma, seria preciso implementar ações políticas que visassem alterar a situação estabelecida historicamente, mas com adesão à ideologia defendida pelas pessoas do grupo, principalmente em termos de uma agenda conservadora nos costumes e na acentuação da sociedade de livre mercado, numa perspectiva neoliberal.
É, portanto, sob esse cenário político, econômico e ideológico que se deve analisar os anos mais recentes, principalmente de 2015 a 2022, o que, juntamente com a pandemia, pode explicar a diminuição do IDH nos anos de 2020 e 2021.
Que caminho seguir para que o IDH do Brasil se eleve nos próximos anos? Podemos responder a essa pergunta analisando como estão os componentes do IDH brasileiro em relação aos dos países membros da OCDE.
A expectativa de tempo de escolaridade e o tempo médio de escolaridade do Brasil e da OCDE podem ser examinados nos Gráficos 3 e 4.
Gráfico 3. Expectativa de tempo de escolaridade, em anos, do Brasil e países membros da OCDE – 2021
Fonte: Dados do Human Development Report 2021-2022[2] e gráfico elaborado para este estudo
Gráfico 4. Tempo médio de escolaridade, em anos, do Brasil e países membros da OCDE – 2021
Fonte: Dados do Human Development Report 2021-2022[2] e gráfico elaborado para este estudo
Apesar da expectativa de tempo de escolaridade no Brasil ser de 15,6 anos, não muito distante da média da OCDE, de 17 anos, o tempo médio da escolaridade é muito menor, de apenas 8,1 anos – o menor dentre todos os países analisados, e também da média dos países da OCDE, que é de 12,3 anos. Há, portanto, que diminuir a distância brasileira entre a expectativa e a realidade, elevando concretamente o tempo de escolaridade das crianças e jovens brasileiras, promovendo ações que promovam a oferta, a permanência e o sucesso de formação das pessoas em idade educacional.
A expectativa de tempo de vida ao nascer para o Brasil e países da OCDE em 2021 pode ser examinado no Gráfico 5.
Gráfico 5. Expectativa de vida ao nascer no Brasil e países membros da OCDE – 2021
Fonte: Dados do Human Development Report 2021-2022[2] e gráfico elaborado para este estudo
Os menores valores para este indicador são os do México, Brasil e Colômbia: 70,2, 72,8 e 72,8, respectivamente. A média dos países da OCDE, incluindo o México e a Colômbia, é de 80,0 anos, sendo que a do Japão, maior deles, é de 84,8 anos.
Esse indicador está diretamente relacionado às condições de vida da população, no que concerne à saúde, saneamento, habitação, cultura, lazer, esporte, etc. Há, portanto, uma gama enorme de ações a serem realizadas para ser possível elevar, no Brasil, a expectativa de vida ao nascer. As funções orçamentárias associadas a esses setores tiveram seus valores decrescentes de 2014 a 2022 no âmbito federal, devido, dentre outros fatores, à EC 95 e às políticas e ações governamentais no período 2015-2022, considerando o cenário político, econômico e ideológico que se instalou nesse período no Brasil.[6]
O valor da renda per capita de um país, obtido ao se dividir o valor do PIB pelo número de habitantes do país, é um indicador da área econômica que propicia, em média, entender o tamanho da riqueza existente no país.
O Gráfico 6 mostra a renda per capita do Brasil e dos países membros da OCDE, em US$/PPC (nas comparações internacionais utilizaremos do US$/PPC – Dólar americano, Poder de Paridade de Compra (PPC), Purchasing Power Parities em inglês, para permitir as comparações entre diversos países).
Gráfico 6. A renda per capita do Brasil e dos países membros da OCDE (US$/PPC) – 2020
Fonte: Dados do Human Development Report 2021-2022[2] e gráfico elaborado para este estudo.
O valor médio da renda per capita dos países da OCDE é de US$/PPC 45.088,00, três vezes o valor da brasileira, que é de US$/PPC 14.370,00. Nota-se que a Colômbia e o México, países da OCDE, também possuem rendas per capita baixas: US$/PPC 14.384,00 e US$/PPC 17.896,00, respectivamente.
