Perspectivas de aumento de transporte e mineração reforçam alerta sobre contaminação de seres humanos
No verão de 2016, um surto de antraz na remota Península de Yamal, na Sibéria, deixou um rastro preocupante. Uma bactéria adormecida há décadas no pergelissolo — a camada permanentemente congelada do solo — ressurgiu devido a temperaturas excepcionalmente altas, matando mais de 2,5 mil renas e infectando humanos. Um menino de 12 anos morreu, e dezenas de pessoas adoeceram, evidenciando os riscos crescentes de micróbios antigos libertados pelo aquecimento global.
Especialistas acreditam que este episódio é apenas um prenúncio do que pode vir. À medida que o Ártico aquece quatro vezes mais rápido que o restante do planeta, cientistas alertam sobre a possível liberação de vírus e bactérias há séculos presos no gelo. Segundo a cientista-chefe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Andrea Hinwood, “há razões para se preocupar”, embora a extensão desse perigo ainda seja incerta.
Bilhões de micróbios em risco de ressurgir
Um estudo recente publicado na Environmental Sustainability estima que quatro sextilhões de micróbios — um número com 21 zeros — são liberados anualmente devido ao degelo do pergelissolo. Os corpos de animais do Ártico mortos há séculos, como os de renas em cemitérios antigos, podem abrigar patógenos adormecidos, prontos para ressurgir em condições ideais.
O caso de 2016, atribuído a um cemitério de renas infectadas por antraz há mais de 70 anos, ressalta os riscos. Hinwood destaca que, embora a transmissão de patógenos entre humanos e animais não seja um fenômeno novo, o Ártico representa um cenário inédito para esse tipo de ameaça.
Impactos além da saúde pública
Os perigos do degelo do pergelissolo não se limitam à saúde. A camada contém cerca de 1,5 mil gigatoneladas de carbono — o dobro da quantidade já presente na atmosfera. Com o derretimento, esse carbono é liberado na forma de dióxido de carbono e metano, gases que intensificam o aquecimento global, criando um ciclo potencialmente catastrófico.
Ao mesmo tempo, o Ártico está se tornando mais acessível para atividades como transporte marítimo e mineração, colocando mais pessoas próximas aos micróbios do pergelissolo. “Estamos vendo uma mudança completa no uso da terra no Ártico, e isso pode ser perigoso”, alerta Hinwood.
Monitoramento e ações globais
Para mitigar os riscos, o Pnuma defende a redução drástica das emissões de gases de efeito estufa e o monitoramento contínuo do recuo do pergelissolo. Além disso, cientistas sugerem mapear os tipos de micróbios presos no gelo para antecipar possíveis surtos.
Essas ações são destacadas no relatório Navigating New Horizons, elaborado pelo Pnuma em parceria com o Conselho Internacional de Ciência. O documento explora desafios emergentes para a saúde planetária e o bem-estar humano, incluindo a ameaça dos micróbios congelados.
Com o avanço das mudanças climáticas, a necessidade de agir torna-se urgente. Como conclui Hinwood, “o melhor que podemos fazer é usar as ferramentas e a ciência disponíveis para gerar informações e enfrentar os desafios que estão por vir”.
Com informações de ONU News