Em seminário promovido pela SBPC no dia 8 de março, pesquisadoras refletem os desafios de ser mulher em sociedade e sua presença no campo científico
Apesar de ter uma crescente nas conquistas no campo legislativo, faltam políticas e demais ações para garantir a equidade plena às mulheres. Este foi o principal diagnóstico do evento “Falam as cientistas: a SBPC e o futuro da ciência brasileira”, uma iniciativa da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) para comemorar e refletir sobre a vivência feminina.
A programação especial ocorreu na última sexta-feira, 8 de março, Dia Internacional das Mulheres. A abertura do evento contou com uma cerimônia composta pelo presidente da entidade, Renato Janine Ribeiro, pela química e vencedora da 5ª edição do Prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher” na área de Exatas e Ciências da Terra, Yvonne Mascarenhas, e pela diretora da SBPC, Laila Salmen Espindola.
“O caráter político é o que devemos levar do Dia das Mulheres. No passado, o que se fizesse em prol das identidades minoritárias ou reprimidas era considerado um desvio das lutas sociais. Mas a experiência histórica mostrou que se não existirem mobilizações por todas as causas dignas, as questões não serão resolvidas. Para fazer e lutar por dignidade, nós temos que estar envolvidos em todas as causas, o que inclui a luta pelos direitos das mulheres”, afirmou Janine Ribeiro.
Diretora da SBPC e professora da Universidade de Brasília (UnB), Laila Salmen Espindola ressaltou que essa celebração do Dia Internacional das Mulheres é uma consequência do trabalho da SBPC na defesa da justiça social.
“Esse dia é uma ótima oportunidade, certamente política, de debater as reivindicações por equidade de direitos e igualdade de oportunidades. É um dia especial para evocar em todas e todos a necessidade de lutar por essa transformação social. Essa data traz a história secular de lutas travadas diariamente por mulheres ao redor do mundo, um mundo que foi moldado para ser desigual. É preciso que a história conte sobre essas mulheres lutadoras, sobre nós, pretas, indígenas, brancas e pardas, mulheres comumente atormentadas pelo temor causado pela desigualdade de gênero enraizada na nossa sociedade”, disse Espindola.
Encerrando a primeira programação da manhã, a química Yvonne Mascarenhas apresentou uma linha do tempo sobre as conquistas das mulheres ao longo dos anos, ressaltando que, mesmo legalmente amparadas, as mulheres ainda sofrem consequências do passado histórico enraizado na sociedade.
“Eu poderia dizer que a mulher brasileira já conseguiu obter legalmente os seus principais direitos civis. O que resta a partir daí? É necessário vencer os obstáculos socioculturais e econômicos que ainda condicionam as mulheres a tomarem decisões subordinadas ao seu papel de cuidadora, tanto da família como nas profissões.”
Mascarenhas citou dados do Ministério da Educação (MEC) sobre a busca e formação de mulheres, que mostram a concentração em determinadas áreas e a exclusão em outras. Não coincidentemente, as áreas em que há menos mulheres são aquelas tradicionalmente conhecidas como “áreas masculinas”:
“Se observarmos os dados disponibilizados pelo MEC sobre os 20 cursos que receberam o maior número de matrículas de pessoas do sexo feminino, um dado atualizado em 2023, fica evidente a alta participação feminina nas áreas de Humanas e Biológicas e a baixa participação na área de Exatas. A meu ver, isso ainda é decorrente de como educamos meninas e meninos. A mulher brasileira ainda precisa livrar-se de certas características psicológicas e socioculturais para viver a plena realização de suas escolhas vocacionais”, concluiu a cientista.
Ciência deve se ocupar de pluralidade
Seguindo com a programação especial, após a fala de Mascarenhas foi realizada uma mesa-redonda sobre mulher e Ciência. O debate contou com as presenças de Fernanda Staniscuaski, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora do Movimento Parent in Science; Cristina Caldas, diretora de Ciência do Instituto Serrapilheira; Rosangela Aparecida Hilário, professora da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e integrante da Rede Mulheres Cientistas; Cristiane Gomes Julião, doutoranda em Antropologia Social no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e líder indígena Pankararu; e Debora Peres Menezes, professora titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e diretora de Avaliação de Resultados e Soluções Digitais do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). A mediação foi de Miriam Grossi, professora da UFSC.
Abrindo as falas, Fernanda Staniscuaski apresentou o conceito de equidade e como ele é necessário para se pensar as realidades das pesquisadoras.
“Ele é o nosso caminho para chegarmos na igualdade de gênero. Equidade pressupõe que a gente vai ter medidas adaptadas aos contextos das mulheres. Por exemplo, um dos principais problemas que a gente tem em relação à progressão das mulheres na academia – e, obviamente, não só na academia – é a questão da queda de produtividade depois da chegada dos filhos. Medidas compensatórias são fundamentais para que a gente consiga atingir essa equidade, que vai nos levar à igualdade”, afirmou.