Esse é também um grande desafio para o Brasil, conseguir elevar o valor do seu PIB, considerando as dimensões de sua população, 217.240.060,[9] e as enormes desigualdades regionais existentes em seu território, diferentemente de muitos países membros da OCDE, como Suíça, Suécia, Dinamarca, Noruega e Portugal.
O IDH, apesar de fornecer um indicativo do desenvolvimento econômico e qualidade de vida existente, não consegue refletir a desigualdade existente no país, o que é possível examinar utilizando-se o Índice de Gini,[10] como veremos a seguir.
A análise do IDH e seus componentes nos permite concluir que o Brasil precisa encaminhar ações políticas e econômicas em diversos setores da sociedade, incluindo-se neste contexto a produção do conhecimento, que contribuam para elevar os anos de escolaridade da população, a expectativa de vida ao nascer e o valor de sua renda per capita.
A desigualdade brasileira
O Índice de Gini criado pelo matemático italiano Conrado Gini em 1912, é uma medida da concentração de renda num determinado grupo de pessoas.[10] Esse índice varia de 0 a 100, em que 0 significa igualdade total, ou seja, todas as pessoas do grupo possuem o mesmo valor, e 100 o extremo oposto, em que uma só pessoa concentra toda a riqueza do grupo. Quanto mais próximo de 100, portanto, significa maior desigualdade.
O Gráfico 7 mostra o Índice de Gini do Brasil e dos países membros da OCDE.
Gráfico 7. O Índice de Gini do Brasil e dos países membros da OCDE (2018-2020)*
Fonte: Dados do Human Development Report 2021-2022[2] e gráfico elaborado para este estudo.
* Os valores são os últimos disponíveis nos anos de 2018 a 2020.
O Brasil possuía, em 2020, um Índice de Gini de 48,9, elevado índice de desigualdade só menor que o da Colômbia, 54,2, que também é membro da OCDE. Em seguida estão México (45,4), Chile (44,9), Turquia (41,9) e EUA (41,5).
Chama a atenção o fato dos EUA possuírem um elevado IDH (0,904), uma grande renda per capita, US$/PPC 64.765,00, mas possuir uma alta desigualdade, de 41,5, superior à média da OCDE, que é de 33,0. Ou seja, apesar de ser um “país rico”, existe uma alta concentração de riqueza na sua população.
Essas informações nos permitem afirmar que as políticas e ações implementadas no Brasil, incluindo a produção do conhecimento, deveriam contribuir para diminuir a desigualdade, fato que ocorreu sistematicamente de 1993 a 2015, passando de 60,1 em 1993 para 51,9 em 2015, como mostra o Gráfico 8.
Gráfico 8. O Índice de Gini do Brasil 1993-2020
Fonte: Dados do World Development Indicators[11] e gráfico elaborado para este estudo.
Nos anos 2016 a 2019, o Índice de Gini voltou a se elevar, atingindo em 2018 o valor de 53,9. A diminuição da desigualdade em 2020, para 48,9, é “aparente” e “perversa” e pode ser explicada pela queda geral de renda da população devido à pandemia da covid-19, além da distribuição de auxílios governamentais nesse período (emergencial, gás, caminhoneiro, taxista, etc.), que tendeu a nivelar por baixo o rendimento de parte importante da população brasileira.
Deve-se notar que o valor do salário mínimo desempenha um importante papel na redução da desigualdade. A sua evolução de 1993 a 2015 foi de um constante crescimento, quando se desconta a inflação, corrigindo os valores pelo IPCA, como mostrado no Gráfico 9.
Gráfico 9. Evolução do Salário Mínimo no Brasil de 1993 a 2020
(Valores em R$, corrigidos para janeiro de 2023 pelo IPCA)
Fonte: Dados do Ipeadata[12] e gráfico elaborado para este estudo.
