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Oppenheimer no Brasil em 1953 e 1961: a ciência, o ensino e as armas atômicas

Físico norte-americano famoso por sua participação na criação da primeira bomba atômica visitou o país duas vezes

 

O físico norte-americano Julius Robert Oppenheimer (1904-1967), famoso pela sua atuação como diretor do Laboratório Científico de Los Alamos, no Projeto Manhattan, que conduziu à produção da primeira bomba atômica, esteve por duas vezes no Brasil. Atualmente sua trajetória está sendo vista em telas de cinema de todo o mundo e amplamente discutidos os aspectos políticos, científicos e éticos de sua atuação, bem como o seu contexto. Oppenheimer esteve no Brasil, em 1953, a convite do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), que havia sido criado dois anos antes. Ele estava, então, no auge de sua fama e ainda não havia sido perseguido politicamente e destituído de suas funções em altas comissões do governo norte-americano, o que se daria no ano seguinte. Retornou ao Brasil em 1961, em viagem patrocinada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), após a tormenta política que o atingiu e quatro anos antes de seu falecimento.

Em 25 de junho de 1953, Oppenheimer (Opie) desembarcou no Rio de Janeiro, com sua esposa Katherine (Kitty) e seus dois filhos, Peter e Katherine (Toni), então com 12 e 9 anos, respectivamente (Figuras 1 e 2). A permanência deles se estendeu até o dia 01 de agosto, quando retornaram aos Estados Unidos. A maior parte do tempo, esteve no Rio de Janeiro (RJ), mas visitou também São José dos Campos (SP), São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG) e Ouro Preto (MG). Sua visita foi amplamente coberta pela mídia brasileira, com centenas de notícias, muitas fotos e diversas entrevistas. No mesmo dia de sua chegada ao Rio, foi recepcionado no CNPq e, nos dias seguintes, participou de discussões e seminários no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), deu entrevistas e visitou o Instituto de Biofísica e o Instituo Nacional de Tecnologia (INT).


Figura 1. Julius Robert Oppenheimer desembarcou com sua família no Brasil pela primeira vez em 25 de junho de 1953.
(Reprodução)

Figura 2. Documento de Oppenheimer para entrada no Brasil.
(Reprodução)

 

O CNPq, que patrocinou a viagem, estava em um processo de fortalecimento institucional e de implantação de uma política de apoio à ciência no Brasil. Para isso, em seus primeiros anos, convidou grandes e experientes cientistas internacionais para proporcionar aos pesquisadores brasileiros maior intercâmbio internacional, especialmente na área da física atômica. No ano anterior, por exemplo, havia convidado o prêmio Nobel de Física, Isidor Isaac Rabi. Oppenheimer era certamente um dos físicos de maior expressão e prestígio científico e político naquele momento e aqui veio para realizar seminários e conferências sobre os temas de sua especialidade e expertise. Havia, na época, grande interesse internacional e local no desenvolvimento das pesquisas no domínio atômico e nuclear.

Em sua primeira entrevista no Brasil, em 25 de junho de 1953, Oppenheimer elogiou os jovens cientistas brasileiros e afirmou conhecer pessoalmente vários deles, a quem considerou excelentes pesquisadores. Sobre o desenvolvimento da bomba atômica na URSS, disse: “Infelizmente temos que acreditar que os russos possuem bons técnicos de energia atômica, entre os quais vários de nacionalidade alemã, o que nos leva a supor que lá também já exista a bomba atômica”. Já se sabia que elas haviam sido desenvolvidas e testadas na URSS. Oppenheimer estimou, em uma resposta, que o custo de produção da primeira bomba atômica fora de cerca de US $1 milhão, e fez uma suposição acanhada sobre a industrialização da energia atômica: avaliou que se levaria ainda uns vinte anos para tal uso comercial. No entanto, já em junho de 1954 foi construída a primeira central nuclear, conectada à rede elétrica, em Obninsk (URSS). A segunda central em escala comercial seria a de Calder Hall, em Sellafield (UK), em outubro de 1956, e a terceira em Shippingport (EUA) em 1957.

