Contribuições para uma prática educativa emancipatória: É preciso dar respostas às demandas educacionais, constituindo espaços de fortalecimento de relações com os sistemas de ensino e com os segmentos sociais.
Inicio esse artigo que aborda as temáticas planejamento curricular e avaliação na perspectiva de refletir sobre que universidades o Brasil precisa, citando Paulo Freire.[1]
“Gostaria desde já de manifestar minha recusa a certo tipo de crítica cientificista que insinua faltar rigor no modo como discuto os problemas e na linguagem demasiado afetiva que uso. A paixão com que conheço, falo ou escrevo não diminuem o compromisso com que denuncio ou anuncio. Sou uma inteireza e não uma dicotomia. Não tenho uma parte esquemática, meticulosa, racionalista e outra desarticulada, imprecisa, querendo simplesmente bem ao mundo. Conheço com meu corpo todo, sentimento, paixão. Razão também”.
Com essas palavras, assumindo-as inteiramente, sinto a leveza necessária que me permite repensar o já instituído e pensar o novo, ter certezas e dúvidas, apresentar ideias, ouvir críticas e avançar no entendimento dos atos de planejar e avaliar que efetivamente contribuam para uma prática educativa emancipatória, defendendo que todos têm direito a uma educação de qualidade, efetivamente cidadã: uma forma própria de estar no mundo criticamente.
Freire,[2] ainda, afirma: “ontem como hoje, jamais aceitei que a prática educativa devesse ater-se apenas à leitura da palavra, mas também à leitura do contexto, à leitura do mundo.”
A concepção de Universidade apresentada no presente texto, portanto, apoia-se na defesa de uma educação emancipatória, que a percebe como local de teorias e práticas reveladoras da sociedade e do Estado. Uma Universidade capaz de expressar uma multiplicidade de pensamentos, muitas vezes conflitantes, mas que tem por objetivo colocar a produção acadêmica ao alcance das diferentes classes sociais e a serviço delas, principalmente.
A reflexão anterior nos faz pensar sobre que profissionais estamos formando. Os currículos dos diferentes cursos estão inibindo todo o potencial crítico, renovador, projetivo dos estudantes? A quem a Universidade vem servindo ou continua a servir? Por que a Universidade continua a manter um distanciamento do seu entorno, da complexidade do mundo?
“Uma Universidade capaz de expressar uma multiplicidade de pensamentos, muitas vezes conflitantes, mas que tem por objetivo colocar a produção acadêmica ao alcance das diferentes classes sociais e a serviço delas, principalmente.
A presente temática é importante na medida em que possibilita refletir sobre que universidades o país necessita, a partir de que projeto de Nação. É dessa forma que reflito sobre o processo educacional, em especial sobre os atos de planejar e avaliar.[3]
Refletir sobre o ato de avaliar implica perceber o seu significado para além da apresentação de números, resultados ou indicadores. Avaliar significa apreender uma determinada realidade e indicar caminhos que possibilitem rever ou definir políticas, programas, planos e ações para o enfrentamento das situações diagnosticadas.
É uma atividade, portanto, que envolve aspectos tanto técnicos quanto políticos. Isso significa que o ato de avaliar compreende ações inseparáveis que envolvem o conhecimento técnico e definições políticas, a partir de princípios definidos no coletivo da instituição educacional, registrados em seu projeto pedagógico. Dessa forma, avaliar compreende, também, o estabelecimento de diagnóstico e do processo decisório.
Para se diagnosticar, é necessária a definição de um marco referencial que indique os valores educacionais desejados, os princípios balizadores das ações pedagógicas, os sonhos, as utopias e os direitos de aprendizagem.
O diagnóstico, portanto, refletirá a que distância os processos de aprendizagem, bem como as ações propostas em todos os níveis do sistema educacional, encontram-se do marco de referência.
Nessa perspectiva, o ato de avaliar implica ações de conhecer e de constatar. Ao conhecer ou constatar situações, tendo por base uma referência, atribuímos qualidades de satisfação ou insatisfação, em diferentes graus.
O ato de avaliar pressupõe acreditar que é possível alcançar o sonho, o ideal e a utopia desenhada. Pressupõe, portanto, apostar no potencial do professor e do estudante. Acreditar significa oferecer ao estudante e ao próprio professor as oportunidades de vivenciar experiências significativas que possibilitem a abertura para o novo, para o inusitado, para a superação.
É fundamental destacar, no entanto, que no processo educacional não cabe apenas a avaliação da aprendizagem dos estudantes. É imprescindível que a própria instituição seja avaliada pelo seu coletivo, entendendo esse coletivo como todos os que vivenciam (ou deveriam vivenciar) o cotidiano da instituição, tendo como marco de referência o projeto pedagógico construído coletivamente. (Figura 1)
Figura 1. É imprescindível que a própria instituição de ensino superior seja avaliada pelo seu coletivo.