Visualizando-se os gráficos 08 e 09 de forma conjunta, verifica-se que no período 1993-2005, em que houve a queda da desigualdade de 60,1 para 51,9, o salário mínimo também teve uma elevação consistente, de R$ 487,21 em 1993 para R$ 1.189,90 em 2015 – um aumento acima da inflação, de 144,2%. Nos anos que se seguiram houve uma redução no ritmo de crescimento, o que também explica parte do aumento da desigualdade de 2015 para 2019, além da crise do período 2015-2022 e a interrupção da política de reajustar o salário mínimo em percentuais acima da inflação do ano anterior.
Recursos aplicados na educação
É usual no estudo de políticas públicas a utilização de percentuais em relação aos PIBs dos países quando se apura recursos aplicados no desenvolvimento de ações em um determinado setor da sociedade. A utilização desse indicador nas análises de políticas públicas precisa, entretanto, ser feita com muita cautela. É verdade que se um país utilizou o equivalente a 4,9% de seu PIB de recursos em educação, dedica a essa área mais atenção que outro país que utilizou o equivalente a 3,4% do PIB? Se dois países distintos possuírem os mesmos valores de PIBs e aplicarem o equivalente em recursos financeiros e os mesmos percentuais desses PIBs, podemos concluir que eles tratam igualmente o setor educacional no aspecto financeiro? A resposta para essas duas perguntas é não.
Para uma análise completa do quadro político, quando se trata da utilização desse indicador – percentual do PIB – há a necessidade da utilização de duas outras informações: o valor do PIB do país e o tamanho do alunado a ser atendido, o que pode ser expresso, por exemplo, pela quantidade de pessoas do país que estão em idades educacionais de 0 a 24 anos.
A Colômbia, país da OCDE, por exemplo, aplicou em 2020 recursos públicos equivalentes a 4,9% do PIB em educação e o Japão, 3,4%.[9] Se não examinarmos outras informações – como dissemos – passa-se a impressão que a Colômbia propicia melhores condições financeiras para o setor educacional do que o Japão. A Tabela 3 apresenta a conjunção dos três indicadores que precisam ser observados simultaneamente para uma análise consistente e completa do indicador como percentual do PIB.
Tabela 3. Recursos públicos financeiros aplicados no setor educacional, por pessoa em idade educacional na Colômbia e no Japão
Fonte: Dados da Central Intelligence Agency[9] e tabela estruturada para este estudo
*Estimativa para 2020; **Estimativa para 2021; ***Estimativa para 2023.
O Japão aplicou o equivalente a US$/PPC 6.389,28 por pessoa em idade educacional e a Colômbia, o equivalente a US$ 1.900,97. É claro, o Japão propicia melhores condições financeiras para o setor educacional ao aplicar mais de três vezes recursos por pessoa em idade educacional do que a Colômbia. Conclui-se, portanto, que apesar da Colômbia aplicar um percentual em relação ao PIB maior que o Japão, o seu PIB é de US$/PPC 754,6 bilhões e sua população em idade educacional de 27.277.563 pessoas, comparado aos US$/PPC 5.126,00 bilhões do PIB do Japão – 6,8 vezes maior que o colombiano – e uma população em idade educacional apenas 1,4 vezes maior que a da Colômbia, que é de 19.451.981.
Da mesma forma, se dois países possuem os mesmos valores totais de PIBs e aplicam os mesmos percentuais em educação, aplicará valor mais elevado, por pessoa em idade educacional, aquele que possuir a menor quantidade de pessoas nessas idades.
Conclui-se, portanto, que analisar a importância que um país dá ao setor educacional, exige a conjugação de três indicadores: total de recursos públicos aplicados em educação como percentual do PIB; riqueza do país, expressa pelo valor de seu PIB; e a quantidade de pessoas em idade educacional.
O Gráfico 10 mostra os valores aplicados, recursos públicos, por pessoa em idade educacional para o Brasil e países da OCDE.