Entre os dias 6 e 12 de julho de 1953, Oppenheimer esteve no Estado de São Paulo, acompanhado pelo presidente (em exercício) do CNPq, Orlando Rangel, e por seu diretor científico Joaquim da Costa Ribeiro. Visitou inicialmente o Centro Técnico de Aeronáutica, em São José dos Campos. Em São Paulo, a partir do dia 7, foi à Universidade de São Paulo (USP), visitando o Laboratório de Física Nuclear, o Instituto de Eletrotécnica, a Escola Politécnica e o Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), além de ir ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), ao Instituto Butantan e de dar uma entrevista coletiva. No Instituo de Física da USP, participou de um seminário e no Instituto de Engenheiros fez a palestra “O Progresso da Ciência”. Naquele final de semana visitou uma fazenda de café entre Limeira e Campinas.

Em sua entrevista à mídia paulista (Figura 3), Oppenheimer mencionou os três países já possuidores da bomba atômica: Estados Unidos, Reino Unido e URSS (esta, sem confirmações maiores, afirmou, já teria explodido quatro bombas experimentais e teria outras em estoque para um eventual terceira guerra). Enfatizou, em seguida, a importância da energia atômica para fins pacíficos, assunto que o interessava mais, destacando aplicações na produção de medicamentos e de fertilizantes e apontando o possível aproveitamento da energia térmica, gerada em reatores e usinas atômicas, cuja dificuldade maior seria o alto custo e a complexidade dos equipamentos. Sobre a interdição de armas atômicas – nos Estados Unidos defendia a posição do não desenvolvimento da bomba de hidrogênio – disse: “Sou homem de paz. Acredito na paz, a para isso as armas não são necessárias. E, como eu, há muita gente razoável que não precisa de metralhadoras, gás asfixiante ou armas atômicas para bem viver. Nessa gente, confio”. Não quis responder a uma pergunta sobre o casal Rosenfeld, que havia sido eletrocutado nos Estados Unidos sob a acusação de espionagem atômica.


Figura 3. Entrevista de Oppenheimer para jornal de São Paulo
(Reprodução)

 

Em entrevista posterior, destacou as importantes pesquisas que, a seu ver, estavam sendo realizadas nos laboratórios da USP. Citou explicitamente os laboratórios de Marcelo Damy e de Oscar Sala, no terreno experimental, e os trabalhos de alto nível do grupo de física teórica, afirmando: “em cada um desses lugares há coisas novas e desconhecidas e um programa demonstrando grande maturidade de imaginação”. Elogiou também outras instituições de pesquisa locais. Insistiu que se deve dar a maior atenção ao progresso da pesquisa científica, em particular apoiando os jovens pesquisadores, e que o Brasil se encontrava na vanguarda da América Latina.

Sobre Cesar Lattes, comentou: “É um grande homem e um grande patriota. Conheço-o há longos anos, e as descobertas que fez e as que certamente fará futuramente o colocam em posição privilegiada no mundo da pesquisa nuclear. É um moço que honra o Brasil e está fazendo muito por sua pátria. Poderia estar trabalhando em qualquer país do mundo, mas, às muitas ofertas que recebeu, preferiu ficar em sua terra e treinar um grupo de cientistas para que o Brasil, em futuro próximo, tenha as reservas humanas necessárias para seu progresso no campo da pesquisa nuclear.”

De volta ao Rio, fez uma comunicação científica na Academia Brasileira de Ciências (ABC), no dia 14, uma conferência na Escola Técnica do Exército (“O Progresso da Ciência”), no dia 16, e participou de seminários no CBPF, nos dias 17 e 18 de julho. No dia 20/7 foi a Belo Horizonte (MG), onde visitou o Instituto de Pesquisas Radioativas (IPR), e fez palestra na Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no dia 23, com o mesmo tema de São Paulo. No final de semana visitou Ouro Preto (MG). No retorno ao Rio de Janeiro, fez conferência no CNPq, no dia 29, na qual debateu a relevância da pesquisa científica, enfatizou a importância da formação científica e da renovação do ensino superior (Figura 4).