(Foto: Ascom/UEMASUL. Reprodução)
Essas afirmações nos remetem a repensar o significado do currículo e da avaliação. Qual é o currículo adequado para essa geração? Vivenciar a possibilidade de poder renovar a cada dia, trabalhar pela reestruturação da educação brasileira na velocidade adequada, avançar sempre, de forma sustentável, e estar permanentemente disposto a rever, a questionar, a mudar, tendo em vista a formulação e desenvolvimento de políticas públicas que possibilitem uma educação de qualidade social para todo o território brasileiro devem ser o sentido do currículo e da avaliação.
É preciso dar respostas às demandas educacionais, constituindo espaços de fortalecimento de relações com os sistemas de ensino e com os segmentos sociais. Portanto, espaços de estudos e de fazeres coletivos, considerando a formulação e a avaliação da política nacional de educação, o zelo pela qualidade do ensino e pelo cumprimento da legislação educacional, assegurando a participação da sociedade no aprimoramento da educação brasileira.
O currículo não pode ser apenas um aspecto formal da educação superior, deve ser utilizado para a busca contínua do processo de amadurecimento da formação e potencialidades dos estudantes. (Figura 2)
Figura 2. O currículo deve ser utilizado para a busca contínua do processo de amadurecimento da formação e potencialidades dos estudantes.
(Foto: Secretaria Adjunta de Comunicação Universidade Veiga de Almeida. Reprodução)
A formação dos estudantes universitários deva estar centrada num currículo que contribua para responder aos desafios do mundo atual, sendo, portanto, desejável que os futuros profissionais tenham sua formação a partir de currículos que integrem o ensino, a pesquisa e a extensão para gerar conhecimentos que venham ao encontro de uma contribuição transformadora e de melhoria das condições de vida da sociedade brasileira.
Para isso, é preciso que a Universidade tenha definido esse projeto no seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), que será o marco de referência para os cursos da Instituição, prevendo no seu orçamento verba destinada às políticas previstas. É preciso que as universidades apresentem condições orçamentárias claras. Essa é uma questão de gestão.
“O ato de avaliar compreende ações inseparáveis que envolvem o conhecimento técnico e definições políticas, a partir de princípios definidos no coletivo da instituição educacional, registrados em seu projeto pedagógico.”
A Instituição tem que ser pensada em sua totalidade. Não bastam Leis e Diretrizes. É preciso condições de materializá-las, pois, caso isso não ocorra, as universidades continuarão a manter barreiras que a impedem de considerar os conhecimentos, os fazeres e saberes, as culturas das comunidades para o desenvolvimento das ações acadêmicas.
Portanto, ter a extensão e a pesquisa fazendo parte do Projeto Político Pedagógico de cada Curso é um caminho de oportunidades para que as universidades com as comunidades que se tornaram parceiras possam, juntas, enfrentar os desafios locais, estaduais, do país.
Cabe às universidades, em consonância com as representações sociais da Região em que estão inseridas, decidir quais as situações a serem enfrentadas e que deverão ser objeto de suas ações de ensino, pesquisa e extensão, de forma interdisciplinar. Sem dúvida, tal reflexão implica em que a opção metodológica de trabalho seja referendada por uma prática de gestão que favoreça o estabelecimento de múltiplas relações internas e externas à Universidade.
Ao revisitar o passado e pensar a construção do futuro, acredito que a possibilidade de participação é um primeiro passo no caminho da conquista da universidade que se quer comprometida com a sociedade. Participação entendida num coletivo que decide o que fazer, a partir do diagnóstico e do debate sobre o que emperra e é deficiente no fazer acadêmico-político do cotidiano institucional.
Dessa forma, pode ser construído um processo de planejamento em que todos cresçam juntos, transformem a realidade, criem o novo. Ao ultrapassar a rigidez a qual estamos acostumados, poderemos ter, diante de nós, uma gama de possibilidades com as quais exercitaremos relações democráticas produtoras de saberes e práticas efetivamente cidadãs.
“É necessário romper as resistências que ainda impedem as universidades de avançar no real entendimento e significado do conhecimento, de que ciência e cidadania não se opõem.”
As comunidades organizadas sabem o que necessitam. Não querem mais um comportamento colonialista das universidades. Elas têm suas propostas e não são alienadas. Ao contrário, sabem exatamente o que significa ser parceiro. As universidades, nesse aspecto, ainda têm muito a aprender.
Já existem experiências em algumas universidades que estão materializando essa concepção de currículo. Vale a pena conhecer tais propostas. Cito algumas: Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Universidade Federal da Bahia (UFBA); Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Universidade Federal de São Carlos (UFSC); Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), entre outras.
É necessário romper as resistências que ainda impedem as universidades de avançar no real entendimento e significado do conhecimento, de que ciência e cidadania não se opõem. É urgente, portanto, que sejam criadas formas estruturais mais flexíveis, que possibilitem o desenvolvimento de práticas integradoras das áreas do saber, de pessoas, de instituições.
As reflexões aqui expostas não podem ser consideradas inovadoras. Na verdade, este é um registro que não apresenta nenhum ineditismo. O inovador, o novo, no entanto, é colocar as premissas defendidas em prática. Este é o grande desafio.