Confira entrevista com a astrofísica brasileira Thaisa Storchi Bergmann, professora da UFRGS
Buracos Negros Supermassivos (BNS) são verdadeiros “monstros” que chegam a ter mais de um bilhão de massas solares e dos quais nada escapa, nem mesmo a luz. Eles habitam o núcleo das galáxias massivas e têm um papel fundamental em sua evolução. Se não fosse por eles, poderíamos nem estar aqui! “Ainda não sabemos como se formaram os BNS, somente os estelares. O novo telescópio James Webb está mostrando um Universo distante bem mais evoluído do que esperávamos, e BNS ativos (AGN – Active Galactic Nuclei), ou seja, que estão capturando matéria, bem cedo no Universo”, explica entusiasticamente Thaisa Storchi Bergmann. A renomada astrofísica brasileira é uma figura crucial no panorama da ciência, dedicando décadas ao estudo profundo dos BNS no coração das galáxias. Professora na Pós-Graduação do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e chefe do Grupo de Pesquisa em Astrofísica, Thaisa Bergmann é uma referência incontestável na comunidade científica. Seu trabalho inovador na Astrofísica Extragaláctica abrange desde o estudo dos processos de alimentação de Buracos Negros Supermassivos até a dinâmica estelar e de gás em sua proximidade. Para a pesquisadora, ainda temos um longo caminho a trilhar – e a ciência e a educação são fundamentais para avançarmos na área. “Precisamos investir no ensino, na ciência e em equipamentos científicos de ponta, para competirmos em pé de igualdade com as instituições de pesquisa estrangeiras”, defende.
Confira a entrevista completa!
Ciência & Cultura – No campo da Astronomia, historicamente dominado por homens, como você percebe a evolução da presença e contribuição das mulheres? Quais são os avanços e desafios enfrentados pelas mulheres nesse ambiente científico?
Thaisa Storchi Bergmann – Quando comecei a participar de conferências internacionais, haviam muito poucas mulheres, muitas vezes era eu e mais umas poucas, chegando no máximo a 5% dos participantes. Agora, as conferências na minha área são quase paritárias, cerca de 40% de mulheres. Então houve avanço, sim, as mulheres estão participando mais, são inclusive mais “entusiasmadas” que os homens nas conferências, em termos de participação/perguntas, e até mesmo organização das conferências.
“Qualquer área da atividade humana se beneficia da diversidade: isso leva a um aumento na diversidade de abordagens e metodologias, o que pode levar a resultados e descobertas que não seriam possíveis de outra forma.”
C&C – A diversidade é essencial para o avanço da ciência. Como a inclusão de diferentes perspectivas, incluindo a presença de mulheres, enriquece e aprimora a pesquisa em Astronomia e áreas correlatas?
TSB – Qualquer área da atividade humana se beneficia da diversidade: isso leva a um aumento na diversidade de abordagens e metodologias, o que pode levar a resultados e descobertas que não seriam possíveis de outra forma.
C&C – Quais são os desafios específicos enfrentados pela comunidade de Astronomia no Brasil e como superá-los? De que forma a falta de recursos ou investimento afeta o desenvolvimento da pesquisa nesse campo?
TSB – No Brasil a diversidade não é um grande problema, no que se refere a mulheres em particular. Creio que o nosso problema é ainda o acesso ao ensino de qualidade e o combate às desigualdades sociais. Eu sou a favor da escola de tempo integral, bem equipadas, em que os alunos têm acesso a ensino e alimentação.
C&C – Seus estudos estão focados em Buracos Negros Supermassivos (BNS). Poderia compartilhar um pouco mais sobre essa área de pesquisa e como esses estudos contribuem para a compreensão do universo?
TSB – Quando comecei meu trabalho de pesquisa, nos anos 1990, ainda não se sabia o que se descobriu com o Hubble: que os buracos negros supermassivos habitavam o núcleo da maioria das galáxias grandes como a Via Láctea. Hoje sabemos isso e que eles produzem um efeito de “feedback” nas suas galáxias, afetando a sua evolução, em geral, retardando a formação de estrelas. Se não houvesse esse efeito, as galáxias seriam diferentes e podemos até questionar se existiríamos, pois fazemos parte de um todo, em que tudo influencia tudo, e o nosso buraco negro supermassivo, no centro da Via Láctea, influenciou sua evolução. Discuto isto no meu livro “MyNews Explica – Buracos Negros”, da editora Almedina. É um livro de divulgação científica que pode entusiasmar jovens a seguir a carreira, pois conto também um pouco da minha história com a história dos buracos negros. Ele está disponível em algumas livrarias, na Amazon, Google Books, site da editora Almedina, livraria Martins Fontes, entre outras.
“Creio que o nosso problema é ainda o acesso ao ensino de qualidade e o combate às desigualdades sociais.”
C&C – Você tem utilizado a Espectroscopia de Campo Integral em grandes telescópios para mapear a cinemática estelar e do gás no entorno dos BNS. Como essa abordagem tecnológica revoluciona a compreensão desses fenômenos astronômicos e quais descobertas significativas foram realizadas?
TSB – É uma técnica muito poderosa, pois, enquanto no passado usávamos espectrógrafos para obter espectros e imageadores para obter imagens, a espectroscopia de campo integral permite obter as duas coisas ao mesmo tempo, e imagens em todos os comprimentos de onda. Podemos estudar a distribuição espacial das propriedades do gás e das estrelas, incluindo a sua cinemática, resolvida espacialmente no objeto de estudo, como uma galáxia.
C&C – Em meio a tantas áreas de estudo dentro da Astronomia, o que a fascina particularmente nesse campo e quais são as possibilidades de descobertas futuras que mais a entusiasmam?
TSB – Ainda não sabemos como se formaram os BNS, somente os estelares. O novo telescópio James Webb está mostrando um Universo distante bem mais evoluído do que esperávamos, e BNS ativos (AGN – Active Galactic Nuclei), ou seja, que estão capturando matéria, bem cedo no Universo. Ainda não temos um censo disso, mas estamos a caminho de obtê-lo. Alguns já estão dizendo que as novas observações favorecem o colapso direto dos BNS no centro das galáxias, uma das teorias possíveis. Além disso, vários outros projetos vão desvendar o funcionamento dos AGN, como o LSST (Legacy Survey of Space and Time), que vai filmar o Universo ao longo de mais de 10 anos, e vamos descobrir muita coisa sobre os AGNs, que são na sua maioria variáveis, e a variabilidade medida pelo LSST vai funcionar como um “SONAR” da estrutura mais interna dos AGNs.
C&C – Como podemos estimular o interesse de jovens na Astronomia e nas Ciências Espaciais, considerando especialmente o contexto do Brasil? Que iniciativas ou abordagens podem despertar essa curiosidade e incentivar futuros pesquisadores nesse campo?
TSB – Acho que valorizando a ciência, os cientistas e os educadores. Precisamos investir no ensino, na ciência e em equipamentos científicos de ponta, para competirmos e pé de igualdade com as instituições de pesquisa estrangeiras. Se os jovens tiverem o mesmo acesso a instrumentos de ponta e projetos na fronteira do conhecimento, podem até ir para o exterior para aumentar sua experiência, mas terão atrativos para voltar. No caso do Brasil, temos a possibilidade de acesso ao LSST, GMT, Gemini, e poderemos no futuro participar de projetos espaciais como o HWO (Habitable Worlds Observatory), para 2040; fui numa reunião sobre este instrumento e vieram falar comigo mostrando interesse na participação brasileira no projeto.
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