A teoria do Big Bang, desenvolvida a partir dos anos de 1950, obteve grande sucesso. Ela conseguiu explicar três importantes descobertas: a expansão do Universo, a produção nos seus primeiros minutos de núcleos atômicos de elementos leves, principalmente hélio e deutério, e a existência da radiação cósmica de fundo, detectada pela primeira vez em 1967.
No entanto, apesar deste triunfo na descrição dos dados observacionais, alguns físicos teóricos estavam insatisfeitos com aspectos destes dados que não eram bem justificados pela teoria. Em particular, dois problemas foram identificados com a teoria do Big Bang na década de 1970, denominados de problema da planura e o problema do horizonte.
O problema da planura, como o nome indica, está relacionado ao fato de que medidas na época apontavam para um Universo próximo de ser plano. A geometria do espaço no Universo não precisa ser necessariamente plana: o Universo pode ter uma curvatura positiva (sendo uma esfera finita, como preferido por Albert Einstein em 1917) ou negativa (sendo infinito com a forma semelhante a uma sela de cavalo). Einstein e o astrônomo holandês Willem de Sitter, em um trabalho conjunto de 1932, propuseram o modelo mais simples de um Universo compatível com observações da época: plano e com curvatura nula. O problema da planura decorre do fato que a evolução do Universo tende a amplificar rapidamente qualquer curvatura. A única maneira de explicar as observações de um Universo atual com uma curvatura pequena, mas finita, era postular que no passado essa curvatura deveria ser incrivelmente próxima a ser plana. Na teoria do Big Bang, não havia uma explicação plausível de por que isso aconteceria.
“Pode-se dizer que o processo inflacionário foi o próprio evento inicial do Big Bang.”
O problema do horizonte está relacionado à uniformidade da radiação cósmica de fundo. Podemos ilustrar esse problema com a seguinte analogia. Imaginem 1000 pessoas fazendo café com leite. Caso essas pessoas não tenham conversado entre si e combinado de usar as mesmas proporções de café e leite na mistura, ao final cada xícara de café com leite será um pouco diferente uma da outra. Somente se as 1000 pessoas tiverem tempo de conversar e combinarem entre si de usar as mesmas proporções, as xícaras seriam parecidas. A radiação cósmica de fundo que observamos hoje foi produzida quando o Universo era muito jovem, cerca de apenas 380.000 anos depois do Big Bang. Simplesmente não houve tempo para que regiões afastadas entrassem em contato através de processos físicos de maneira a compartilharem (ou, na analogia, combinarem) da mesma temperatura. Como a velocidade da luz é a maior velocidade com a qual processos físicos podem se comunicar, existe uma distância máxima, conhecida como horizonte, dentro da qual pode haver um contato. O horizonte correspondente à época em que a radiação de fundo foi gerada corresponde hoje a um tamanho muito pequeno no céu, de cerca de 1 grau (correspondendo a cerca de duas luas cheias). Regiões no céu separadas por mais de 1 grau hoje não tiveram “tempo de conversar” quando o Universo tinha 380.000 anos. Portanto, não há uma justificativa na teoria do Big Bang para essas regiões terem a mesma temperatura, com minúsculas variações, como observado pelo satélite COBE no início dos anos de 1990 e diversos experimentos posteriores. Este é o problema do horizonte.
Esses problemas preocupavam a comunidade de cosmólogos quando, em 1981, o físico estadunidense Alan Guth propôs uma engenhosa solução.[1] Ele introduziu uma modificação na teoria do Big Bang original que provoca uma fase de rápida e enorme expansão do espaço, ocorrendo apenas nos primeiros instantes do Universo. Guth chamou sua ideia de Universo inflacionário.
A Figura 1 ilustra o efeito da expansão na curvatura. Uma expansão rápida do Universo resulta em curvaturas menores e um observador verá um Universo cada vez mais plano quanto maior for a expansão. Imagine um balão inflando: uma formiga na superfície do balão medirá seu entorno como plano quanto maior for o raio do balão. Essa é também a razão pela qual a Terra parece ser plana para nós: seu raio de curvatura, de cerca de 6000 km, é muito maior que as escalas a que estamos acostumados a enxergar.