Gráfico 10. Valor aplicado por pessoa em idade educacional pelo Brasil e países da OCDE
Fonte: Dados da Central Intelligence Agency[9] e gráfico elaborado para este estudo.
A Turquia, o Brasil, a Colômbia e o México são os países que aplicaram os menores valores por pessoa em idade educacional, abaixo de US$/PPC 3.000,00. Pode-se afirmar, portanto, que o Brasil, com US$/PPC 2.314,00, aplica um volume de recursos financeiros muito baixo em seu sistema educacional, da educação infantil à educação superior, quando comparado com a média dos países da OCDE, que é de US$/PPC 8.933,00.
O Plano Nacional de Educação (PNE) para o período 2014-2024 estabeleceu em sua Meta 20 que os valores financeiros aplicados em educação deveriam ser elevados até atingir o equivalente a 10% do PIB em 2024, o que, pode-se afirmar, será inatingível em tão pouco tempo, considerando que em 2020 o valor divulgado pelo INEP foi de 5,4%.[13] Note-se que mesmo atingindo esse patamar em relação ao PIB, o Brasil estaria aplicando US$/PPC 3.874,00 por pessoa em idade educacional, o que ainda seria um valor que não alcançaria o patamar do valor médio aplicado pelos países membros da OCDE.
A consequência deste fato é que as IES públicas, fundamentais para a produção do conhecimento, encontram grandes dificuldades para desenvolverem adequadamente suas atividades de pesquisa e extensão.
Recursos aplicados em Ciência e Tecnologia
O exame do volume de recursos aplicados em Ciência e Tecnologia (C&T) por um país é também avaliado como percentual do PIB. Assim, como analisamos os recursos educacionais, há que se considerar também o tamanho do PIB do país em estudo e, neste caso, o total de sua população e obter o valor aplicado por habitante, para realizarmos, de forma adequada, comparações entre diversos países.
O Gráfico 11 apresenta o valor aplicado em C&T, por habitante, pelo Brasil e países membros da OCDE.
Gráfico 11. Valor aplicado pelos setores público e privado em C&T, por habitante*
Fonte: Dados da Central Intelligence Agency,[9] das Estatísticas da OCDE[14] e gráfico elaborado para este estudo * Os valores são os últimos disponíveis nos anos de 2019 a 2021.
O Brasil aplica em C&T o equivalente a 1,21% do PIB e, para um PIB de US$/PPC 3.128,00 bilhões e uma população de 217.240.060 habitantes, implica em aplicar o equivalente a US$ 173,94 por habitante.[9, 14]
Nota-se que há uma diferença muito grande entre os países que mais aplicam em C&T – Israel, Suíça, EUA e Coreia do Sul, com valores acima de US$/PPC 2.000,00 por habitante – e o Brasil, Chile, México e Colômbia, que aplicam valores abaixo de US$/PPC 200,00 por habitante. O valor médio aplicado pelos países da OCDE foi de US$/PPC 1.037,00.
No período de 2003 a 2022, a função orçamentária associada à C&T no âmbito federal apresentou a evolução presente no Gráfico 12.
Gráfico 12. Os recursos da função orçamentária C&T no período 2003-2022
Fonte: Dados do SIOP[15] e gráfico elaborado para este estudo.
Os recursos liquidados aplicados pelo governo federal, de 2003 a 2022 na função C&T, apresentou uma elevação de 2003 até 2013, atingindo o valor de R$ 15,1 bilhões, caindo sistematicamente até o ano de 2021, no menor valor em todo esse período, voltando a crescer no ano de 2022 e atingindo valor equivalente aos aplicados em 2016. (Figura 1)
Figura 1. Pesquisadores realizam marcham em defesa da ciência após série de cortes orçamentários realizados em 2021 e 2022.
(Foto: Divulgação)
O perfil apresentado do Gráfico 12 nos mostra que não houve continuidade no financiamento da função C&T, o que é danoso para a produção do conhecimento, que exige continuidade e a aplicação de elevados valores financeiros para manter o desenvolvimento e iniciar novos projetos de pesquisa.
