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Soro antiofídico e o pioneirismo brasileiro

Patente do soro antiofídico foi doada por Vital Brazil ao governo paulista para salvar vidas

 

No dia 10 de maio de 1917, um marco histórico na medicina brasileira foi registrado: o médico sanitarista e primeiro diretor do Instituto Butantan, Vital Brazil, recebeu a patente do soro antiofídico, publicada no Diário Oficial da União. Essa invenção, essencial para a saúde pública, revelou-se tão crucial que o pesquisador decidiu doar a patente ao governo do Estado de São Paulo em agosto do mesmo ano, ampliando assim o acesso ao produto. Sua descoberta de que cada espécie de serpente demandava um soro específico para ser neutralizada foi um avanço significativo no tratamento de picadas de cobras peçonhentas, como documentado no renomado livro “A defesa contra o ofidismo”, lançado seis anos antes.

Desde então, a produção de soros tornou-se um dos pilares do Instituto Butantan, o principal fornecedor desse imunobiológico no Brasil. Anualmente, o instituto entrega ao Sistema Único de Saúde (SUS) mais de meio milhão de unidades de soros contra venenos, toxinas de bactérias e o vírus da raiva, destinados à aplicação gratuita na população. Em 2022, foram distribuídas 556 mil ampolas desses soros, sendo que somente os antivenenos contra venenos de serpentes salvam cerca de 30 mil vidas anualmente. (Figura 1)


Figura 1. Instituto Butantan
(Divulgação)

 

Segundo o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), deter a patente de um produto significa possuir o conhecimento e o direito de impedir terceiros de produzir, usar, vender ou importar tal produto, ou processo sem consentimento. Após 20 anos, a invenção se torna pública, mas o detentor pode conceder licenças de patente a terceiros antes do vencimento, geralmente mediante remuneração.

Ao doar sua invenção ao governo paulista, Vital Brazil abriu mão do direito exclusivo sobre o produto, permitindo a descentralização da produção do soro e facilitando sua ampla e gratuita distribuição para a população brasileira. Além do Butantan, outras instituições, como o Instituto Vital Brazil no Rio de Janeiro e a Fundação Ezequiel Dias em Minas Gerais, passaram a produzir os antivenenos. (Figura 2)


Figura 2. Vital Brazil
(Reprodução)

 

Os benefícios dos feitos de Vital não se limitam ao Brasil: o soro antiofídico é atualmente produzido em mais de 30 países, em 46 laboratórios ao redor do mundo. Adicionalmente, o Butantan exporta ampolas para países como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Colômbia, Panamá, Bermudas, República Dominicana, Trinidade e Tobago, Chile e Alemanha.

Anualmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) registra cerca de 3 milhões de casos de acidentes com cobras venenosas, resultando em aproximadamente 138 mil mortes. Considerando esses números alarmantes, a OMS tem como meta reduzir pela metade as mortes relacionadas a esses acidentes até 2030, classificando o problema como uma doença tropical negligenciada.

 

História

A trajetória dos soros antiofídicos no Butantan remonta a 1899, quando Vital Brazil, médico visionário, iniciou estudos aprofundados sobre cobras e seus venenos. Sua pesquisa no laboratório do Instituto Serumtherápico do Estado de São Paulo, mais tarde conhecido como Instituto Butantan em 1901, resultou nos primeiros soros específicos contra venenos das serpentes Crotalus e Bothrops. Vital revolucionou a ciência ao compreender e compartilhar o princípio da especificidade do soro antiofídico, doando posteriormente essa descoberta ao governo brasileiro.

A história desse cientista pioneiro não começou do zero, pois ele se baseou nos trabalhos dos franceses Césaire Philalix e Gabriel Bertrandt em 1894, que indicaram a possibilidade de neutralizar toxinas com antitoxinas extraídas do sangue de animais imunizados contra venenos específicos. No entanto, Vital Brazil desde cedo demonstrou que a tese de um soro único para todos os venenos de serpentes não era verídica. Seu debate científico com Albert Calmette, que também pesquisava soros antiofídicos, resultou no reconhecimento internacional da especificidade do veneno e dos soros. (Figura 3)


Figura 3. Vital Brazil extrai veneno de cobra junto com um assistente
(Foto: Museu Casa de Vital Brazil. Reprodução)

 

Atualmente, apesar dos avanços, os casos de picadas de cobras ainda representam um desafio de saúde pública. Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde mostram um aumento nos casos de acidentes com serpentes, aranhas e escorpiões no Brasil. O trabalho de Vital Brazil e o legado do Instituto Butantan continuam a ser fundamentais na pesquisa, produção e distribuição de soros antiofídicos, salvando vidas e contribuindo para a saúde pública não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.

Capa. Vital Brazil desenvolveu o soro antiofídico, essencial para a saúde pública
(Foto: Museu Casa de Vital Brazil. Reprodução)
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