Disputas sobre a natureza da cauda dos cometas

Em 1572 Tycho Brahe flagou numa tarde, ainda à luz do dia, uma estrela supernova que surgiu de repente numa posição celeste em que nada havia antes. Assim Brahe derrubou um ensinamento aristotélico bimilenar, que os objetos supralunares eram feitos de matéria incorruptível (Éter) e que as estrelas eram eternas. Os corpos sublunares, inclusive os da Terra, eram corruptíveis, feitos dos quatro elementos Terra, Água, Ar e Fogo.

Em 1577 surgiu um cometa e observando-o, Brahe estabeleceu de forma irrefutável que esse cometa era supralunar. Estava além da órbita de Vênus. A essa conclusão Brahe chegou por medições de paralaxe (método da triangulação aplicada a astros). Assim ele derrubou um outro ensinamento de Aristóteles, que cometas eram exalações terrestres suspensas na atmosfera, portanto objetos meteorológicos.

Aristóteles tinha ensinado também que cada planeta descrevia sua órbita na sua esfera cristalina. Mas, analisando a órbita do cometa de 1577, Brahe concluiu que ela ia além da órbita de Vênus, portanto deveria cruzar várias esferas cristalinas, o que ele não podia admitir. Do contrário, as esferas se quebrariam! Caía também por terra a ideia de esferas cristalinas para cada planeta. Isso suscitou descrédito também na separação entre mundo sublunar e supralunar. Por tudo isso, houve influência importante dos estudos de cometas naquela época, para a aceitação da Teoria Heliocêntrica de Copérnico. Este importante nexo é historicamente ignorado.[1]

Voltando aos cometas, o polímata italiano Girolamo Cardano (1501-1576), matemático interessado também em Astronomia, impressionado com o experimento de óptica em que um feixe de luz, após passar por uma lente (ou por uma garrafa com água) converge num foco e depois diverge e se faz visível no escuro, pela reflexão em minúsculas partículas de poeira e até mesmo em moléculas, propôs que tal mecanismo produzia a cauda dos cometas. Haveria um núcleo aproximadamente esférico que seria atravessado pelos raios solares. Nessa explicação não haveria na cauda, matéria originária do cometa. As partículas de poeira e moléculas acima mencionadas seriam preexistentes no meio.

Essa hipótese foi endossada por algum tempo por grandes nomes da época como Tycho Brahe, Kepler e Galileu.[2] Porém, Kepler foi um dos primeiros a perceber a impossibilidade dessa explicação, pois as caudas frequentemente apresentavam curvatura e, em 1607 se convenceu de que as caudas eram constituídas de matéria do próprio cometa que sofria repulsão pela luz solar (correto na compreensão atual, para pequenos grãos de poeira que formam a cauda de poeira, mas não para átomos e moléculas ionizados, isto é, não eletricamente neutros, que formam a cauda gasosa). Mas é difícil crer que Newton tivesse mencionado a observação de Stansel em Principia para refutar a tese da refração proposta por Cardano, que não era jesuíta. Stansel, por sua vez, não defendeu tal tese e publicou que a cauda dos cometas era constituída da matéria que compõe os planetas, matéria que ele explicita como sendo corruptível, e que ela se torna brilhante, não por luz própria, mas pela iluminação do Sol.[3]


Notas
[1] Fernandes, Mário Simões, A Companhia de Jesus e o Saber Astronómico em Portugal nos Séculos XVI e XVII. As Teorias dos Cometas, Tese de Doutorado, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, 2017.
http://hdl.handle.net/10451/28718
[3] Camenietzki, Carlos Ziller, O cometa, o pregador e o cientista. Antonio Vieira e Valentin Stansel observam o céu da Bahia no século XVII, Revista da SBHC, 14, 37-92, 1995.

 

Oscar T. Matsuura

Oscar T. Matsuura

Oscar T. Matsuura é docente aposentado do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, onde liderou o Grupo de Astrofísica do Sistema Solar. Foi diretor do Planetário e Escola Municipal de Astrofísica Prof. Aristóteles Orsini em São Paulo e é pesquisador colaborador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI). Ultimamente tem se dedicado à História da Astronomia no Brasil.
Oscar T. Matsuura é docente aposentado do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, onde liderou o Grupo de Astrofísica do Sistema Solar. Foi diretor do Planetário e Escola Municipal de Astrofísica Prof. Aristóteles Orsini em São Paulo e é pesquisador colaborador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI). Ultimamente…
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