Brasil possui recursos naturais e humanos para desenvolver soluções que ajudem a proteger o meio ambiente
Perda de biodiversidade, desmatamento, poluição, crise hídrica, mudanças climáticas, superpopulação, desperdício. Os problemas ambientais atuais não são poucos. Tanto que entidades como a Organização das Nações Unidas (ONU) vêm alertando que estamos nos aproximando velozmente do “ponto de não retorno” – ou seja, um determinado limite ou situação em que um sistema perde sua capacidade de regeneração, não mais conseguindo retornar ao estado anterior.
A tecnologia pode ser a chave para reverter essa situação e alcançar um futuro melhor. “Quando um país vive uma crise, o principal caminho é ampliar o investimento em ciência, tecnologia e inovação (CT&I). E se quisermos atingir uma sustentabilidade, também é através de investimentos em CT&I”, afirma Luciana Gomes Barbosa, professora do Departamento de Fitotecnia e Ciências Ambientais (DFCA) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Coordenadora do GT Meio Ambiente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Para a pesquisadora, a CT&I é fundamental para enfrentar a degradação ambiental, as mudanças climáticas, a escassez de alimentos, o gerenciamento de resíduos e outros desafios globais urgentes.
Enquanto os pesquisadores alertam que não existe uma solução “mágica” para as questões ambientais globais, eles concordam que é preciso impulsionar a sustentabilidade usando uma combinação de soluções de alta e baixa tecnologia. Além disso, é essencial usar a CT&I para engajar e capacitar governos, empresas e cidadãos a adotar práticas, políticas e modelos de negócios ambientalmente sustentáveis.
Tendência mundial
No início deste ano, a Gartner – empresa de consultoria norte-americana – publicou um relatório apontando que iniciativas ambientais, sociais e de governança são agora uma das três principais prioridades para os investidores, depois de lucro e receita. O documento comprova uma tendência que vem crescendo globalmente.
“Cada vez mais empresas no mundo vem buscando soluções sustentáveis através de tecnologias amigas do ambiente.”
A sustentabilidade também se tornou um diferencial competitivo. Muitos empresários estão investindo em tecnologia sustentável não apenas para reforçar sua marca, mas também para fornecer novas áreas de crescimento. Por exemplo, a empresa de transporte japonesa Mitsui O.S.K. A Lines usa modelos com inteligência artificial para melhorar a eficiência do transporte no setor marítimo. E concessionárias como a Dubai Electricity & Water Authority (DEWA), usam a “internet das coisas” (Internet of Things – IoT) e gêmeos digitais (uma cópia virtual de um sistema que simula como ele se comporta) para criar soluções inteligentes de gerenciamento de edifícios que usam 50% menos água.
“Vivemos em um mundo essencialmente capitalista e as dinâmicas de mercado ditam como as coisas funcionam”, explica Gustavo Doubek, professor da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador no Centro de Inovação em Novas Energias (CINE). “Quando temos grandes tomadores de decisão (América do Norte, União Europeia) dizendo que precisamos reduzir os efeitos das mudanças climáticas, diminuir as emissões de carbono, isso cria uma pressão muito grande sobre o resto do mundo. Nós teremos que nos adequar a isso, ou corremos o risco de ‘ficar de fora’ desse mercado”.
Tecnologia amiga do ambiente
Seguindo essa tendência, cada vez mais empresas no mundo vem buscando soluções sustentáveis através de tecnologias amigas do ambiente. No Brasil, porém, esse avanço está sendo insatisfatório. Segundo dados do Relatório Luz 2022, elaborado pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, o país não apresentou progresso em nenhuma das 169 metas dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da Agenda 2030, estabelecida pela Assembleia-Geral das Nações Unidas (AGNU). O levantamento revela que das 168 metas dos ODS analisadas, 80,35% estão em retrocesso, ameaçadas ou estagnadas no país e 14,28% tiveram progresso insuficiente.
Se por um lado a implementação dessas tecnologias encontra uma série de desafios no Brasil, por outro o país tem demonstrado ter recursos (tanto naturais quando humanos) para mudar esse quadro.
Figura 1. O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar, principal matéria-prima utilizada no país para produzir etanol, que apresenta um balanço nulo de produção de CO2.
