Ciencia e Cultura 2E23 - editorial - Ciência movida pela curiosidade - capa site

Ciência movida pela curiosidade: porque somos humanos!

As ciências abriram caminho para descobertas fundamentais e revoluções tecnológicas que continuamente remodelam o mundo em que vivemos

 

“Pensar como nós sempre temos pensado é o que nos trouxe até onde estamos.
E não vai nos levar para onde deveríamos estar indo.”
A. Einstein

 

A Ciência é fundamental para o desenvolvimento de nossa sociedade, em todas as áreas, das ciências humanas às naturais. E esse desenvolvimento precisa ser sustentável. As ciências, especialmente as ciências básicas, abriram caminho para descobertas fundamentais e revoluções tecnológicas que continuamente remodelam o mundo em que vivemos. Em um momento em que a humanidade deve inventar novas formas de produzir, de obter energia, de se alimentar, sabemos que precisamos das ciências e do potencial que elas possuem para o necessário aprimoramento de nossas sociedades. Por isso, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Unesco definiram 2022-23 como o Ano Internacional das Ciências Básicas para o Desenvolvimento Sustentável 2022-23 (IYBSSD, na sigla em inglês). O objetivo é ressaltar a ligação entre as ciências básicas e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e destacar os impactos das ciências básicas para esses objetivos. Por isso esse número da Ciência & Cultura aborda esse tema, em todas as suas dimensões.

 

“Precisamos das ciências e do potencial que elas possuem para o necessário aprimoramento de nossas sociedades.”

 

Estamos vivendo em uma época em que ciências com aplicações imediatas ou voltadas a resultados imediatos dão a tônica. Mas, essa visão mais imediatista esquece que a Ciência Básica é o alicerce do conhecimento em todas as áreas. Sem os relógios atômicos, não teríamos o GPS, Waze ou Google Maps. Sem a invenção do World Wide Web (www), inventada no CERN a partir da necessidade de colaboração global em experimentos físicos fundamentais, não teríamos a Internet. A descoberta básica de transistores e circuitos integrados levou ao desenvolvimento de nossos computadores, telefones celulares e muito do que nos cerca. A geração e armazenamento de energia renovável depende de avanços fundamentais na física, química e ciência dos materiais. E a ciência é indispensável na saúde: desde a descoberta do DNA, que revolucionou a medicina, até o combate à pandemia de covid-19, com o sequenciamento genético do vírus SARS-CoV-2 e consequente desenvolvimento de vacinas baseadas na molécula de RNA mensageiro (mRNA), temos descobertas que salvaram milhões de vidas. As ciências básicas são também muito relevantes nos estudos de comportamento humano, na dinâmica de cada indivíduo em nossa sociedade e na economia local e global. As ciências humanas são fundamentais na construção de uma nova sociedade sustentável.

Um ponto fundamental nessa discussão é justamente o significado da palavra “sustentável”. Afinal, já não é mais possível pensar em desenvolvimento econômico e social sem sustentabilidade. A humanidade está passando por um momento muito crítico em sua história, em que temos um sistema socioeconômico baseado no uso excessivo dos recursos naturais de nosso planeta. Temos também uma visão de curtíssimo prazo nas empresas e governos, onde o maior lucro possível tem que ser obtido no curtíssimo prazo, não importa o dano ambiental ou social que esteja causando. O garimpo ilegal na Amazônia, a invasão de terras públicas e territórios indígenas, a poluição por plásticos, uso excessivo de agrotóxicos, as emissões de gases de efeito estufa, entre outros, são somente algumas das questões que ilustram os riscos do atual modelo de desenvolvimento. A vergonhosa desigualdade econômica tem que ser fortemente combatida se quisermos construir uma sociedade minimamente justa e sustentável.

 

“A vergonhosa desigualdade econômica tem que ser fortemente combatida se quisermos construir uma sociedade minimamente justa e sustentável.”

 

É por isso que começamos esse editorial com uma citação de Albert Einstein, que nos alerta para o perigo que corremos se continuarmos a pensar, consumir e manter determinadas práticas que não nos levarão para onde deveríamos estar indo: ao encontro de uma relação mais harmoniosa e menos predatória com a mãe Terra.

