C&C 3E24 - editorial - capa site

Mudanças climáticas e a transversalidade do conhecimento

Precisamos da ciência integrando todas as áreas do conhecimento para mudar o rumo e construir uma sociedade sustentável.

 

Poucas questões vão ter enorme impacto socioeconômico do que as mudanças climáticas. Elas vão impactar na economia de todos os países, a saúde de todos os seres vivos, a produção de alimentos, e por aí afora. É certamente um tema cientificamente transversal em todas as áreas do conhecimento. A ciência não tem dúvidas quanto ao fato de que as mudanças climáticas estão gerando impactos significativos para o Brasil e para o planeta como um todo. Aumentar a resiliência socioambiental é muito importante. Para além do potencial impacto nos ecossistemas, com boa vontade e governança colaborativa, as mudanças climáticas podem ser vistas como uma oportunidade para transformações socioeconômicas significativas e para agilizar o desenvolvimento tecnológico em diversos setores, incluindo indústria, agronegócio, sistemas de energia, transportes, etc., buscando a transição para uma sociedade mais sustentável. Estamos em plena era do Antropoceno, na qual o homem é um dos principais agentes transformadores. O crescimento da população humana mundial, que poderá alcançar cerca de 10 bilhões de pessoas em 2050, nos coloca frente a um dos maiores desafios do século 21: manter a provisão da qualidade ambiental e possibilitar acesso justo a recursos básicos, como água, alimentos e energia, garantindo a segurança e equidade em um cenário de mudanças climáticas e desigualdades sociais. Somente uma agenda de ciência transversal pode ajudar nesta trajetória.

Estamos observando uma forte aceleração das mudanças climáticas tanto no Brasil como em todo o planeta. Vimos que 2023 foi o ano mais quente dos últimos 125.000 anos. A seca na Amazônia em 2023 foi a mais forte em mais de cem anos, e a seca de 2024 promete ser tão forte quanto a de 2023. Estamos observando chuvas anormalmente intensas de modo muito mais frequentes. Esses eventos climáticos extremos trazem prejuízos enormes à população, principalmente a de baixa renda, e aos ecossistemas. Em julho de 2024, tivemos recordes seguidos de dias mais quentes da história da humanidade. Incêndios florestais no Pantanal brasileiro, além de nos Estados Unidos, na Grécia, em Portugal e muitas outras regiões deixam claro os riscos que nossa sociedade está correndo. As recorrentes secas no Brasil Central estão reduzindo a produtividade agrícola e comprometendo nossa capacidade de produzir alimentos.

 

“A ciência não tem dúvidas quanto ao fato de que as mudanças climáticas estão gerando impactos significativos para o Brasil e para o planeta como um todo.”

 

Temos saída para esta situação de emergência climática? A clara resposta da Ciência é sim. Mas, é evidente que a solução implica mudanças drásticas no atual modelo econômico. Contudo, o sistema como um todo não deixará que as medidas necessárias sejam implementadas. A indústria do petróleo, a indústria do desmatamento, o setor financeiro e a maior parte dos políticos que representam setores que precisam mudar de estratégia não permitirão que o planeta mude de rota para um sistema sustentável. São preciso mudanças fundamentais na maneira que produzimos alimentos, no consumo desenfreado, no desperdício de energia, etc. As mudanças precisam ir desde o nível municipal, passando pelos estados e países, até mudanças na governança global. Não temos um sistema que possa lidar com questões essenciais às sociedades atuais, como a mudança do clima, a paz entre as nações, a luta pela redução das desigualdades e por aí afora.

A forçante climática é um dos aspectos importantes de nosso planeta em mudanças. A humanidade tem uma tarefa fundamental, que é fazer a transição desta nossa atual sociedade insustentável, para um mundo que abrace os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Temos várias questões críticas ao longo de caminhos possíveis para esta transição. A obra tem uma abordagem que foca em cinco aspectos essenciais: 1) Políticas Ambientais e Governança; 2) Diplomacia Ambiental; 3) Ciência e Tecnologia para a Sustentabilidade; 4) Gestão Socioambiental; 5) Propostas Teórico metodológicas.

 

“Eventos climáticos extremos trazem prejuízos enormes à população, principalmente a de baixa renda, e aos ecossistemas.”

 

Nossa sociedade está em um período importante de transição, já que fica claro que o atual modelo socioeconômico está essencialmente falido, tanto do ponto de vista socioeconômico, quanto do ponto de vista ambiental. A superexploração dos recursos naturais de nosso planeta e a visão do maior lucro no menor prazo possível, não importa as consequências sociais ou ambientais, está levando o planeta a uma situação crítica. Vemos tensões sociais aumentando pela enorme desigualdade social. Vemos o aumento de conflitos geopolíticas regionais e globais. E vemos o aumento significativo dos eventos climáticos extremos, como secas intensas e prolongadas, além de chuvas torrenciais, impactando a população mais vulnerável, tanto nas áreas urbanas como em comunidades na Amazônia. As necessidades de políticas públicas de mitigação de emissões e adaptação ao novo clima baseadas em Ciência são urgentes.