Figura 4. Conferência de Oppenheimer no CNPq.
(Reprodução)

 

Na recepção realizada pela ABC, em 14 de julho, com a presença de cerca de 50 acadêmicos e convidados, inclusive Katherine Oppenheimer, o físico norte-americano foi saudado por José Leite Lopes, que destacou suas importantes contribuições para a física e, também, o seu papel como professor universitário na formação da escola norte-americana de físicos. Oppenheimer agradeceu à saudação e exprimiu sua satisfação em ser recebido pela ABC, que conhecia de longa data, à distância, acompanhando os trabalhos publicados nos seus Anais. Em seguida fez a sua comunicação científica: “Megalomorfos”. Propôs este nome para designar as partículas pesadas, que haviam sido recentemente descobertas, instáveis, e que se desintegravam em outras partículas de massa menor e mais energia, sob a forma de fótons ou neutrinos. Segundo ele, as propriedades dessas partículas eram ainda pouco conhecidas e ignorava-se a razão profunda de sua existência e as interconexões existentes entre elas. Falou sobre a descoberta e as propriedades dessas partículas pesadas: o nêutron, os mésons “mi” e “pi”, as chamadas partículas V, e aquelas designadas por “tau”, “xi” e “kapa”. Acrescentou que pretendia apresentar estas ideias, com maior profundidade, em seminários no CBPF. A designação, proposta por Oppenheimer, de partículas megalomorfas, não sobreviveu ao tempo. É interessante destacar que, nessa sessão da ABC, Sergio Mascarenhas, então um pesquisador iniciante do grupo de Costa Ribeiro, fez a apresentação da comunicação: “Interpretação do efeito Costa Ribeiro pela teoria da colisão molecular”, que foi comentada por Costa Ribeiro, Peter Weyl e Oppenheimer.

Em sua última conferência, no CNPq em 28 de julho, Oppenheimer apresentou um balanço positivo e otimista sobre as instituições de pesquisa que visitara em algumas cidades brasileiras, enalteceu bastante a atuação do CNPq e abordou três assuntos principais: as diversas responsabilidades que deveria ter um órgão como o CNPq, que era ao mesmo tempo, uma agência de fomento e uma comissão de energia atômica; a importância e a situação do sistema educacional no Brasil e a questão específica da energia atômica. No final, respondeu a várias perguntas dos conselheiros do CNPq. O conteúdo integral de tal conferência encontra-se nas Atas da reunião do CD do CNPq. Uma interessante síntese dela foi apresentada por Costa Ribeiro, alguns dias depois, no programa “Pensando no Brasil”, que o CNPq fazia na Rádio MEC. Ao falar sobre a necessidade de renovação educacional, Costa Ribeiro reproduziu a fala de Oppenheimer: “Em ciência, aquele que ensina bem é o que traz para as suas aulas o espírito de sua própria pesquisa – nem todo bom cientista é um bom Professor, mas até hoje não encontrei nenhum bom Professor que não fosse um bom cientista – uma pessoa ativa na ciência, que poderá não estar fazendo coisas que interessem profundamente a todo mundo, mas pelo menos coisas em que ele está profundamente interessado. A melhor maneira de ensinar a ciência é ensiná-la sob forma de ação, fazendo recuar a obscuridade, criando situações de perplexidade e resolvendo-as respondendo aos paradoxos por soluções lógicas. O ensino da ciência não deve ser uma coisa morta, e acabada, mas deve antes ser considerado um uma forma de ação e como uma forma de aventura.”

No dia 01 de agosto, Oppenheimer deu sua última entrevista coletiva à imprensa e, neste mesmo dia, deixou o país. Nela, além de elogiar cientistas e instituições locais, salientou a importância do desenvolvimento do ensino de física no Brasil, a necessidade de se atrair jovens para a ciência. Destacou, e isto foi manchete em jornais, que na pesquisa científica residiria o futuro do Brasil. Inquirido pelo repórter do Correio da Manhã, relutou um pouco, mas terminou por comentar sobre sua vertente poética e refez/improvisou um poema de sua lavra (Figura 5).