(Imagem: bhishek Shintre, Unsplash. Reprodução)
A água é uma das principais preocupações quando se fala em sustentabilidade. O aumento da demanda global exige soluções urgentes – e inteligentes. Em 2016, engenheiros do Centro de Empreendedorismo e Incubação da Universidade Federal do Goiás (UFG) desenvolveram um robô capaz de inspecionar tubulações de água, esgoto e dutos de gás, evitando acidentes, contaminações e desperdício. O equipamento nacional é uma espécie de carro mecânico dotado de câmeras de vídeo e pode ser de 75% a 80% mais barato que os modelos similares da Europa e dos Estados Unidos.
Uma solução inteligente para o reuso de água foi desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que criou uma fossa séptica biodigestora. A fossa trata o esgoto do vaso sanitário, produzindo um efluente que pode ser utilizado como fertilizante. O sistema consiste em três caixas interligadas que recebem mensalmente uma mistura de água e esterco bovino fresco – o que fornece as bactérias que estimulam a biodigestão dos dejetos, transformando-os em adubo orgânico. Além de ter baixo custo e fácil instalação, a fossa não gera odores desagradáveis.
Outra vantagem do sistema é que, além de adubo, ele também pode fornecer energia. A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) inaugurou em 2018, na cidade de Franca (SP), uma planta de biometano para uso veicular. O biometano provém de uma série de filtragens do biogás que resulta dos resíduos sólidos processados na fossa biodigestora. Com o tratamento desse biogás, estima-se que a planta possa produzir 1.500 Nm³ de biometano por dia, o equivalente energético a 1.500 litros de gasolina comum.
Energia é um ponto crucial quando se discute sustentabilidade. Isso porque a produção sustentável de energia diminui a dependência dos combustíveis fósseis e outros tipos de poluentes. Para Barbosa, investir em energia limpa é essencial para preservar o meio ambiente e mitigar os efeitos das mudanças climáticas. A pesquisadora ainda afirma que o Brasil tem uma grande vantagem nessa área, pois conta com diversos recursos naturais que tornam possíveis a exploração dessas tecnologias. “Aqui no Nordeste temos um fotoperíodo amplo, que é excelente para adoção da energia solar. Além disso, O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar, principal matéria-prima utilizada no país para produção do etanol”. (Figura 1)
“As aplicações oriundas das espécies vegetais brasileiras são inúmeras: alimentação, medicina, vestuário, construção civil, móveis; fabricação de tecidos e papel; produção de perfumes, inseticidas e outras.”
O etanol, aliás, é outra grande vantagem na produção de energia natural e limpa. Além de ser uma fonte renovável, sua produção a partir da cana apresenta um balanço nulo de produção de CO2.
Segundo Doubek, o etanol é uma grande aposta na produção de energia elétrica. O pesquisador lidera um laboratório na Unicamp voltado para o desenvolvimento de baterias, supercapacitores e células a combustível. “Eu enxergo as células a combustível, principalmente as que chamamos de alta temperatura, como um dos grandes caminhos que o Brasil pode tomar. Isso porque elas permitem utilizar o etanol como combustível”, aponta. Para Doubek, essa nova tecnologia deve ganhar espaço para uso em veículos e estações geradoras de energia em residências, hospitais e pequenas indústrias. O pesquisador explica que principal fonte de combustível dessas células é o hidrogênio. “Nós podemos tirar esse hidrogênio de moléculas biológicas, como o etanol, que possui seis átomos de hidrogênios. O que significa que é possível substituir uma bateria de 500 kg ou 600 kg por uma célula a combustível que vai pesar 200 kg ou 300 kg. Isso diminui muito o consumo de materiais”.
Outra pesquisa envolvendo o desenvolvimento de baterias está sendo realizada por um grupo do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Os pesquisadores utilizaram o grafeno (uma das formas cristalinas do carbono) para criar filmes finos de nanopartículas combinadas que substituem as baterias de íon-lítio (que dependem de reservas cada vez mais escassas de lítio, cobalto e níquel). Isso permite o desenvolvimento de baterias mais sustentáveis, capazes de gerar e armazenar energia e sem perdas por atrito. Além de ter grande capacidade de armazenamento, esse nanofilme também funciona em meio aquoso – o que significa que pode ser utilizado em células fotovoltaicas, usadas para converter energia solar em elétrica, por exemplo.
