Luisa Massarani capa

“Avançamos muito. Mas há ainda trabalho pela frente”

Confira entrevista com Luisa Massarani, coordenadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia e coordenadora para América Latina de SciDev.Net.

 

A prática da divulgação científica tem mais de dois séculos no Brasil. Durante essa longa caminhada, muito se avançou – mas ainda há muito trabalho pela frente. Isso é o que aponta Luisa Massarani, coordenadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC-Fiocruz) e coordenadora para América Latina da SciDev.Net. Para a pesquisadora, não existe uma fórmula única para a comunicação da ciência, mas é preciso fazê-la utilizando variados meios e atores. “Garantir o acesso à ciência de toda a população é um ideal maravilhoso. Ainda assim, é fundamental ter em mente essa meta”, afirma. Com diversos livros e artigos publicados na área, Massarani recebeu vários prêmios pela sua atuação – inclusive o Troféu Mulher IMPRENSA, o Prêmio Jabuti e o prêmio José Reis de Divulgação Científica. Em seu vasto trabalho, não esquece de incluir as crianças, enfatizando a importância de envolver os “cidadãos do futuro” desde cedo no mundo da ciência.

Confira a entrevista completa!

Ciência & Cultura – A comunicação da ciência — o direito de acesso ao conhecimento científico — é a condição necessária para que os cidadãos possam cobrar de seus governantes os benefícios plenos do conhecimento científico disponível. Como fazê-la de forma eficaz?

Luisa Massarani – Não existe uma fórmula única (nem mágica) para comunicar ciência. Mas há certamente algumas pistas e recomendações importantes. A principal delas é considerar e respeitar os distintos públicos que queremos engajar em temas de ciência, considerando seus contextos, suas histórias pessoais, seus saberes, seus conhecimentos. Nesse sentido, é importante considerar que as pessoas se interessam e constroem sentido dos conteúdos de ciência quando fazem conexões com sua realidade e histórias pessoais. Outro aspecto relacionado é a forma como engajamos as pessoas em temas de ciência: precisamos envolver as pessoas em uma conversa, em que os diferentes atores sociais têm papéis relevantes (versus o/a cientista que “sabe” explicando para alguém que supostamente “não sabe”).

 

“As pessoas se interessam e constroem sentido dos conteúdos de ciência quando fazem conexões com sua realidade e histórias pessoais.”

 

C&C – O Brasil é um país com grandes assimetrias. Como garantir o acesso à ciência de toda a população?

LM – Garantir o acesso à ciência de toda a população é um ideal maravilhoso. Mas é um ideal. Não creio que a curto prazo conseguiremos essa meta – e desconheço países que conseguiram isso. Ainda assim, é fundamental ter em mente essa meta. A meu ver, isso precisa ser feito de distintas formas. Em primeiro lugar, precisamos garantir uma educação científica de qualidade. Mas as pessoas se relacionam com a ciência por toda a sua vida, muitas décadas após sair da escola, de muitas formas (nos filmes, nas notícias, em situações de doenças, etc.). Acredito em apostar na divulgação científica de qualidade em diferentes meios e estratégias, incluindo meios de comunicação de massa (iniciativas de TV, jornais, revistas, rádios, de alto e pequeno alcance), museus de ciência de diferentes tipologias (de história natural, interativos, zoológicos, aquários, jardins botânicos, parques ambientais…), iniciativas comunitárias, iniciativas de redes sociais, eventos de rua, eventos nacionais do tipo Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, iniciativas que envolvem ciência e arte (teatro, cinema…) – e muito mais. Creio que cada tipo de iniciativa e abordagem tem seus pontos fortes e suas limitações. Para isso, obviamente, precisamos, por um lado, viabilizar que essas iniciativas ocorram, com apoio financeiro e reconhecimento institucional, e, por outro lado, investir na capacitação de diferentes perfis de divulgadores científicos (cientistas, artistas, jornalistas, YouTubers, etc.).

 

C&C – Vivemos um momento no qual o conservadorismo e o negacionismo ganham força. Qual a relevância da divulgação científica nesse contexto?

LM – Não há dúvida que precisamos estar muito atentos e preocupados com que o conservadorismo e o negacionismo ganham força. Mas me parece importante entender melhor esses processos – até para poder buscar soluções. Um ponto importante é que muitas pessoas não são negacionistas de maneira genérica. Os estudos nacionais sobre o que brasileiros e brasileiras pensam da ciência – em que nosso Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia participa – mostram que uma pessoa pode, por exemplo, ser contra a evolução, mas ser favorável à vacinação. Outro estudo que estamos fazendo em redes sociais sobre as conversas em torno das vacinas trazem evidências de que pessoas anti-vacina em grupos de WhatsApp usam a própria ciência (inclusive por meio de artigos científicos e preprints) para argumentar contra a vacina. Essas pessoas distorcem os conteúdos dos artigos, mas o fato de usarem tais artigos como “arma” parece ser evidência de que anti-vacina e anti-ciência não são necessariamente sinônimos. Em síntese, defendemos a necessidade de entender melhor o cenário e sua complexidade para nos ajudar a enfrentar a situação e encontrar soluções e estratégias de resiliência.

 

“A reivindicação por um mundo inclusivo e diverso é uma base fundamental da divulgação científica.”

 

C&C – Por outro lado, há uma luta cada vez maior pela diversidade e pela inclusão. Como a divulgação científica pode contribuir com essa discussão na sociedade?

LM – A reivindicação por um mundo inclusivo e diverso é uma base fundamental da divulgação científica. É justamente o fórum em que essas discussões ocorrem e podem ser usadas como modelos para outras áreas. Eu não estou dizendo que resolvemos todas as questões. Não resolvemos, inclusive por conta da complexidade do tema e também porque muitas vezes requer recursos financeiros, recursos humanos e capacitação. Mas me parece que avançamos bastante em uma série de discussões, a começar pelo próprio consenso de que deve se lutar pela inclusão e pela diversidade.

 

C&C – Ao longo de sua trajetória, desenvolveu diversos trabalhos voltados para a divulgação da ciência para o público infantil. Como – e por quê – aproximar a ciência das crianças?

LM – Em primeiro lugar, as crianças são os cidadãos do futuro. Ao engajá-las em temas de ciência desde cedo, damos ferramentas para quem sejam adultos mais engajados cientificamente (se vão ser de fato, é outra história). Crianças também são fator de mudança nas famílias: são elas muitas vezes que estimulam pais, avôs, irmãos, etc. a ter posturas mais engajadas cientifica e ambientalmente. Um segundo aspecto é que as crianças são cientistas “naturais”, sempre muito curiosas com o ambiente em seu entorno e com muitas perguntas na cabeça. A terceira razão tem cunho pessoal: adoro fazer divulgação científica para crianças.

 

“As crianças são os cidadãos do futuro. Ao engajá-las em temas de ciência desde cedo, damos ferramentas para quem sejam adultos mais engajados cientificamente.”

 

C&C – Como você avalia a divulgação científica hoje no Brasil? Quais seus principais desafios?

LM – A prática da divulgação científica tem mais de dois séculos de história no Brasil, com grande diversidade de iniciativas que usaram e vêm usando distintas abordagens e estratégias. Mais recentemente temos consolidado o campo acadêmico, em que vários pesquisadores estão trabalhando no campo. Também temos construídos programas de pós-graduação no campo. A área agora é reconhecida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), incluindo apoio para a área – Avançamos muito. Mas há ainda trabalho pela frente.

Blog Ciencia e Cultura

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