Figura 1: Ilustração de como a fase inflacionária resolve o problema da planura. As partes de círculos com diferentes curvaturas correspondem a diferentes valores de seus raios, mostrando como uma rápida expansão resulta em curvaturas menores medidas por um observador local.
(Reprodução)
A expansão inicial no modelo de Universo inflacionário é tão intensa que ela prevê que a curvatura do Universo deve ser muito próxima de nula. Isso não era bem o resultado observado na década de 1980, mas medidas precisas atuais indicam que, dentro das incertezas experimentais, de fato o Universo é plano. Um sucesso para o modelo inflacionário!
O problema do horizonte também é resolvido pela existência da fase inflacionária do Universo. Essencialmente, o que ocorre é que uma pequena região dentro de um horizonte e, portanto, com temperatura uniforme, é expandida através do processo inflacionário de modo a englobar todo o Universo observável. A Figura 2 ilustra esse processo. Desse modo, o modelo inflacionário explica de um modo natural a homogeneidade e isotropia observada na radiação cósmica de fundo. No entanto, essa explicação requer um fator de expansão colossal, maior que 1026. Para se ter uma ideia do que isso significa, nesse processo inflacionário, 1 cm seria transformado em 1026 cm, cerca de 1 milhão de anos-luz, em uma fração muito pequena de tempo. Algo difícil de imaginar.

Figura 2: Ilustração de como a fase inflacionária resolve o problema do horizonte. No caso do Universo inflacionário os fótons da radiação cósmica de fundo são originados de um mesmo horizonte.
(Reprodução)
Mas o que poderia causar a inflação cósmica? Não sabemos ao certo, mas existem muitos modelos diferentes propostos por físicos teóricos depois do trabalho pioneiro de Guth. Esses modelos estão sendo testados por observações cada vez mais precisas e alguns já tiveram que ser descartados.
Os modelos inflacionários mais simples, começando por aquele introduzido por Guth, são baseados na existência dos chamados campos escalares. Campos escalares descrevem partículas elementares chamadas de bósons. A famosa partícula de Higgs, descoberta no laboratório CERN em 2012, é um bóson. No caso da inflação, postula-se a existência de um bóson hipotético, que na literatura científica é chamado de inflaton. Durante o processo inflacionário, toda a energia do Universo é armazenada no campo do inflaton, causando a expansão rápida no início do Universo.
O efeito do campo do inflaton é muito parecido ao efeito provocado pela constante cosmológica, que hoje parece ser responsável por outra época de expansão acelerada do Universo. Porém, há importantes diferenças. A maior delas é que a fase inflacionária do Universo deve terminar rapidamente. A expansão inflacionária resulta em uma rápida diluição de toda a matéria e radiação. O Universo inflacionário torna-se rapidamente vazio de matéria e frio (sem radiação). Toda sua energia está armazenada no campo do inflaton. Nos modelos inflacionários aceitáveis, a fase inflacionária ocorreu entre 10-35 e 10-32 segundos e termina após o Universo multiplicar seu tamanho inicial ao menos pelo fator de 1026 mencionado anteriormente, com a energia no campo do inflaton sendo transferida para criar novamente matéria e radiação após o término da inflação.
Esse processo de transferência é conhecido como reaquecimento do Universo. Após o reaquecimento, sua evolução volta a ser descrita pela bem-sucedida teoria do Big Bang. De fato, pode-se dizer que o processo inflacionário foi o próprio evento inicial do Big Bang. O modelo inflacionário não descarta a teoria do Big Bang, mas a complementa, justificando as condições de planura e homogeneidade observadas. A Figura 3 ilustra o efeito da inflação no comportamento do tamanho do Universo observável em função de sua idade.

Figura 3: Ilustração da evolução do tamanho do Universo (em metros) com o tempo (em segundos), mostrando a diferença entre o modelo do Big Bang (em azul) e a inflação (em roxo).