Como o Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, é também o maior produtor de bagaços. E essa enorme quantidade de resíduo costuma ser queimada, causando ainda mais poluição. Porém, há um destino mais ecológico e econômico para o bagaço de cana. Dessa biomassa é possível extrair a nanocelulose, um biopolímero resistente, renovável, biodegradável e abundante, com toxicidade baixa ou nula. Pesquisadores do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) desenvolveram um gel de nanocelulose que substitui aditivos químicos, de maneira natural, sustentável e atóxica. Uma de suas aplicações é como espessante, muito utilizado pela indústria de alimentos, medicamentos e cosméticos. Agora, a equipe almeja utilizar a nanocelulose para resolver um grande problema ambiental: a poluição por plástico. Substituir o plástico por biopolímeros reduziria drasticamente o impacto dos descartes no meio ambiente.
Figura 2. Brasil possui maior biodiversidade do planeta, com mais de 116.000 espécies animais e mais de 46.000 espécies vegetais conhecidas.
(Reprodução)
Outra equipe do LNNano também vem investigando como usar a nanocelulose para combater a poluição. Uma de suas principais descobertas foi a “espuma verde”. Feita à base de nanocelulose e látex de borracha natural, a espuma pode contribuir em ações de despoluição da água, pois “suga” em poucos segundo grandes quantidades de óleos, combustíveis, solventes e outras substâncias. Além disso, é totalmente natural e reutilizável.
Bio-riqueza
Quando se fala em recursos naturais, o Brasil sai na frente. Isso porque o país possui a maior biodiversidade do planeta, com mais de 116.000 espécies animais e mais de 46.000 espécies vegetais conhecidas. Tudo isso espalhado pelos seis biomas terrestres e três grandes ecossistemas marinhos, segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA). (Figura 2)
As aplicações oriundas dessas espécies vegetais são inúmeras: alimentação, medicina, vestuário, construção civil, móveis; fabricação de tecidos e papel; produção de perfumes, inseticidas e outras. “Temos que pensar que nossa biodiversidade abriga uma biodiversidade química muito grande do metabolismo das plantas e dos animais. Nessa biodiversidade química podemos achar moléculas que tenham importância econômica tanto para defensivos agrícolas como para a indústria de cosmético e medicamentos, e muito mais”, explica Carlos Alfredo Joly, professor do Departamento de Biologia Vegetal do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp e um dos idealizadores do Programa Biota da Fapesp. Segundo o professor, há um laboratório de medicamentos escondidos na mata e nos saberes tradicionais de indígenas, ribeirinhos e quilombolas, assim como no ambiente marinho, onde algas, fungos e bactérias são fonte para novos medicamentos. “Mais de 50% de nossos medicamentos tem origem em moléculas da natureza”, diz.
Porém, toda essa riqueza está ameaçada. Poluição, desmatamento, mudanças climáticas, introdução de espécies exóticas e exploração exagerada dos recursos naturais vem colocando a biodiversidade nacional em risco. O país tem 1.249 espécies e subespécies da fauna ameaçadas de extinção segundo a Lista de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção atualizada este ano e coordenada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Quanto à flora, a estimativa do MMA é de que cerca de 1.974 plantas em extinção no país (1.772 são endêmicas do Brasil, ou seja, só ocorrem no território nacional). Mas esse número pode ser bem pior, com o desmatamento batendo uma série de recordes em todo o país. Dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) apontam que, de janeiro a setembro deste ano, a área de floresta derrubada na Amazônia Legal atingiu 9.069 km².
“É preciso investir em políticas públicas que contribuam não apenas para a preservação do meio ambiente, mas também para o desenvolvimento de tecnologias verdes e para o manejo sustentável da biodiversidade.”
“Na Amazônia, ocorrem 17% da fotossíntese do planeta, a floresta tem mais de 10% da biodiversidade do planeta e contém cerca de 120 bilhões de toneladas de carbono, ou o equivalente a cerca de dez anos de toda a queima de combustíveis fósseis mundiais. Esses números superlativos dão uma ideia do desafio que é entender o funcionamento e a dinâmica desse fantástico sistema, e de desenvolver estratégias sustentáveis”, alerta Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e do Research Center of Greenhouse Gas Innovation da Poli-USP, e vice-presidente da SBPC, em artigo para o Jornal da USP. O pesquisador também ressalta que a preservação da Amazônia, assim como de outros ecossistemas, é vital para combater os efeitos das mudanças climáticas.