O Fundo Público do Brasil e os desafios brasileiros para a produção do conhecimento
A população brasileira recolhe tributos que se incorporam ao chamado Fundo Público. Os recursos financeiros que constituem o Fundo Público, além de financiarem todas as atividades da burocracia do Estado, podem dirigir-se tanto para a vertente social quanto para a econômica. Esta separação não é disjunta, existindo uma superposição nas suas destinações, em diversas áreas, como a Ciência e Tecnologia, por exemplo.
O Fundo Público se aplica, na vertente social, quando os recursos se dirigem para o financiamento de programas relacionados à educação, saúde, saneamento, habitação, assistência social, salário-desemprego, etc.; na vertente econômica, quando se dirige para subsídios à agricultura e à instalação de fábricas, juros subsidiados em empréstimos com grande tempo de carência, recursos para salvamento de bancos, renúncia fiscal, etc. [16]
Portanto, o Fundo Público, constituído por recursos oriundos de toda a população, caracteriza-se por permitir a opção do financiamento de ações públicas, ou na linha que propicia a acumulação de capital ou na linha que favorece a reprodução da força de trabalho:[17]
(1) pelo financiamento simultâneo da acumulação de capital (os gastos públicos com a produção, desde subsídios para a agricultura, a indústria e o comércio, até subsídios para a ciência e tecnologia, formando amplos setores produtivos estatais que deságuam no célebre complexo militar-industrial, além da valorização financeira do capital por meio da dívida pública etc.);
(2) pelo financiamento da reprodução da força de trabalho, alcançando toda a população por meio dos gastos sociais (educação gratuita, medicina socializada, previdência social, seguro-desemprego, subsídios para transporte, alimentação e habitação, subsídios para cultura e lazer, salário-família, salário-desemprego, etc.).
Os poderes executivo e legislativo têm ao seu alcance mecanismos eficientes a serem utilizados em relação ao Fundo Público se decidirem implementar políticas que priorizem o setor social. Um deles é constituir um Fundo Público que contenha um volume de recursos financeiros tal que permita realizar intensas atividades relacionadas a aspectos que amenizem o sofrimento de grande parte da população, chegando até mesmo a diminuir a enorme desigualdade social. Outro, é distribuir os recursos do Fundo Público de tal modo que as atividades sociais sejam priorizadas e adequadamente contempladas.
É no embate entre esses gastos do Fundo Público que se estabelecem as prioridades para as ações dos poderes públicos, incluído aí o financiamento das políticas sociais. A gestão do Fundo passa a ser, portanto, um dos importantes ingredientes na “luta democrática na sociedade”.[17]
“As IES públicas, fundamentais para a produção do conhecimento, encontram grandes dificuldades para desenvolverem adequadamente suas atividades de pesquisa e extensão.”
Os banqueiros, os grandes proprietários rurais e os grandes capitalistas possuem incentivos fiscais de grande monta, provocando um total de renúncias fiscais em 2022 de R$ 371,07 bilhões.[18] A legislação que permite esses privilégios traz como consequência uma redução nos recursos do Fundo Público, pois aqueles que possuem menos são exatamente os que, proporcionalmente, mais pagam. Uma legislação socialmente mais justa, implantada através de uma reforma tributária, poderia aumentar o volume dos recursos constituintes do Fundo.
