No coração de Campinas, a mais avançada fonte de luz síncrotron do Hemisfério Sul revela desde a estrutura de vírus até os mistérios das plantas – e coloca o Brasil na vanguarda da ciência global
Imagine uma luz tão intensa que pode atravessar materiais sólidos e revelar suas estruturas atômicas, suas reações químicas em tempo real e até os processos microscópicos que ocorrem nas raízes das plantas ou dentro de uma célula cancerosa. Essa luz existe — e brilha em Campinas (SP), no coração do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), onde opera o Sirius, uma das fontes de luz síncrotron mais avançadas do mundo.

Figura 1. Fonte LNLS. Reprodução
Projetado e construído no Brasil, com financiamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o Sirius representa o ápice de mais de três décadas de desenvolvimento técnico-científico acumulado por engenheiros, físicos e pesquisadores brasileiros. Desde sua concepção, o projeto foi um esforço estratégico para inserir o país na fronteira da ciência internacional — e criar, aqui mesmo, uma infraestrutura científica capaz de enfrentar os grandes desafios do século XXI.
O que é luz síncrotron — e por que ela importa?
Luz síncrotron é um tipo de radiação eletromagnética gerada quando elétrons acelerados quase à velocidade da luz são desviados por campos magnéticos. O resultado é uma radiação altamente brilhante e rica em informações, que se estende dos raios infravermelhos aos raios X. Ela permite observar a matéria em nível atômico, acompanhar reações químicas em tempo real e em condições realistas — como altas pressões e temperaturas — e estudar desde a estrutura de vírus até o comportamento de solos agrícolas.
“O Sirius representa o ápice de mais de três décadas de desenvolvimento técnico-científico acumulado por engenheiros, físicos e pesquisadores brasileiros.”
Com 518 metros de extensão, o anel principal do Sirius abriga um acelerador de elétrons de 3 GeV e uma complexa rede magnética projetada para atingir uma emitância ultrabaixa. Isso o coloca entre as fontes de luz síncrotron mais brilhantes do planeta. E o mais impressionante: quase toda a tecnologia foi desenvolvida no Brasil.
Um laboratório para o Brasil — e para o mundo
O LNLS integra o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), uma organização social que reúne quatro laboratórios nacionais e abriga, ainda, a Ilum Escola de Ciência, uma iniciativa de formação acadêmica de excelência com foco na interdisciplinaridade.
Aberto à comunidade científica brasileira e internacional, o LNLS permite que pesquisadores de diversas áreas utilizem suas instalações, mesmo que não tenham experiência prévia com luz síncrotron. Atualmente, o Sirius conta com seis linhas de luz em operação, de um total planejado de 14, com possibilidade de expansão para até 38. Nessas estações experimentais, diferentes grupos de pesquisa trabalham simultaneamente, 24 horas por dia.
Ciência de fronteira com impacto direto
As possibilidades de aplicação do Sirius são praticamente ilimitadas. Na agricultura, por exemplo, ele ajuda a entender como nutrientes e poluentes se movimentam e se transformam no solo — conhecimento essencial para o desenvolvimento de fertilizantes mais eficientes e sustentáveis. Em saúde, permite desvendar a estrutura de moléculas relacionadas a doenças, como a malária, e acelerar a descoberta de novos medicamentos. No campo dos materiais, é uma ferramenta poderosa para desenvolver catalisadores industriais, componentes eletrônicos, plásticos mais leves e resistentes, e tecnologias para a energia renovável.

Figura 2. Fonte LNLS. Reprodução
Em áreas críticas como o combate ao câncer, o Sirius permite investigar nanopartículas que carregam medicamentos diretamente até células doentes, prometendo tratamentos mais eficazes e menos agressivos. No setor de energia, a luz síncrotron contribui para transformar biomassa em combustíveis limpos e estudar a viabilidade de processos mais sustentáveis para o refino de petróleo e a captura de carbono.
Uma nova etapa da ciência brasileira
Desde o fim dos anos 1990, o Brasil já contava com a UVX, a primeira fonte de luz síncrotron do Hemisfério Sul. Mas com o Sirius, o país salta de patamar e assume uma posição de destaque global. Isso se deve não apenas ao equipamento em si, mas ao modelo adotado: um centro aberto, colaborativo, de excelência técnica e com um forte compromisso com a formação de pessoas.
“Sua construção contou com ampla participação da indústria nacional, e a capacitação local reduziu custos e garantiu autonomia no desenvolvimento, manutenção e atualização dos sistemas.”
O Sirius é também uma aposta na soberania científica e tecnológica. Sua construção contou com ampla participação da indústria nacional, e a capacitação local reduziu custos e garantiu autonomia no desenvolvimento, manutenção e atualização dos sistemas. O domínio das tecnologias envolvidas não só qualifica o Brasil como ator relevante no cenário internacional, como gera oportunidades para o setor produtivo nacional.