As mudanças climáticas são uma das questões mais relevantes que a humanidade está enfrentando hoje, e um desafio importante para atingirmos os ODS. O Brasil tem vulnerabilidades muito importantes em relação às mudanças climáticas globais, por sua localização tropical, pelos 8500 km de áreas costeiras, suscetíveis ao aumento do nível do mar, por ter uma economia baseada no agronegócio, cuja produtividade depende das chuvas, e por ter uma geração de hidroeletricidade que depende também das chuvas que estão se alterando. A degradação dos ecossistemas, em particular da Amazônia, pode alterar profundamente nossa sociedade. Por outro lado, o país também tem vantagens estratégicas enormes na questão das mudanças climáticas globais. Por exemplo, 51% das nossas emissões de gás de efeito estufa são devido ao desmatamento da Amazônia. Não há nenhum outro país que tenha uma oportunidade tão boa de reduzir 51% das suas emissões e ainda ter benefícios de preservação dos serviços ecossistêmicos que a floresta amazônica traz — por exemplo, no transporte de vapor d’água para o Brasil Central, e na chuva que irriga as áreas onde temos nossa produção agropecuária. Temos também o maior potencial mundial de geração de energia eólica e solar, com baixos custos. Nosso programa de biocombustíveis é também o maior do planeta. Precisamos de Ciência alinhada a políticas públicas para podermos aproveitar nossas vantagens estratégicas e enfrentar nossas vulnerabilidades.

 

“Precisamos de ciência alinhada a políticas públicas para que possamos aproveitar nossas vantagens estratégicas e enfrentar nossas vulnerabilidades.”

 

A busca do desenvolvimento sustentável para as gerações presentes e futuras coloca uma ênfase crítica no respeito aos limites planetários. Considerar aspectos como comunicação, pertencimento cultural, sabedoria indígena das populações nativas e gênero será benéfico no avanço do conhecimento e seu efeito na melhoria da vida de nossas comunidades. O bom uso da Inteligência Artificial (IA) pode ser uma ferramenta fundamental na construção de uma nova sociedade. Por outro lado, seu uso inadequado pode intensificar a desinformação e ser uma ferramenta nas mãos de poucos, aumentando as desigualdades sociais.

Esse número da Ciência & Cultura se dedica a explorar os vários aspectos dessas questões. Os artigos, escritos por especialistas, debatem como as ciências básicas, como matemática, química, física de partículas, ecologia, astronomia, antropologia, ciências sociais e biomédicas são fundamentais para fornecer soluções sustentáveis para o país. Os textos de opinião refletem sobre como as diversas áreas da ciência são significativas para tratar de questões como saúde e qualidade de vida, combate à fome e crescimento econômico. Além disso, as reportagens, vídeos e podcasts fazem um amplo panorama sobre a transdiciplinaridade da ciência e sua importância em temas atuais, como diversidade, educação, políticas públicas, construção de cidades sustentáveis, saúde, segurança alimentar, desenvolvimento e, é claro, sustentabilidade.

A ciência básica tem um importante papel no desenho do futuro da humanidade. A humanidade, mais do que nunca está em um importante momento histórico de transição, de um sistema predatório aos recursos naturais, para uma sociedade mais justa e onde haja respeito e equilíbrios no lidar com os recursos naturais finitos de nosso planeta. Mais do que nunca, devemos permitir que as ciências se expandam em todas as direções para explorar, investigar e experimentar. Os tempos atuais apresentam à humanidade desafios que exigem ações para além da multidisciplinaridade, incluindo os saberes dos povos originários que convivem em harmonia com o planeta. Eles exigem uma abordagem transdisciplinar que colabore conhecimento científico, política, dinâmica de negócios e sabedoria ancestral para soluções.

Viva as ciências básicas! Repensemos o “para onde estamos indo”!

 

Capa. Ciência é fundamental para o desenvolvimento sustentável e o combate às desigualdades
(Foto por Freepik.com. Reprodução)

FOGUEL, Débora  e  ARTAXO, Paulo. Ciência movida pela curiosidade: porque somos humanos!: As ciências abriram caminho para descobertas fundamentais e revoluções tecnológicas que continuamente remodelam o mundo em que vivemos. Cienc. Cult. [online]. 2023, vol.75, n.2 [citado  2023-10-16], pp.01-03. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252023000200001&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 0009-6725.  http://dx.doi.org/10.5935/2317-6660.20230017.

 

Debora Foguel

Debora Foguel

Débora Foguel é professora do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É pesquisadora 1A do CNPq e Cientista do Nosso Estado (Faperj), além de membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Academia Mundial de Ciências (TWAS). No período entre 2011-2015 foi Pro Reitora de Pós-Graduacao e Pesquisa da UFRJ.
Débora Foguel é professora do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É pesquisadora 1A do CNPq e Cientista do Nosso Estado (Faperj), além de membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Academia Mundial de Ciências (TWAS). No período entre 2011-2015 foi Pro Reitora de Pós-Graduacao e Pesquisa da UFRJ.
Paulo Artaxo é professor do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). É membro titular da Academia Mundial de Ciências (TWAS), do INCT Mudanças Climáticas, do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e vice-presidente da SBPC. É coordenador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável da Universidade de São Paulo (CEAS-USP).
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