A Tabela 4 mostra no Brasil e na OCDE, valor médio dos países, os percentuais da carga tributária, por setores da arrecadação: renda, lucros e ganhos de capital, segurança social, salários e força de trabalho, propriedade, bens e serviços e outros tributos.[19]
Tabela 4. Percentuais da carga tributária do Brasil e o valor médio dos países da OCDE, por setores de arrecadação-2020
Fonte: Dados Estatísticos da OCDE[19] e tabela estruturada para este estudo
Da carga tributária brasileira, a maior parte, 44,1%, é obtida pela taxação de bens e serviços, que impacta mais fortemente as pessoas mais pobres, enquanto nos países da OCDE, ela é de 33,9%; portanto, 12,6 pontos percentuais (p.p.) mais elevada que a média da OCDE. Nos países membros da OCDE a carga tributária de maior valor é a cobrada sobre renda, lucros e ganhos de capital, que atinge as pessoas mais ricas, representando 33,9% da carga tributária, enquanto no Brasil ela representa um valor 11,3 pontos percentuais menos, 22,5%. A taxação sobre a propriedade é também maior na OCDE, 5,6%, que no Brasil, 3,8%, outro setor que atingiria os que possuem mais. Essas são distorções que precisariam ser corrigidas numa futura reestruturação dos tributos brasileiros.
Além disto, há que se examinar, como em geral acontece, a carga tributária de um país para além de seu valor como percentual do PIB, como fizemos com os recursos da educação e os de ciência e tecnologia, e, sim, como valor arrecadado, em média, de cada habitante. Quando se afirma que o Brasil possui uma das maiores cargas tributárias do mundo e oferece serviços públicos incompatíveis com esse fato, como avaliar essas afirmações? O indicador que pode discutir essa questão com profundidade não é o valor da carga tributária como percentual do PIB e, sim, o valor arrecadado, em média, de cada habitante do Brasil.
Os Gráficos 13 e 14 mostram, primeiro, o valor da carga tributária brasileira e dos países membros da OCDE como percentual do PIB e, depois, o valor arrecadado, em média, de cada habitante do Brasil.
Gráfico 13.A carga tributária como percentual do PIB do Brasil e dos países membros da OCDE – 2020
Fonte: Dados Estatísticos da OCDE[19] e gráfico elaborado para este estudo
Gráfico 14. Carga tributária como valor arrecadado, em média, de cada habitante do país -2020
Fonte: Dados Estatísticos da OCDE [19] e gráfico elaborado para este estudo
Nota-se no Gráfico 13 que, mesmo como percentual do PIB, a carga tributária brasileira não é “uma das mais altas do mundo”: ela é equivalente a 31,5% do PIB e o valor médio dos países membros da OCDE é de 33,8% do PIB. A da Dinamarca é de 47,1%, da França, 45,3, da Itália, 42,7%, da Espanha, 36,7%, e de Portugal, 35,3%, para citar alguns países europeus.
A oferta de “melhores serviços públicos” à população pode ser avaliada pelo valor arrecadado, em média, de cada habitante. O Gráfico 14 mostra a diferença entre os países membros da OCDE e o Brasil, Turquia, Chile, México e Colômbia, apesar desses quatro últimos serem países membros dessa Organização. Esses países arrecadam valores abaixo de US$/PPC 10.000,00 por habitante, em média, e a média dos países da OCDE, incluindo-se esses quatro países, é de US$/PPC 16.088,00.
Não se pode afirmar, portanto, que o Brasil deveria ofertar à população serviços públicos melhores que os dos EUA, por exemplo, com o argumento de que a carga tributária brasileira, 31,6%, é maior que a dos EUA, 25,8%, como percentual do PIB: o PIB brasileiro é de US$/PPC 3.128,00 bilhões e o dos EUA é de US$/PPC 21.132,00 bilhões e a população brasileira é de 217.240.060 habitantes e a dos EUA, de 337.341.954 habitantes.[9] O valor a ser examinado adequadamente é que o Brasil arrecada o equivalente a US$/PPC 4.550,00, em média, de cada habitante, e os EUA, US$/PPC 16.130,7, um valor 3,5 vezes o do Brasil.
Pode-se afirmar, portanto, que o Brasil tem riqueza e condições para, pelo menos temporariamente, elevar a sua carga tributária como arrecadação de seus habitantes, e aplicar um volume maior de recursos financeiros em políticas e ações que procurem melhorar os indicadores discutidos neste texto, incluindo-se aí, todos os setores que contribuem para a produção do conhecimento: educação, ciência e tecnologia, saúde, cultura, saneamento, habitação, etc.
