P. António Vieira (1608-1697) e a defesa da liberdade dos indígenas

O português António Vieira veio menino para o Brasil. Foi ordenado na Bahia em 1634 e, como pregador na igreja de Nossa Senhora da Ajuda, em Salvador, defendeu a colônia, a expulsão dos holandeses da Bahia e de Pernambuco. Em 1641, ao fim da União Ibérica, retornou a Lisboa. Nessa volta, D. João IV restaurava o reino de Portugal em nome da casa de Bragança. Vieira ficou muito próximo do rei tornando-se seu conselheiro, pregador régio e representante de Portugal em questões econômicas e políticas em Paris, Amsterdã e Roma. Na Restauração Pernambucana foi contemporizador, propondo ao rei que entregasse Pernambuco aos holandeses para trazer paz à colônia. Não foi isso que aconteceu, mas no fim das negociações a coroa portuguesa pagou uma indenização proposta pelos holandeses, pelo calote dos senhores de engenho de Pernambuco. D. João IV também ouvia queixas de que os bandeirantes estavam escravizando os indígenas, e que estes também eram escravizados pelos colonizadores do Pará e Maranhão. A pedido de Vieira, em 1655 o rei concedeu aos jesuítas o direito de serem os administradores temporais dos aldeamentos.

De volta ao Brasil, Vieira trabalhou nas missões no Pará e no Maranhão entre 1653 e 1661. Nessa época os padres jesuítas tinham ganhado amplo controle sobre os trabalhadores nativos, com poder de determinar se estavam sendo escravizados, ou não. Também lhes cabia gerenciar o uso de trabalhadores indígenas livres que viviam nos aldeamentos missionários para servirem os moradores.

Diferentemente de outras regiões da América portuguesa, o então Estado do Maranhão e Pará se estabeleceu com base principalmente no uso de trabalhadores indígenas. Os índios eram empregados tanto nas lavouras, como na extração dos produtos da floresta, as drogas do sertão. Por muito tempo, a principal força de trabalho na região continuou sendo a mão de obra indígena escravizada pelos colonizadores.

Atendendo ao desejo de D. João IV, Vieira lutou contra os colonos portugueses que desejavam escravizar índios no Maranhão. Os jesuítas tinham um projeto de aculturação e controle dos indígenas, executado através dos aldeamentos, que contrariava os interesses dos colonizadores. Mas, como as coisas estavam, os índios escravizados pelos colonizadores sentiam-se violentados; os colonizadores sem escravos indígenas sentiam-se prejudicados porque também não recebiam, como os religiosos, os bens cedidos pelos reis, nem doações ou heranças legadas pelos fieis. No entanto, eram eles que administravam extensas fazendas de gado, plantações de algodão, engenhos e participavam ativamente do comércio das drogas do sertão, sobre cujas atividades, no regime do padroado, a coroa recolhia o dízimo.

Pela revolta dos colonizadores, em 1661 Vieira foi expulso do Maranhão com os companheiros da ordem. Vieira foi pessoalmente atacado porque, sendo próximo de D. João IV, como vimos, foi um dos articuladores dessa política indigenista adotada por esse monarca, que definiu as principais diretrizes em relação aos índios do Maranhão e Pará, que passaram a vigorar no início da década de 1650. Em dois meses, a revolta se espalhou para a vizinha capitania do Pará. A população de Belém se dirigiu ao colégio jesuíta de Santo Alexandre e deteve o padre Vieira que aí tinha vindo. Imediatamente enviado a São Luís, daí foi enviado para Lisboa, de onde nunca mais voltaria ao Maranhão e Pará.

Em Lisboa, Vieira por sua vez defendeu a liberdade religiosa dos judeus e cristãos novos, numa época em que as pessoas suspeitas de heresia eram condenadas pela Inquisição. Sem o beneplácito de D. Afonso VI, rei na época, acabou sendo preso pela Inquisição entre 1666 e 1667.

Sendo anistiado em Lisboa, Vieira foi para Roma onde foi absolvido pelo papa em 1668. Retornando à Bahia em 1681 já com problemas de saúde viveu recolhido dedicando-se a escrever seus Sermões, falecendo em 1697 com 89 anos.

Com a subida ao trono de D. Afonso VI em 1662, os jesuítas e, principalmente, o padre Vieira, caíram em descrédito na corte portuguesa. Esta nova situação ficou clara com o perdão concedido em 1663 aos revoltosos do Maranhão e Pará, e com a proibição explícita do retorno do padre Vieira àquela colônia.[1] Em 1663 D. Afonso VI retirou dos jesuítas a administração temporal dos povos nativos no Estado do Maranhão. Os jesuítas foram expulsos do Maranhão em 1684 na esteira da Revolta de Beckman (1684-1685) quando a revolta não era só pela questão indigenista, mas também pela criação da monopolista Companhia Geral de Comércio do Maranhão.

No entanto, o estabelecimento de missões religiosas católicas no litoral norte da Amazônia Portuguesa era a solução para conter tentativas de cooptação dos povos nativos pelos calvinistas franceses e reformistas ingleses, holandeses e irlandeses que colocavam em perigo os interesses mercantis e políticos dos portugueses na região. Os jesuítas eram considerados hábeis para estabelecer alianças militares com os povos nativos. Mas se o confronto dos jesuítas era antes só com os colonizadores portugueses que escravizavam os indígenas, agora os missionários e os colonizadores portugueses eram colocados contra os invasores franceses.

Por volta de 1680 havia tensões entre os governos da Capitania do Grão-Pará (Belém) e da Guiana Francesa (Caiena) pela manutenção e expansão de seus domínios no Cabo do Norte, atual Amapá. O Cabo do Norte era aquela capitania doada em 1637 por Felipe IV da Espanha ao português Bento Maciel Parente. Cumprindo determinação de Luís XIV, o marquês de Ferroles atacaria o Cabo do Norte em 1681. Em 1680, Pedro II (1648-1706) ainda príncipe-regente, fez expedir uma carta régia determinando que os jesuítas fossem trabalhar no Cabo Norte. O rei não queria que os índios passassem para o lado dos franceses. Os jesuítas recuperaram a autoridade que tinham perdido em 1661 e, para viabilizar o plano do rei, eles ganharam também o poder temporal sobre os aldeamentos de povos nativos. Atendendo a um pedido do príncipe regente, o padre Vieira que ainda estava em Portugal providenciou a vinda do padre Pfeil a essa região.

O Regimento das Missões do Estado do Maranhão e Grão-Pará decretado por D. Pedro II em 1686 restaurou a autoridade temporal dos jesuítas para administrar os aldeamentos e permaneceu em vigor até 1758. Esse ano o marquês de Pombal introduz o Diretório dos Índios e, no ano seguinte, ele expulsaria os jesuítas de Portugal e todas as colônias, de forma definitiva.


Notas
[1] Chambouleyron, Antônio Vieira Rafael, Padres fora!, Revista de História, 9, 24-27, 2013.
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/padresfora

 

Oscar T. Matsuura

Oscar T. Matsuura

Oscar T. Matsuura é docente aposentado do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, onde liderou o Grupo de Astrofísica do Sistema Solar. Foi diretor do Planetário e Escola Municipal de Astrofísica Prof. Aristóteles Orsini em São Paulo e é pesquisador colaborador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI). Ultimamente tem se dedicado à História da Astronomia no Brasil.
Oscar T. Matsuura é docente aposentado do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, onde liderou o Grupo de Astrofísica do Sistema Solar. Foi diretor do Planetário e Escola Municipal de Astrofísica Prof. Aristóteles Orsini em São Paulo e é pesquisador colaborador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI). Ultimamente…
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