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Aziz Ab’Sáber, geógrafo do Brasil

Pesquisador lutou pelo meio ambiente, pela ciência e pela cultura brasileira

 

Parto do princípio de que as pessoas precisam, em primeiro lugar, entender o que é cultura para depois, entender o que é ciência. Assim, cultura é o conjunto de valores do homem, algo que vem sendo conquistado desde a pré-história até a contemporaneidade. A pesquisa agrega conhecimento à cultura, alimenta a ciência e acelera os processos evolutivos das sociedades
(Aziz Ab’Sáber, março de 2012)

 

 

Quando olhamos para a vastidão verde da Amazônia, para a caatinga resiliente do Nordeste ou para quaisquer outras paisagens morfoclimáticas que compõem a geografia do Brasil, nos lembramos, imediatamente, do legado de um dos mais brilhantes cientistas e intelectuais brasileiros: Aziz Nacib Ab’Sáber.

Nascido em 24 de outubro de 1924, em São Luiz do Paraitinga (SP), Ab’Sáber dedicou quase sete décadas de sua vida ao estudo profundo das paisagens brasileiras. Sua jornada acadêmica iniciou-se aos 17 anos, quando ingressou no curso de Geografia e História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências (FFLC) da USP. Desde cedo mergulhou nas complexidades das paisagens naturais e nos ecossistemas, transformando suas pesquisas numa densa obra rica de conhecimentos que iluminam os caminhos da ciência. De origem humilde, mas contando sempre com ajuda de amigos, ele viajou pelo país inteiro ao longo de sua jornada e estudou o relevo do Brasil de forma sistemática, o que o ajudou a entender melhor a natureza e a sociedade do país. Ele evidenciou e deu luz a conhecimentos sobre o Brasil que até então haviam sido estudadas quase que exclusivamente por geógrafos estrangeiros.

 

“Para Ab’Sáber, a história e a cultura dos povos influenciam os ambientes, percepção que em muito auxiliou na compreensão dos problemas ambientais como resultantes da profunda imbricação entre a natureza e a sociedade humana.”

 

Ab’Sáber nos agraciou com diversos livros sobre as paisagens, sobre os biomas e sobre os impactos da urbanização no quadro natural do país, temas hoje tão em pauta em tempos de mudanças climáticas. Sua contribuição vai muito além dos números – embora suas mais de 350 obras, das quais aproximadamente 50 se debruçam sobre a Amazônia, sejam testemunhas de sua incansável dedicação. Ele foi um dos grandes defensores da Amazônia, e fomentou o desenvolvimento da consciência sobre a importância crucial da preservação e conservação dos recursos naturais como elementos essenciais à vida humana e às sociedades.

“A paisagem é sempre uma herança”, dizia. Para Ab’Sáber, a história e a cultura dos povos influenciam os ambientes, percepção que em muito auxiliou na compreensão dos problemas ambientais como resultantes da profunda imbricação entre a natureza e a sociedade humana. Na sua compreensão os diferentes ambientes devem ser compreendidos pela interação entre elementos de ordem natural (solo, clima, vegetação, relevo, águas) e de ordem social (indústria, cidades, agricultura, economia, política, etc.), sendo que dessa combinação resultam espaços e lugares diversos do Brasil. Tomando por base a combinação entre os elementos do quadro físico-natural das paisagens brasileiras, especialmente a combinação entre o relevo, o clima e os biomas, ele compartimentou o Brasil em seis diferentes Domínios Morfoclimáticos: Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mares de Morros, Araucária e Pradaria; entre eles, ou separando-os no espaço, as Faixas de Transição.

 

“Dizia que a humanidade precisa criar uma nova maneira de agir, tanto ao nível individual quanto ao nível coletivo, e que era preciso desenvolver a consciência ambiental e o cuidado com o planeta.”

 

Defensor incansável do meio ambiente, engajou-se em lutas ambientalistas e batalhas pela preservação e conservação das florestas amazônicas e das caatingas, dentre outras importantes lutadas em defesa da natureza, do meio ambiente e da justiça social. Ele desenvolveu vários trabalhos importantes, como o Projeto Floram, em 1989, que detalhou as possibilidades de reflorestamento de 2,3% do território brasileiro para fins ambientais, sociais e econômicos. Nos últimos anos de sua vida enfrentou dois problemas importantes no Brasil: o projeto de transposição do Rio São Francisco e o projeto de novo código florestal; no primeiro sua preocupação se voltava aos impactos de que essa gigantesca obra poderia trazer para as paisagens e para as populações da região e, no segundo, com a árdua luta que seria necessária travar com a cobiça dos proprietários de terras e a necessária proteção da natureza.

Como professor, Aziz não se limitou a transmitir conhecimento, ele transformou suas décadas de experiência de campo em aulas que ficaram gravadas na memória dos alunos. Sua abordagem poética e prática cativava mentes jovens, inspirando uma nova geração de cientistas e geógrafos a seguirem seus passos. O professor Aziz defendia a educação ambiental, entendendo-a como necessária e dependente da ciência. Ele dizia que a humanidade precisa criar uma nova maneira de agir, tanto ao nível individual quanto ao nível coletivo, e que era preciso desenvolver a consciência ambiental e o cuidado com o planeta, pois em sua visão era importante cuidar do meio ambiente em todas as suas dimensões. Sua visão compreendia a projeção dos homens nos espaços terrestres, herdados da natureza e da história. Seu compromisso com a disseminação da cultura e da ciência para todos era notável, como evidenciado pelo projeto de formação de bibliotecas comunitárias que apoiava.

 

“Aziz Ab’Sáber foi mais do que um cientista, foi um guardião das riquezas naturais do nosso país.”

 

Ao longo de sua carreira, Aziz Ab’Sáber deixou um rastro de conquistas e honrarias. Foi presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) entre 1993 e 1995 e presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), além de membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e diretor do Instituto de Geografia da USP (IGEO/USP), entre outros cargos de destaque. Seu trabalho em geomorfologia, paleogeografia, geologia e estudos urbanos deixou marcas profundas no campo da ciência. Ele atuou de forma brilhante no sentido de pautar as questões ambientais brasileiras no âmbito da política de Estado do Brasil, sendo um baluarte da defesa ambiental e da justiça social posto seu envolvimento com a democracia no país.

Sua presença e seus ensinamentos são muito sensíveis entre nós, mesmo após sua partida em 12 de março de 2012, aos 87 anos. Aziz Ab’Sáber continua vivo nas páginas de seus livros, nas mentes daqueles que tiveram o privilégio de serem seus alunos, na partilha de uma amizade calorosa, e nas florestas que tanto amou e defendeu. Para a Ciência & Cultura, é uma honra prestar essa homenagem a um dos grandes nomes da ciência brasileira. Aziz Ab’Sáber foi mais do que um cientista, foi um guardião das riquezas naturais do nosso país, um mestre inspirador e um defensor incansável do conhecimento e da preservação ambiental.

Francisco de Assis Mendonça

Francisco de Assis Mendonça

Francisco de Assis Mendonça é professor do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), professor visitante da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), e membro do Conselho Consultivo da Cátedra UNESCO para o Desenvolvimento e Meio Ambiente.
Francisco de Assis Mendonça é professor do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), professor visitante da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), e membro do Conselho Consultivo da Cátedra UNESCO para o Desenvolvimento e Meio Ambiente.
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