“Chegou a hora de realmente repensarmos o uso de recursos. Por exemplo, o desmatamento da Amazônia – a floresta vale muito mais em pé do que desmatada”, alerta Barbosa. “É importante trazer as comunidades tradicionais e seus conhecimentos para essa discussão – eles mostram como é possível retirar recursos sem afetar sua capacidade de composição, ou seja, de maneira sustentável”.
Política baseada em evidência
Como aproveitar toda essa riqueza sem prejudicar esses recursos valiosos? Os pesquisadores são unânimes: é preciso investir em políticas públicas que contribuam não apenas para a preservação do meio ambiente, mas também para o desenvolvimento de tecnologias verdes e para o manejo sustentável da biodiversidade. Mas eles também são unânimes ao afirmar que isso só será possível através da construção de um diálogo entre políticos, cientistas e sociedade.
“Precisamos fazer uma ponte com a Câmara e com o Senado. Assim, começamos também a ouvir quem está do outro lado. Eu vejo que tanto os políticos quanto a sociedade precisam de maior acesso à informação científica. Então precisamos estabelecer essas pontes e ter dentro da Câmara e do Senado comitês em que estejam presentes a ciência e a sociedade”, aponta Barbosa.
No entanto, o problema não é apenas a criação de leis, mas também sua implementação e seu cumprimento. O Brasil possui um marco legal aprimorado e uma Constituição que protege o meio ambiente, porém falta fiscalização – 94% do desmatamento amazônico provêm de atividades ilegais, segundo documento elaborado em colaboração entre o Instituto Centro de Vida (ICV), o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com apoio do WWF-Brasil. Além disso, não basta parar a destruição: é preciso também focar na restauração das áreas destruídas – o que é um processo complexo, que deve respeitar a biodiversidade local.
“Vamos precisar adaptar nossa legislação aos compromisso internacionais que temos. O que precisamos é que as políticas públicas sejam baseadas no conhecimento. E o conhecimento tradicional pode trazer contribuições muito importantes, especialmente referente à sustentabilidade”, afirma Joly.
Mas é preciso ir além. A educação é a base para se conseguir qualquer mudança. “É importante frisar a importância de se investir em educação. Sem educação nada acontece. Como você vai deixar a sociedade mais consciente e enxergando mais valor para a sustentabilidade? Como vai desenvolver tecnologias e inovar? Tudo passa pela educação”, enfatiza Doubek.
A educação é fundamental para envolver a sociedade civil em um diálogo com a comunidade científica e com os políticos. É também essencial para fazer com que a população perceba que a preservação do meio ambiente tem impacto direto em suas vidas – e que ela é um ator em todo esse processo. “É necessário um processo profundo de educação da população, que começa desde cedo, para ela compreender que faz parte do processo de conservação”, afirma Barbosa. A pesquisadora cita o projeto de lei (PL) 5604/2016, que obriga a inclusão da disciplina de educação ambiental no currículo escolar. No entanto, o projeto está parado na Câmara dos Deputados. “São iniciativas assim que vão ampliando o nosso acesso à população e o acesso da população ao conhecimento”.
O ano de 2022 é marcante para a questão do meio-ambiente. Há 50 anos foi realizada a Conferência de Estocolmo, primeira grande reunião de chefes de estado organizada pela ONU para tratar das questões relacionadas à degradação do meio. E há 20 anos foram realizadas a Eco 92 e a Rio+20, ambas no Rio de Janeiro (RJ), discutindo a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável e demonstrando o papel central que o Brasil já ocupou nas discussões ambientais – e que precisa ser recuperado. “Há um outro modelo de desenvolvimento, baseado na sustentabilidade. Não é preciso destruir ecossistemas e a biodiversidade para resolver os problemas atuais. Aliás, isso só vai agravá-los. Além disso, é preciso entender que a conservação e o uso sustentável da biodiversidade estão na base da redução da pobreza”, finaliza Joly.