Figura 5. Oppenheimer no jornal Correio da Manhã.
(Reprodução)

 

O retorno de Oppenheimer ao Brasil se deu em 1961, sob o patrocínio do Programa da Cátedras da OEA em articulação com o CBPF e a Universidade do Brasil. Está por ser investigado o interesse deste organismo, quase sempre sob controle estrito dos Estados Unidos, em patrocinar a vinda de Oppenheimer, bem como analisados os recados que ele aqui deixou junto às autoridades locais e ao público, além dos importantes alertas pacifistas. Foi uma visita bem mais curta, na qual permaneceu no Rio de Janeiro entre 17 e 22 de setembro de 1961. Fez seminários no CBPF, e visitou novamente o Instituto de Biofísica. No dia 20 de julho fez palestra, seguida de debate, no Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM), no qual destacou que a ciência e a tecnologia constituem o maior poder de uma nação e manifestou a esperança de que o Brasil não desenvolvesse as “fantásticas” armas modernas nem se preocupasse com o lançamento de satélites com as mesmas finalidades (Figura 6). Afirmou ainda: “É minha esperança que as forças armadas deste país terão como função máxima manter o crescimento ordenado e criativo do país, seu desenvolvimento, seu senso de justiça, sua liberdade, suas tradições.” (Confira essa palestra aqui). Oppenheimer foi também condecorado pelo governo brasileiro com a Ordem do Cruzeiro do Sul, no grau de Comendador (Figura 7). Nesse mesmo dia, 20 de setembro, foi homenageado com uma sessão extraordinária da ABC, à qual comparecerem cerca de 150 acadêmicos e convidados. Ali fez a conferência “Reflexões sobre cultura e ciência”, cujo conteúdo foi publicado no Jornal do Commercio (outubro de 1961) e, no ano seguinte, na revista Ciência e Cultura da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) [vol. 14, n. 2, 1962, p. 87 a 94].


Figura 6. Palestra de Oppenheimer, seguida de debate, no Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM).
(Reprodução)

Figura 7. Condecoração de Oppenheimer pelo governo brasileiro com a Ordem do Cruzeiro do Sul, no grau de Comendador.
(Reprodução)

 

Em um texto sobre Oppenheimer, escrito muitos anos após o seu falecimento, Leite Lopes assim descreveu esta visita; “Em 1963 [de fato, 1961], foi convidado pela Organização dos Estados Americanos para, na qualidade de Professor Visitante, entrar em contato e realizar seminários em instituições de física na América Latina. No Brasil, Oppenheimer escolheu ser visitante no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, do qual tinha eu a honra de ser, no momento, Diretor Científico. Além de um seminário sobre a teoria de relatividade geral, Oppenheimer manteve conversações com homens de ciência e de governo, visitou instituições mostrando sempre grande interesse pelas nossas realizações e percebendo de imediato as nossas dificuldades. Informado sobre os planos que então vários cientistas e intelectuais formulávamos para a implantação de uma universidade nova e moderna na cidade de Brasília, fez questão de obter audiência com o Ministro da Educação para manifestar-lhe sua opinião e o peso de seu prestígio para que fosse levado a cabo o projeto e para que fossem convenientemente amparadas as instituições de pesquisa do Brasil. Recebeu, na oportunidade, das mãos do Ministro das Relações Exteriores, San Tiago Dantas, a medalha Cruzeiro do Sul.”

Oppenheimer foi também recepcionado no CNPq, no dia 21 de julho e, na ocasião, fez uma breve alocução na qual, como relatado pela mídia, afirmou que o Brasil deve dar prioridade ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de pessoas de talento e que as realizações práticas, no terreno da energia atômica, deveriam ter prioridade relativamente menor, com a exceção única da exploração das matérias-primas, que seria de importância fundamental para se saber com o que se poderá contar no futuro. A cobertura da imprensa local a esta segunda visita de Oppenheimer, especialmente do Rio de Janeiro, foi novamente intensa. Em sua entrevista coletiva, no final de sua viagem, repetiu diversos pontos já mencionados nas suas intervenções no CNPq e no IPqM e defendeu enfaticamente o uso pacífico da energia atômica.


Figura 8. Mensagem de Oppenheimer durante visita ao Brasil.
(Reprodução)

 

No cenário atual, a mensagem de Oppenheimer, recorrente nas duas visitas ao Brasil, continua válida e relevante: uma guerra atômica significará o extermínio da humanidade (Figura 8). Que não se concretize.

Ildeu de Castro Moreira

Ildeu de Castro Moreira

Ildeu de Castro Moreira é professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Recebeu o Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica do CNPq em 2013. É presidente de honra da SBPC, membro do Conselho Editorial de Ciência & Cultura.
Ildeu de Castro Moreira é professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Recebeu o Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica do CNPq em 2013. É presidente de honra da SBPC, membro do Conselho Editorial de Ciência & Cultura.
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