O Brasil mostra vulnerabilidades importantes nas áreas ambiental e climática. O observado aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos tem impactado sobremaneira nossa população, a economia, o funcionamento dos ecossistemas, a produção agrícola, a infraestrutura costeira, a disponibilidade de recursos hídricos, entre muitos outros efeitos. Particularmente nas cidades costeiras, a alta densidade populacional, deficiências infraestruturais, altos níveis de poluição, degradação de rios e áreas úmidas, combinados com os efeitos negativos das mudanças climáticas, como elevação do nível do mar e ocorrência de eventos extremos, ameaçam importantes atividades socioeconômicas dependentes dos oceanos, como turismo, pesca e comércio internacional. Outras vulnerabilidades importantes são um agronegócio e a geração de hidroeletricidade dependentes de chuva e clima, e algumas regiões, principalmente o Nordeste, em processo de desertificação. As previsões de redução nas precipitações sobre o território brasileiro, particularmente no Nordeste, Brasil central e Amazônia, devem ser motivos de preocupação sobre como poderemos nos adaptar ao novo clima. A localização tropical, a estrutura socioeconômica fortemente dependente do regime de chuvas, as inadequações urbanísticas e enormes iniquidades sociais fazem do Brasil um país singular, ambientalmente falando. No contexto das mudanças climáticas, esforços de adaptação podem gerar vários benefícios adicionais, como melhoria da produtividade agrícola, inovação, saúde e bem-estar, segurança alimentar, conservação da biodiversidade, bem como redução de riscos e danos.

 

“A superexploração dos recursos naturais de nosso planeta e a visão do maior lucro no menor prazo possível, não importa as consequências sociais ou ambientais, está levando o planeta a uma situação crítica.”

 

As ações de adaptação climática – compreendida como processos de ajustamentos para antecipar impactos adversos das mudanças climáticas que resultam na redução da vulnerabilidade – tendem a ser mais facilmente implementadas e organizadas quando buscam sinergias com políticas, recursos e outras medidas já existentes, incluindo ações visando à sustentabilidade, qualidade de vida e melhoria de infraestrutura.

A Amazônia vive um período da história de desregulamentação de políticas de proteção ambiental e de direitos dos povos originários, além de uma crise de institucionalidade na relação estado e sociedade. Direitos humanos e conquistas federativas duramente conquistados, são desconsiderados e desrespeitados. Tem sido progressiva a decadência da institucionalidade instalada, sobretudo aquelas responsáveis pelo desenvolvimento científico e da educação superior pública federal, em crise de falta de apoio às atividades da ciência e de ensino universitário. Institutos de pesquisa, universidades, unidades e projetos de produção do conhecimento e de desenvolvimento da inovação tecnológica, estão sobressaltadas pela perda de recursos e cortes orçamentários. Considera-se outro cenário em situação favorável ao diálogo da ciência com as sociedades amazônicas. Nesta perspectiva, a Amazônia é um campo privilegiado para o desenvolvimento científico em todas as áreas de conhecimento; e deveria ser priorizada como laboratório de inovação de interdisciplinaridade e sustentabilidade. A região tem potencial de ser um território totalmente orientado pelo conhecimento científico e pela interação empática com saberes e práticas milenares de relação do homem com a natureza. Aquisições essenciais de cidadania, democracia, cooperação internacional e inovação podem ter surpreendentes resultados se experimentados por todos os esforços científicos nacionais na Amazônia brasileira e continental (Pan Amazônia), em todos os campos do conhecimento, a partir de focos de prioridades locais.

Precisamos de Ciência integrando todas as áreas do conhecimento, para mudar o rumo e construir uma sociedade que seja minimamente sustentável. Considerando as questões científicas, de governança, finanças, e novas tecnologias poderemos construir um futuro mais resiliente, sustentável e justo, preservando os serviços ecossistêmicos através de estratégias adequadas de adaptação e mitigação de emissões. Este processo está associado aos ODS, já que temos que atender às necessidades básicas da população (educação, saúde, igualdade de gênero, erradicação da pobreza, fome zero, água limpa e outros) e, ao mesmo tempo, respeitar os limites da disponibilidade dos recursos naturais de nosso planeta. Essas são somente algumas das importantes questões que o Brasil terá que enfrentar, e soluções baseadas em ciência sólida certamente têm mais chances de garantir uma trajetória sustentável a nosso país.

 

Capa. Políticas públicas de mitigação de emissões e adaptação ao novo clima baseadas na ciência são necessárias e urgentes.
(Foto: Jacqueline Lisboa / WWF-Brasil. Reprodução)
Paulo Artaxo

Paulo Artaxo

Paulo Artaxo é professor do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). É membro titular da Academia Mundial de Ciências (TWAS), do INCT Mudanças Climáticas, do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e vice-presidente da SBPC. É coordenador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável da Universidade de São Paulo (CEAS-USP).
Paulo Artaxo é professor do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). É membro titular da Academia Mundial de Ciências (TWAS), do INCT Mudanças Climáticas, do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e vice-presidente da SBPC. É coordenador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável da Universidade de São Paulo (CEAS-USP).
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