(Reprodução)
A proposta do modelo inflacionário provocou uma pequena revolução na cosmologia. Imediatamente após o trabalho de Guth, vários grupos passaram a trabalhar com essa nova ideia ou paradigma, estudando diferentes modelos e suas consequências. Esses estudos levaram a um bônus inesperado — a descoberta de que modelos inflacionários poderiam também explicar a origem das pequenas flutuações observadas na radiação cósmica de fundo. Elas são as sementes das grandes estruturas que observamos hoje no Universo. Em última instância, a inflação explica por que existimos. Afinal, se o Universo fosse exatamente homogêneo, não haveria como gerar as galáxias, estrelas e planetas que observamos! Ele simplesmente permaneceria homogêneo para sempre.
Como em geral ocorre quando uma nova boa ideia aparece na Física, a comunidade logo passa a escrutiná-la até suas últimas consequências. No caso da inflação, não foi diferente. O trabalho de Guth motivou estudos mais detalhados sobre as implicações de modelos inflacionários.
O próprio Guth já havia apontado problemas em seu modelo. Um deles era o de encontrar um mecanismo satisfatório para terminar a fase inflacionária. Outro problema era o de entender e estimar quantitativamente as flutuações quânticas produzidas durante a inflação. Ambos foram solucionados em pouco tempo. Antes de continuar, vamos explicar melhor o que são flutuações.
Imagine um oceano calmo visto de cima a uma altura de 100 metros. Vê-se um oceano uniforme, igual em qualquer lugar. Apenas quando o observador desce a uma altura da ordem de 1 metro, ele começa a perceber que existem pequenas ondas no oceano, ou seja, em alguns lugares a água é mais alta e em outros mais baixa, como ilustrado na fotografia da Figura 4.

Figura 4: Pequenas ondas no Mar Adriático
(Fonte: Foto do autor. Reprodução)
Guth havia estudado o campo do inflaton assumindo-o uniforme no espaço. Era imperativo estudar suas flutuações. Mas qual é a causa das flutuações? No caso do oceano, as pequenas ondas são formadas pela ação do vento. No caso do campo do inflaton, as flutuações são geradas por efeitos da Física Quântica.
Na Física Quântica, que descreve fenômenos em escalas microscópicas, existe uma incerteza inerente. Diferentemente da Física Clássica, a qual estamos mais acostumados, não é possível prever com certeza o movimento de corpos. Tampouco é possível prever a posição de um corpo com exatidão. Essa é a essência do chamado Princípio da Incerteza, formulado pelo físico alemão Werner Heisenberg em 1927, no início do desenvolvimento da Física Quântica. Esta descreve com precisão a probabilidade de se encontrar o corpo em uma certa posição, mas sem a certeza de lá encontrá-lo. Esta incerteza quântica é a causa das flutuações no campo do inflaton. Portanto, elas são chamadas de flutuações quânticas.
Vários pesquisadores começaram a estudar o efeito das flutuações quânticas em modelos inflacionários. Entre eles, o famoso físico britânico Stephen Hawking, um especialista nesses efeitos. Hawking já havia demonstrado que as flutuações quânticas levam à incrível conclusão que buracos negros não são tão negros assim, podendo emitir uma radiação que ficou conhecida como radiação Hawking, ainda não detectada.
Os pesquisadores envolvidos com esse problema na época usavam diferentes métodos para estudar as flutuações quânticas no campo do inflaton durante o processo inflacionário no início do Universo e chegavam a conclusões díspares. Foi então que Hawking organizou uma reunião na Universidade de Cambridge, onde trabalhava, para que esses pesquisadores pudessem discutir o assunto. Após três semanas de intenso trabalho em junho e julho de 1982, chegou-se a um consenso de como calcular esse efeito. O resultado foi extraordinário.[2]
“Em última instância, a inflação explica porque nós existimos. Afinal, se o Universo fosse exatamente homogêneo não haveria como gerar as galáxias, estrelas e planetas que observamos.”
