Primeira reportagem especial sobre os 75 anos da entidade narra como o período pós-guerra e decisões políticas em São Paulo impulsionaram manifestações em prol do setor no Brasil. SBPC foi fundada em 8 de julho de 1948
A vitória dos Estados Unidos e seus aliados na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) despertou o interesse mundial pelos avanços da Ciência, afinal, grandes descobertas na Química e na Física e novas tecnologias desenvolvidas na época, como radares e computadores, se mostraram como fatores decisivos nos campos de batalha. O investimento em pesquisa tornou-se uma demanda global, e algo que passou a ser considerado pelo Brasil também.
“A guerra é sempre um momento de reflexão para os países, sobre a sua relação com a tecnologia. E, para o Brasil, isso não foi diferente, tanto é que a Segunda Guerra Mundial, na verdade, é um dos primeiros momentos da história do País em que o Estado faz investimento em Ciência da forma como a gente conhece, financiando projetos de pesquisa”, explica o historiador Bruno Roma, que atua no Centro de Memória da SBPC.
Na época, o País estava vivendo um período econômico chamado Nacional-desenvolvimentismo. Incentivado pela visão internacional pós-guerra, o Brasil viu a sua economia crescer e acreditava que só alcançaria a soberania nacional se tivesse uma indústria forte, mas, para isso, era necessário ter tecnologia própria, ou seja, investir em Ciência.
E se as nações estavam interessadas no setor, os cientistas, globalmente, começaram a perceber o aumento no interesse governamental em seus trabalhos. Assim, entidades representantes da classe científica começaram a surgir ao redor mundo, um movimento que se seguiu aqui no Brasil e foi precursor da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC.
“Os fundadores da SBPC são três médicos de formação: Maurício Rocha e Silva, José Reis e Paulo Sawaya. O Rocha e Silva é, talvez, a figura que mais encabeçou esse movimento. Como estudou nos Estados Unidos e na Inglaterra, ele já sabia que em alguns países fora do Brasil, como na Alemanha, na França e na própria Inglaterra, existiam associações como a que viria a ser a SBPC, associações para o desenvolvimento da Ciência. Muito incentivado por isso, ele convida as outras duas figuras para tentar motivar a comunidade científica em torno deles, principalmente a comunidade paulista”, detalha Roma.
Até que veio um gatilho que mobilizou a criação urgente da SBPC. Em 1948, o diretor do Instituto Butantan, Eduardo Vaz, começou a demitir em massa cientistas que trabalhavam na entidade nas áreas de química e endocrinologia. Era uma ordem do então governador de São Paulo, Ademar de Barros, que decidiu reduzir as pesquisas que não tinham ligação direta com a produção de soro antiofídico.
“O Ademar de Barros quis reduzir as funções do Butantan, suspendendo alguns departamentos. Mandou todo mundo embora, porque ele tinha aquela visão de que o Butantan era para ser uma fábrica de vacinas e não um ambiente de pesquisas. Ele não conseguia ver que essas duas coisas são completamente ligadas.”
Em maio daquele ano, Rocha e Silva, Reis e Sawaya fizeram uma primeira reunião na Associação Paulista de Medicina e perceberam que dava para construir uma entidade pelos direitos dos cientistas, mas que precisavam reunir mais gente. No dia 8 de julho, os especialistas conseguem quórum suficiente e criam, ali, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
“Para a comunidade científica paulista, esse momento em que o governador de São Paulo interferiu em um dos institutos de pesquisa mostrou que era a hora apropriada para criar uma associação para lutar pelo progresso da ciência em nosso país”, conta a pesquisadora Ana Maria Fernandes, na obra A construção da ciência no Brasil e a SBPC.
Resumidamente, a SBPC nasceu com três objetivos. O primeiro era provar para a sociedade e para os governos a importância da ciência, ou seja, lutar pela sua defesa. O segundo objetivo era pensar na divulgação científica, em medidas que difundissem a ciência. E o terceiro, era buscar melhores condições de trabalho para os pesquisadores.
“A primeira pauta da SBPC foi interceder pelo Butantan, dizer: ‘não, a comunidade científica precisa ser ouvida, o Estado não pode fazer essa interferência aqui dentro sem escutar a comunidade’”, detalha Roma, complementando: “Depois disso, as pautas que vêm são muito ligadas às condições de trabalho dos cientistas. Ao financiamento dos institutos, como o Instituto Biológico de São Paulo e a Fiocruz. Então, eram falas muito ligadas a isso, quase como um agrupamento de classe.”
E quando as primeiras conquistas vieram, foi o momento de se pensar mais longe. A SBPC percebeu que, assim como registrado em seu nome, era necessária uma atuação nacional.
“Eu acredito que é a partir da década de 1950 que a SBPC começa a pensar grande, por assim dizer, e ter pautas mais ligadas ao Governo Federal. É assim que a entidade inspira a criação do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e demais entidades científicas que vão surgindo durante a década”, conclui Roma.
Hoje, a SBPC representa 177 sociedades científicas afiliadas e conta com mais de 3 mil sócios ativos. A importância da entidade para o Brasil foi registrada no calendário nacional: em 2001 foi sancionada a lei nº 10.221, que criou o Dia Nacional da Ciência, e em 2008, a lei nº 11.807, que estabeleceu o Dia Nacional do Pesquisador. As datas são comemoradas todo 8 de julho, em alusão ao dia em que a SBPC foi fundada.
Reportagens especiais recontam a história da SBPC
Esta reportagem é parte de uma série especial para os 75 anos da SBPC, que serão comemorados no próximo sábado, dia 8 de julho.
Se quiser saber mais sobre o período de fundação da entidade e seus primeiros anos de atividade, ouça o episódio “Memórias da Ciência Brasileira”, do podcast O Som da Ciência, uma produção da equipe de comunicação da SBPC.
A matéria também utilizou trechos da obra “A construção da ciência no Brasil e a SBPC”, de Ana Maria Fernandes e informações da reportagem “Cientistas unidos”, publicada pela revista Pesquisa Fapesp em 2019.