A coordenadora do Movimento Parent in Science ressaltou a necessidade de conscientização sobre mitos e preconceitos na maternidade. “Quando nos tornamos mães, não nos tornamos menos comprometidas com a nossa carreira e nem nos tornamos menos capazes”, ressaltou.
Diretora de Ciência do Instituto Serrapilheira, Cristina Caldas apresentou iniciativas que a entidade realiza para promover a equidade. Entre elas está o bônus da diversidade, recursos extras que são destinados a pesquisadores vinculados ao Instituto que desejam estimular maior diversidade em suas áreas.
“É um recurso destinado para formar e trazer pessoas de grupos sub-representados. A gente convida os cientistas que a gente apoia a olharem para os seus grupos de pesquisa e a perguntarem: ‘O meu grupo é diverso ou só tem pessoas brancas?’ A partir daí, a gente faz um convite e destina recursos para que eles possam contratar e formar pessoas de grupos sub-representados, como mulheres, pessoas negras, indígenas e pessoas com deficiência. O nosso principal foco é em gênero e diversidade racial.”
Diretora de Avaliação de Resultados e Soluções Digitais do CNPq, Debora Peres Menezes apresentou dados que mostram o caminho de igualdade de gênero na destinação de recursos públicos. Entretanto, ressaltou a importância de se analisar esses números com cautela:
“Os homens tendiam a ganhar mais projetos do CNPq, mas a partir de 2015 houve uma equiparação e, desde então, as mulheres ganharam mais projetos. Entretanto, isso é na média. Se a gente for olhar com uma lupa neste dado, existem muitas áreas distintas com realidades muito diferentes. O fato de o número maior de mulheres ser um dado na média representa que em algumas áreas, como humanidades, a gente tem, de fato, as mulheres coordenando projetos, mas em outras áreas elas são minoria absoluta.”
A falta de equidade também está presente nos montantes de recursos, o que representa uma realidade contínua. “Se a gente olha para a métrica de dinheiro, o que a gente vê é que os homens são mais bem financiados. Eles sempre foram”, apontou Menezes.
Os recortes societários também apareceram na fala Rosangela Aparecida Hilário, professora da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e integrante da Rede Mulheres Cientistas. Para a pesquisadora, é necessário entender a estrutura de privilégios presente dentro da academia.
“Quando nós falamos de cientistas, a gente tem que, imediatamente, ligar à questão de raça, para pensarmos de que mulheres nós estamos falando e quais são os homens que estão acessando esses espaços e fechando esses espaços de tal maneira que não permitem que outros ocupem”, pontuou.
Hilário destacou que a Ciência, por estar presente na sociedade, reproduz as suas estruturas desiguais. “Quando nós vamos para o debate de remuneração, por exemplo, a gente diz que os homens ganham mais do que as mulheres. Volto a dizer: quais homens e quais mulheres? Pelo IBGE, o que está escrito lá é que ganham melhor os homens brancos, depois as mulheres brancas, seguidas pelos homens negros e, por último, as mulheres negras. E na Ciência não é diferente, quando a gente pensa em acesso a esses espaços que são importantes para a produção científica: primeiro estão os homens brancos, depois as mulheres brancas e aí os outros.”
A professora e pesquisadora revelou uma prévia de um estudo em produção da Rede Mulheres Cientistas, que está analisando os impactos da lei nº 12.990/2014, que impunha que, até 2024, ao menos 20% do corpo docente das instituições deveria ser composto por pessoas negras. “Isso está bem longe de ser cumprido”, disse.
Encerrando as falas do dia, a doutoranda em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ e líder indígena Pankararu, Cristiane Gomes Julião, refletiu sobre a ausência de representatividade nos espaços. Segundo a pesquisadora, a Ciência é permeada pelas características de quem a produz.
“Como é que eu posso pensar em Ciências Humanas se eu não tiver afeto pelo próximo? Se eu não buscar na área que eu pesquiso dentro da Antropologia, que é a Antropologia Jurídica, o entendimento sobre a conexão do movimento indígena e suas lutas por direito territorial, ambiental e direitos humanos? Eu preciso ter um vínculo afetivo com a luta que eu travo”, analisou.
O evento “Falam as cientistas: a SBPC e o futuro da ciência brasileira” também contou com as apresentações culturais do Levante Feminista Contra o Feminicídio e das cantoras Indiana Nomma e Cris Pereira. A arte utilizada para ilustrar o evento foi de Mariana Darvenne. A atividade pode ser conferida na íntegra no canal da SBPC no YouTube.
Jornal da Ciência