Determinação da latitude medindo a altura meridiana do Sol

Depois da tomada em 1415 de Ceuta (hoje, uma pequena ponta pertencente à Espanha no norte de Marrocos, junto ao Gibraltar), num bem sucedido ataque contra os muçulmanos, o infante D. Henrique se entusiasmou com a ideia de expandir o mundo cristão e explorar as riquezas encontradas na África em benefício de Portugal. Novos conhecimentos náuticos foram se acumulando, à medida que as viagens junto à costa ocidental da África se aventuravam cada vez mais ao sul.

Mas, as incursões ao sul traziam um problema: persistentes ventos contrários na viagem de volta. Todavia isso ensinaria aos portugueses o método astronômico de determinar a latitude em alto mar.[1]

Perceberam os navegadores portugueses que, afastando-se da costa em mar aberto, ajustando-se a angulação das velas em relação à direção do vento (bolinagem no jargão náutico), era possível navegar em ziguezague avançando contra o vento. O problema então era saber quando se aproximar da costa, para chegar ao porto de partida. Para isso era preciso determinar a latitude em alto mar.

Isso passou a ser feito com um instrumento chamado astrolábio solar, um disco metálico com um círculo graduado gravado na periferia. Havia também uma haste metálica que atravessava o disco de bordo a bordo, e podia girar em torno do centro do disco. Numa extremidade, a haste tinha uma dobra a 90º, com um furo circular por onde passavam os raios solares. Na outra, a haste tinha uma outra dobra, mas esta era para atuar como anteparo, no qual se formava a imagem iluminada do furo circular da outra extremidade.

Através de uma argola na parte superior, o disco podia ser suspenso por uma corrente. Assim se assegurava que o plano do disco ficasse na vertical. O observador deveria, então, ajustar a posição do disco girando-o em torno da vertical (corrente) e girando a haste em torno do centro do disco, de modo a alinhar a haste aos raios solares. O alinhamento ficava confirmado quando a imagem brilhante do furo circular se formava no anteparo. A observação devia ser feita ao meio-dia local, isto é, com o Sol cruzando o meridiano local (plano vertical do observador orientado na direção norte-sul). Media-se então no círculo graduado a altura meridiana do Sol acima do horizonte. Um cálculo simples era necessário envolvendo a altura meridiana do Sol e a declinação do Sol para aquele dia. Essa declinação é a distância angular entre o Sol e o equador celeste. Ela varia com periodicidade anual, determinando as estações do ano. Já havia na época tabelas com a declinação do Sol que os navegadores portavam. O resultado do cálculo era a latitude procurada.

Com o astrolábio solar, o observador tinha a vantagem de, em momento algum olhar diretamente para o Sol, algo que nunca deve ser feito, pois causa sérios danos à visão, inclusive cegueira. O gestual observacional se assemelhava ao de um peixeiro pesando o produto. Por isso os portugueses chamavam chistosamente esse procedimento de “pesar o Sol”. Porém, o céu do meio-dia precisava estar aberto para que o Sol pudesse ser “pesado”.


Notas
[1] Mourão, Ronaldo Rogério de Freitas, O Céu dos Navegantes. Astronomia na Época das Descobertas, Editora Pergaminho, Cascais, Portugal, 2000.
Oscar T. Matsuura

Oscar T. Matsuura

Oscar T. Matsuura é docente aposentado do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, onde liderou o Grupo de Astrofísica do Sistema Solar. Foi diretor do Planetário e Escola Municipal de Astrofísica Prof. Aristóteles Orsini em São Paulo e é pesquisador colaborador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI). Ultimamente tem se dedicado à História da Astronomia no Brasil.
Oscar T. Matsuura é docente aposentado do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, onde liderou o Grupo de Astrofísica do Sistema Solar. Foi diretor do Planetário e Escola Municipal de Astrofísica Prof. Aristóteles Orsini em São Paulo e é pesquisador colaborador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI). Ultimamente…
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on whatsapp
WhatsApp
Share on email
Email
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email
Palavras-chaves
CATEGORIAS

Relacionados