Enredo campeão do Carnaval 2025 em Florianópolis homenageia o cientista Fritz Müller
Em março de 2024, recebi uma mensagem do carnavalesco Raphael Soares, responsável pelo enredo da Escola de Samba Consulado, de Florianópolis. O tema do enredo seria Fritz Müller, cientista alemão radicado brasileiro que viveu em Florianópolis e em Blumenau e que, na minha concepção, é o pioneiro da ciência no Brasil. A pauta da conversa: o que não poderia faltar ao se abordar a vida e a obra do pesquisador. No diálogo, emergiram abelhas, borboletas, a embaúba, bromélias e outros elementos fortemente associados às pesquisas de Fritz Müller. Mas também emergiram os elementos menos conhecidos da vida marinha, como caranguejos e águas-vivas, centrais nas pesquisas desenvolvidas por Müller em Florianópolis e que o conectaram, pela ciência e pela amizade, a Charles Darwin.

Figura 1. Desfile da Escola de Samba Consulado, de Florianópolis.
(Foto: Luana Gums. Reprodução)
O diálogo entre arte e ciência não terminou por aí. Prosseguiu, nos dias seguintes, com perguntas mais específicas do carnavalesco: “como eu posso representar um náuplio?” Naquele momento, ficou claro para mim que se desenrolava uma pesquisa aprofundada sobre os elementos naturais estudados por Fritz Müller, e que um desfile muito especial estava sendo preparado pela Escola de Samba. O que eu jamais poderia imaginar é que, meses depois, eu estaria literalmente no meio desse enredo espetacular, na intersecção entre a arte e a ciência, entre abelhas, caranguejos e águas-vivas, vivendo um dos momentos mais marcantes da minha vida.

Figura 2. Desfile da Escola de Samba Consulado, de Florianópolis.
(Foto: Luana Gums. Reprodução)
Na noite do dia 01 de março de 2025, após um ano de preparação e ensaios, o Consulado entrou na passarela Nego Quirido, em Florianópolis, para um desfile histórico. O enredo? O jardim secreto — nos delírios de Fritz Müller! A convite do carnavalesco Raphael Soares, participei dessa festa ao lado de minha filha, Maia, do geógrafo Marcelo Nascimento e de sua esposa, Alessandra, em uma belíssima alegoria adornada com a frase “Jamais negará a Ciência quem vê a verdade em cada evidência”. Do alto da alegoria, ainda na concentração, observamos as alas entrarem na passarela à nossa frente: mais de 1200 pessoas com o empolgante samba enredo na ponta da língua, entoado por Alan Cardozo no ritmo do batuque da Bateria Ordinária do Consulado. A passagem “Em cartas vislumbrei… Evolução! Um príncipe de pés no chão!” era repetido em coro pelos milhares de pessoas presentes na passarela e nas arquibancadas. Na pista, o maestro Raphael Soares regia o espetáculo, auxiliado pelos olhares atentos e pelos sinais precisos da equipe da Harmonia. E assim, o samba do Consulado entrava nos jardins secretos dos delírios de Fritz Müller, em alusão aos momentos finais da vida do pesquisador, quando delirou com bromélias.
Figura 3. Desfile da Escola de Samba Consulado, de Florianópolis.
(Foto: Luana Gums. Reprodução)
Mas o que, afinal, o público presenciou na avenida? Nas alas, centenas de pessoas representando abelhas, bromélias, borboletas, águas-vivas, o náuplio! Nas alegorias: caranguejo, água-viva, a correspondência de Fritz Müller e o livro “Für Darwin” (“Para Darwin”, de autoria de Müller), o próprio Fritz Müller e Charles Darwin! O que vi, imerso de corpo e mente nos quase 70 minutos de desfile, foi uma profusão de cores e movimentos, arte em primeira grandeza, com um rigor científico impecável. O que senti foi uma empolgação indescritível, um hedonismo científico e artístico que jamais esquecerei. E o que ficará dessa experiência é que a ciência tem seu espaço em qualquer esfera da expressão artística e popular.
Figura 4. Desfile da Escola de Samba Consulado, de Florianópolis.
(Foto: Luana Gums. Reprodução)
Ouso dizer que esta foi uma das maiores homenagens já deferidas a um cientista ou a uma cientista no Brasil. Fritz Müller junta-se, assim, a Charles Darwin, tema do enredo da Escola de Samba União da Ilha, no Carnaval do Rio de Janeiro, em 2011. Quanto à beleza do espetáculo, as imagens falam por si só. Termino essa reflexão com meus sinceros agradecimentos ao carnavalesco Raphael Soares – uma das pessoas mais gentis que já tive o prazer de conhecer – e à Escola de Samba Consulado. O que se viu foi de encher os olhos e o que se sentiu jamais se apagará da memória. Viva a Ciência, viva a Arte, viva Fritz Müller!