Uma nova ameaça paira sobre a comunidade científica brasileira. O Ministério da Economia anunciou um bloqueio de cerca de R$ 8,2 bilhões no orçamento de 2022 de vários ministérios, incluindo o de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), no dia 31 de maio. Dos R$ 8,2 bilhões imobilizados, R$ 2,9 bilhões correspondem à ciência, equivalendo a 42% do orçamento do MCTI para este ano.
O valor foi confirmado oficialmente pela Secretaria-Geral da Presidência da República, alegando que a ação é para “garantir o cumprimento do Teto de Despesas”. O Teto é, na prática, um regime tributário introduzido em 2016 por uma emenda constitucional que estabelece limites de gastos, reajustados anualmente pela inflação, para diversos segmentos do governo por 20 anos.
Cortes
Do corte de R$ 2,9 bilhões do MCTI, R$ 2,5 bilhões correspondem a um bloqueio no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que compõe o orçamento anual do MCTI. Criado em 1969, o FNDCT canaliza investimentos em instituições de pesquisa, empresas e projetos especiais com temas prioritários para ciência e tecnologia no Brasil.
O anúncio oficial, porém, não surpreendeu as entidades científicas brasileiras, que souberam do bloqueio alguns dias antes. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) emitiu uma nota de repúdio no dia 27 de maio.
Na nota assinada pelo presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, consta que a manobra governamental é ilegal porque a utilização dos recursos do FNDCT é garantida pela Lei Complementar 177 de 2021. Esta lei estabelece que o dinheiro do fundo não pode ser restringido, e constitui uma garantia de proteção contra possíveis bloqueios e contingências, que vinham ocorrendo ano após ano desde 2016 e foram motivo de intensa luta por parte da comunidade científica para que os recursos poderiam ser que eles poderiam usar.
“O corte de recursos comunicado pela Secretaria de Orçamento do Ministério da Economia ao MCTI reduz para menos da metade o valor aprovado pelo Congresso Nacional para o FNDCT em 2022, de R$ 4.527.830.563,00 (US$ 940 milhões). Também representa uma queda de 44,76% nos recursos do fundo de ciência em relação ao orçamento divulgado em 2021”, alerta Ribeiro na carta.
Comentando a situação ao SciDev.Net, o ex-presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, membro do conselho da Sociedade, detalha que os recursos do Fundo costumam ser mais destinados à infraestrutura e instituições. “O fundo tem ajudado ao longo de décadas na infraestrutura de instituições de pesquisa, na criação de laboratórios, projetos robustos de C&T, apoio a parques tecnológicos e inovação nas empresas. Ao contrário dos recursos, por exemplo, do CNPq, que são mais voltados para o financiamento direto de pesquisadores”, destaca.
Segundo Moreira, cerca de R$ 2 bilhões de recursos do FNDCT já foram comprometidos para este ano, ou seja, recursos já reservados para fazer um pagamento planejado. Com a decisão do governo, os recursos restantes dos planejados R$ 4,5 bilhões (US$ 940 milhões) estão bloqueados. “Na minha opinião, é uma decisão que já começou a violar a Constituição brasileira, o artigo 218, que diz que a pesquisa básica e tecnológica são de responsabilidade do Estado e são prioritárias. A redução drástica do orçamento de pesquisa de um ano para o outro pela metade não é um tratamento prioritário”, diz.
* Com informações de SciDev.Net