Considerações finais: como viabilizar os recursos financeiros para implementar mais condições para a produção do conhecimento no Brasil?
A viabilidade da elevação dos recursos financeiros do Fundo Público que permitiriam a implementação de políticas e ações que provocassem mudanças necessárias para o futuro do Brasil, nos caminhos discutidos neste estudo, pode ser aquilatada examinando-se o trabalho técnico realizado no contexto do Projeto CNE/UNESCO 914BRZ1009.2 que produziu “Uma análise sobre os recursos que financiam a educação brasileira e o PNE (2014-2024), no que se relaciona a Renúncias de receitas e Novas Fontes de Financiamento”.[20]
Objetivava-se no estudo verificar a existência de possíveis fontes para que se cumprisse a Meta 20 do PNE, de se atingir recursos aplicados em educação equivalentes a 10% do PIB em 2024.[21]
A Tabela 5 reproduz aqui a tabela obtida nesse estudo que listou possíveis “Novas Fontes para o financiamento do PNE (2014-2024)”.
Tabela 5. Novas fontes para o financiamento do PNE (2014-2024)
Fonte: Tabela que consta do Relatório Técnico CNE/UNESCO[20] e reproduzida neste estudo
O estudo realizado pelo Projeto CNE/UNESCO, em 2016, concluiu que seria possível, portanto, cumprir a Meta 20 e atingir o equivalente a 10% do PIB aplicado em educação.
A Tabela 5 lista diversas possibilidades para que se incorporem novos recursos ao Fundo Público: alteração das alíquotas de diversos impostos, como ITR, IPTU, ITCD, IPVA, por exemplo; criação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF); elevação do ITCD sobre Heranças; criação de uma Contribuição Provisório sobre Movimentação Financeira (CPMF), com finalidades específicas na área social; diminuição das renúncias de receitas; cobrança efetiva da dívida ativa da União; estabelecimento de limites ao pagamento da dívida pública, incrementando o refinanciamento com o alongamento de prazos; compensação financeira pela utilização dos recursos hídricos (CFURH); compensação financeira pela exploração dos recursos minerais (CFERHM); compensação financeira pela extração de óleo bruto, xisto betuminoso e gás (CFOXG); e diminuição das transferências às instituições privadas, dentre outras alternativas.
A implementação dessas possibilidades, entretanto, exigirá da sociedade muita mobilização e uma intensa reivindicação junto aos poderes Executivo e Legislativo, uma vez que ao se examinarem:
as possibilidades apresentadas para a origem de novos recursos financeiros para a educação vê-se claramente que, em nenhum dos casos apresentados, a obtenção dos recursos se efetivará de forma tranquila, sem que exista uma turbulência em algum setor da sociedade.
Os setores atingidos, em geral, são constituídos por aqueles que possuem posições sociais com maior poder de interferir e bloquear no Congresso Nacional ou nos próprios âmbitos governamentais as medidas que precisariam ser tomadas.
As possibilidades apresentadas atingem os que possuem terras, veículos, propriedade urbana, governantes estaduais e municipais, pessoas que possuem títulos públicos das dívidas interna e externa, servidores e dirigentes públicos, classe média, grandes empresários, pessoas com grandes fortunas, pessoas que deixam heranças etc.[20]
Como já analisamos anteriormente, esse é o contexto da luta pela direção a ser dada aos recursos financeiros que constituem o Fundo Público.
Há, portanto, a possibilidade de se incorporar ao Fundo Público novas fontes a serem dirigidas especialmente para os setores que poderiam contribuir para a construção de um futuro para o Brasil, como estabelecemos como premissa no início deste estudo, em que a produção do conhecimento contribua na construção de um país soberano, de estado democrático e de direito, que defenda a vida, os direitos sociais, uma educação da população com qualidade em todos os seus níveis, etapas e modalidades e que tenha como resultado final a diminuição da desigualdade social existente no Brasil.