No Dia Internacional dos Povos Indígenas, a ONU propõe um debate global sobre soberania alimentar, preservação das línguas originárias e o direito à autodeterminação como caminhos essenciais para o futuro do planeta.
Celebrado em 9 de agosto, o Dia Internacional dos Povos Indígenas é mais do que uma data simbólica. É um chamado global à escuta, ao respeito e à ação. Em 2025, o tema definido pelo Fórum dos Povos Indígenas no FIDA (Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola) — “O direito à autodeterminação dos povos indígenas: um caminho para a segurança e soberania alimentar” — reforça uma pauta urgente: os povos indígenas não são apenas vítimas das crises climática e alimentar, mas agentes fundamentais para enfrentá-las.
Com cerca de 476 milhões de pessoas vivendo em mais de 90 países, os povos indígenas representam menos de 6% da população mundial, mas falam mais da metade das línguas vivas do planeta e detêm vastos conhecimentos sobre agricultura, biodiversidade e adaptação ecológica. Em tempos de colapso ambiental, não há futuro sustentável sem o reconhecimento da autonomia, dos saberes e dos direitos dessas populações.
Autodeterminação e soberania alimentar: o que está em jogo
O direito à autodeterminação — reconhecido pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas — garante que essas comunidades possam decidir livremente sobre seus modos de vida, uso dos territórios e recursos naturais. No entanto, esse direito ainda é sistematicamente ameaçado por políticas extrativistas, desmatamento, megaprojetos e mudanças climáticas.
“Onde os povos em isolamento vivem, a floresta se mantém em pé. Proteger suas terras é proteger o futuro do planeta.”
A relação profunda entre cultura e alimentação é um dos pilares dessa luta. Em muitas regiões, os povos indígenas praticam formas de agricultura sustentável — como a agrofloresta e a rotação de culturas — que preservam o solo, protegem a biodiversidade e garantem uma alimentação diversificada e nutritiva. São práticas resilientes, transmitidas de geração em geração, que enfrentam desafios crescentes: insegurança alimentar, erosão cultural, conflitos fundiários e eventos climáticos extremos.
Soberania alimentar, nesse contexto, não é apenas ter comida no prato — é ter o controle sobre o que se planta, como se cultiva e para quem se destina.
Povos em isolamento: os guardiões invisíveis da floresta
Em 2024, o tema escolhido pela ONU — “Proteger os direitos dos Povos Indígenas em Isolamento Voluntário e Contato Inicial” — trouxe à tona uma realidade pouco conhecida: cerca de 200 grupos indígenas vivem de forma voluntária afastados do mundo exterior, em florestas ricas em biodiversidade na América do Sul, Ásia e Oceania. No Brasil, Peru, Colômbia e Bolívia, essas comunidades habitam áreas remotas da Amazônia e têm sua sobrevivência diretamente atrelada à integridade do território.

Figura 1. Ticunas
(Foto: FAPEAM. Reprodução)
Para esses povos, qualquer contato externo pode ser letal — não apenas por choques culturais, mas pelo risco de contaminação por doenças comuns no restante da população, para as quais não possuem imunidade. Ainda assim, suas terras seguem ameaçadas por empreendimentos ilegais de mineração, agronegócio e turismo predatório.
A proteção desses grupos não é apenas uma questão de direitos humanos. É também uma questão ecológica: onde os povos em isolamento vivem, a floresta se mantém em pé.
Línguas indígenas: patrimônio em risco
Outro ponto central da agenda indígena global é a preservação das línguas originárias. A ONU declarou o período de 2022 a 2032 como a Década Internacional das Línguas Indígenas, reconhecendo que aproximadamente 40% das línguas do mundo — a maioria delas indígenas — correm risco de extinção. Quando uma língua desaparece, perdem-se também cosmovisões, conhecimentos medicinais, formas de manejo da terra e histórias milenares.
“Quando uma língua indígena desaparece, o mundo perde mais do que palavras — perde formas de viver, curar, cultivar e imaginar.”
A Unesco, responsável por coordenar os esforços da Década, destaca que valorizar as línguas indígenas é essencial para promover o desenvolvimento sustentável, a justiça climática e a reconciliação entre culturas.
Mais que vítimas, protagonistas da transformação
Os povos indígenas têm sido, historicamente, marginalizados em seus próprios territórios. Sofrem com a pobreza extrema, exclusão política, violência e perda de direitos. No entanto, como afirmou a Unesco em mensagem oficial, esses povos são também “atores da mudança, guardiões dos recursos naturais e portadores de visões de mundo únicas”.

Figura 2. Terenas
(Foto: MAE-USP. Reprodução)
Proteger seus direitos é garantir ao mundo um futuro mais diverso, justo e sustentável. Isso significa ir além do reconhecimento formal e adotar medidas concretas para apoiar sua autodeterminação, preservar suas línguas e valorizar seus sistemas alimentares e territoriais.
Um chamado coletivo
O Dia Internacional dos Povos Indígenas é uma data de reflexão, mas sobretudo de compromisso. À medida que o mundo se prepara para a COP30, que será realizada em novembro de 2025 em Belém (PA), as vozes dos povos indígenas — em especial da Amazônia — devem estar no centro das decisões sobre clima, biodiversidade e segurança alimentar. Não se trata apenas de ouvir. Trata-se de aprender com quem, há milênios, já pratica uma forma de sustentabilidade enraizada na convivência com a terra e no respeito à vida.