Mostrou-se que o modelo original de Guth produzia flutuações muito grandes — verdadeiros tsunamis — e que, portanto, contrariava as observações. O modelo foi então descartado, mas novos modelos foram propostos que não apresentavam os problemas do modelo de Guth. Esses modelos foram chamados de “nova inflação”. Na nova inflação, as flutuações quânticas são da intensidade apropriada para produzir as sementes que, bilhões de anos depois na história do Universo, cresceram e deram origem às galáxias, estrelas e planetas — e eventualmente a todos nós.
Atualmente, há centenas de modelos diferentes para descrever o processo inflacionário no início do Universo. Estes modelos estão sendo testados com medidas cosmológicas de grande precisão.
Outra consequência fascinante das flutuações quânticas dos modelos inflacionários é a produção de ondas gravitacionais, que nada mais são que flutuações no espaço, durante a fase inflacionária. Estas são denominadas de ondas gravitacionais primordiais, para distingui-las de ondas gravitacionais produzidas bilhões de anos depois, como as decorrentes de colisões de buracos negros detectadas pela primeira vez em 2015. A detecção de ondas gravitacionais primordiais seria uma prova irrefutável do paradigma inflacionário. Infelizmente, sua intensidade hoje é muito pequena, e os instrumentos atuais, como o LIGO, não conseguirão identificá-las. Temos que esperar algumas décadas para que novos instrumentos mais sensíveis entrem em operação.
No entanto, as ondas gravitacionais primordiais causam uma distorção característica na radiação cósmica de fundo (conhecida como “modo B”). Uma grande polvorosa tomou conta da comunidade quando, em 2014, um experimento alegou ter detectado essas distorções. Infelizmente, mostrou-se em seguida que as distorções medidas eram produzidas por outro mecanismo totalmente diferente, causado simplesmente pela presença de poeira. Mas a busca por essas distorções continua com experimentos mais sensíveis que ajudam a testar os diferentes modelos inflacionários, muitos dos quais já descartados pelas observações, pois produziriam distorções muito grandes.
Outro tema atual de pesquisa consiste em explorar a natureza estatística das flutuações produzidas durante a inflação. Apesar das incertezas inerentes à Física Quântica, esta prevê com precisão a probabilidade de ocorrência das flutuações quânticas. O modelo mais simples de probabilidade, conhecido como probabilidade Gaussiana, é completamente descrito com apenas dois parâmetros, denominados média e variância. Nos modelos inflacionários mais simples, as flutuações obedecem a uma probabilidade Gaussiana com grande precisão e isso é confirmado atualmente pelas medidas cosmológicas. No entanto, os testes continuam sendo realizados e qualquer desvio que seja detectado seria indício da necessidade de modelos inflacionários mais complexos.
“Por mais incrível que possa parecer, provavelmente somos frutos de flutuações quânticas microscópicas que ocorreram próximo ao início do Universo.”
Finalmente, não posso deixar de mencionar que os modelos inflacionários motivaram a ideia do chamado multiverso. Diferentes regiões desconexas no início do Universo podem ter passado por fases inflacionários, levando à criação de muitos universos distintos e sem contato causal. Mesmo as leis da Física poderiam ser diferentes nesses diferentes universos. Nosso universo observável pode ser apenas um entre infinitos universos possíveis.
Em resumo, o paradigma inflacionário, embora não comprovado diretamente, soluciona os problemas da planura e do horizonte que aparecem na teoria do Big Bang e, além disso, provê as sementes microscópicas que posteriormente darão origem às grandes estruturas no Universo. Hoje, este paradigma, proposto nos anos de 1980, faz parte de qualquer livro-texto de cosmologia moderna. A possível descoberta de distorções na radiação cósmica de fundo causadas por ondas gravitacionais primordiais previstas por modelos inflacionários seria uma comprovação deste paradigma digna de um prêmio Nobel. Isso pode acontecer nos próximos anos, quando novos instrumentos para estudar a radiação cósmica de fundo entrarão em operação. Por mais incrível que possa parecer, provavelmente somos frutos de flutuações quânticas microscópicas que ocorreram próximo ao início do Universo.
A inflação completa a teoria do Big Bang e é um dos pilares do chamado Modelo Cosmológico Padrão, hoje aceito pela comunidade como o mais adequado para descrever o nosso Universo.