“A ciência tem muito ainda a dar para a humanidade, e não só para ela – também para a Terra inteira”. Confira editorial da Renato Janine Ribeiro para a quarta edição da Ciência & Cultura.
Vivemos hoje um tempo que jamais poderíamos imaginar que viesse a ocorrer: uma época em que a ignorância se tornou arrogância. Muitas pessoas, inclusive governantes de países poderosos, se envaidecem de seu desconhecimento das afirmações básicas da ciência. Sondagens de opinião mostraram que há pessoas, nos Estados Unidos como no Brasil, que acreditam que a Terra seja plana. E essa é apenas a parte emersa de um iceberg muito maior, que inclui a negação da eficácia das vacinas, a repulsa ao conhecimento científico, a pregação do ódio.
Este contexto torna urgente a defesa não só da ciência e do conhecimento rigoroso, que inclui a literatura, as artes e a filosofia, mas também a dos valores éticos que a humanidade, após muitas lutas, consagrou nas Declarações de Direitos que vêm desde a Inglaterra de 1689 até as décadas mais recentes.
“Este contexto torna urgente a defesa não só da ciência e do conhecimento rigoroso, que inclui a literatura, as artes e a filosofia, mas também a dos valores éticos que a humanidade, após muitas lutas, consagrou nas Declarações de Direitos que vêm desde a Inglaterra de 1689 até as décadas mais recentes.”
O combate não é fácil, até porque o avanço da ignorância irrequieta (para usar uma expressão de Antonio Candido) vem junto com a recusa do diálogo e a negação de descobertas científicas e de fatos apurados pela imprensa. Não por acaso, cientistas e jornalistas se tornaram alvo preferencial do ódio industrializado.
Mas há um caminho, que esta edição de Ciência & Cultura nos propõe trilhar: consiste em mostrar às pessoas que tenham caído na cilada do negacionismo que a ciência, vale, sim, e muito, e que é positivo apostar no conhecimento em vez da superstição. Como fazer isso? É simples: começando pelos ganhos, inclusive de conforto, que têm graças à ciência.
“Consiste em mostrar às pessoas que tenham caído na cilada do negacionismo que a ciência, vale, sim, e muito, e que é positivo apostar no conhecimento em vez da superstição.”
Você usa um aplicativo de localização, seja para encontrar uma rota com o carro, seja para saber dentro de quantos minutos chegará o ônibus? Pois não o teria se a Terra fosse plana. O GPS só existe porque o planeta é (quase, a rigor) redondo. Você não conhece nenhuma criança que ande de muletas, condenada a usá-las pelo resto da vida? Pois conheceria muitas, não fossem as vacinas contra a poliomielite ou paralisia infantil, lembrando que o Brasil, com as campanhas de imunização utilizando as vacinas Salk e Sabin, foi um dos primeiros países a conseguir libertar nossas crianças desse horror.
São muitos os casos. Este número de Ciência & Cultura, graças à colaboração de notáveis cientistas, mostra como as pesquisas nas suas áreas – e muitas vezes as descobertas deles mesmos – melhoraram e continuam melhorando a vida de todos nós. E acrescento: este é apenas um aperitivo. A ciência tem muito ainda a dar para a humanidade, e não só para ela – também para a Terra inteira.
“Pois nós, defendendo o conhecimento de qualidade, a pesquisa científica, o progresso da ciência que está no nome de nossa Sociedade, também queremos uma sociedade justa, em que ninguém seja discriminado pela pele, sexo, gênero, orientação ou crenças.”
Mas ainda há mais. O negacionismo atual não é apenas uma recusa do conhecimento rigoroso. Ele também é uma postura de negação dos valores éticos que a humanidade lapidou nos últimos séculos. Nega a igualdade de direitos, bloqueia a igualdade de oportunidades, dissemina preconceitos, prega o ódio ao diferente. Pois nós, defendendo o conhecimento de qualidade, a pesquisa científica, o progresso da ciência que está no nome de nossa Sociedade, também queremos uma sociedade justa, em que ninguém seja discriminado pela pele, sexo, gênero, orientação ou crenças. É um só combate, o que travamos em defesa do conhecimento e da liberdade. O leitor verá neste número de Ciência e Cultura não apenas descobertas científicas novas, como também aplicações delas que melhoram a vida de todas as pessoas e contribuem para reduzir a distância entre os privilegiados pelo dinheiro e os prejudicados por uma estrutura social iníqua. Como dissemos, é um só combate o que travamos pela ciência e o que envidamos pela justiça.