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Reuniões Anuais e Regionais da SBPC foram idealizadas para se debater política na prática e levar Ciência a todo o País

Quarta reportagem especial sobre os 75 anos da entidade fala da importância dos eventos científicos na história do Brasil. Aniversário de fundação da SBPC é neste sábado, 8 de julho

 

Quando foi criada, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) nasceu não só com o objetivo de defender a Ciência, mas difundi-la também. Entretanto, lá no final da década de 1940, realizar esse objetivo era um desafio muito maior do podemos pensar em tempos atuais.

Uma das primeiras ideias foi a criação de uma publicação, uma revista que tratasse da ciência como parte da cultura do País – a Ciência & Cultura. Ao mesmo tempo, os fundadores da SBPC também idealizaram um espaço para promover o debate científico. Assim, nasceram as Reuniões Anuais, encontros pensados para reunir, além de cientistas, a sociedade civil e personalidades da política nacional, com o objetivo de pensar, na prática, os caminhos da ciência brasileira e promover a aproximação desses atores.

“Uma metáfora possível para explicar as Reuniões Anuais da SBPC, desde a primeira realizada em Campinas (SP), em 1949, é compará-las a uma grande orquestra”, explica a jornalista e pesquisadora Fabíola de Oliveira, na obra Ciência para o Brasil.

“É como se, há mais de 70 anos, após ensaiar diariamente durante todo o ano, essa orquestra realizasse a sua grande apresentação. Os atores (organizadores e público) e a música (as atividades) foram mudando e se moldando aos momentos históricos vividos pelo país. Milhares de cientistas, professores e sucessos da ciência e da tecnologia de todo o Brasil têm se envolvido como espectadores, convidados e autores de trabalhos acadêmicos de todas as áreas do conhecimento. Desde meados do século passado, sob a batuta da SBPC, gerações se unem a essa orquestra de fazedores e apaixonados pela ciência”, conta a jornalista e ex-coordenadora do Departamento de Comunicação da entidade.

A história das Reuniões Anuais da SBPC começa com um dos seus fundadores, Maurício Rocha e Silva. Entre os anos de 1940 e 1946, Rocha e Silva passou temporadas de estudo nos Estados Unidos e na Inglaterra, e manteve contato com as entidades científicas locais, como a Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS) e a Associação Britânica para o Progresso da Ciência (BAAS), que realizavam seus encontros anuais, como complementa a pesquisadora Ana Maria Fernandes, no livro A construção da ciência e a SBPC:

“A SBPC estava seguindo os passos dessas associações (AAAS e BAAS) através de publicações, reuniões de popularização da ciência, cursos intensivos, apresentação de documentos ao governo, mas sobretudo através de suas reuniões anuais em que se estabeleciam contatos entre cientistas de todas as disciplinas e, também, com o público geral. [Desde então] a reunião anual já era considerada o mais importante instrumento dessas sociedades, e a SBPC se congratulava de ter realizado em outubro de 1949 a primeira reunião na América Latina integrando todos os campos científicos.”

Para a secretária-geral da entidade, Claudia Linhares Sales, o que faz com que as Reuniões Anuais se mantenham relevantes após sete décadas e meia é o fato de acompanhar as mudanças do País.

“Eu acho que essas reuniões da SBPC foram construindo a identidade e a alma da entidade ao longo do tempo e, possivelmente, elas continuarão desempenhando esse papel. A SBPC tem uma missão desde a sua criação, mas essa missão ela vai se transformando. A SBPC de 75 anos atrás talvez não tivesse a pauta do meio ambiente como pauta prioritária. E onde foi que surgiu essa pauta prioritária? Vem das sucessivas reuniões, em que os temas vão sendo trazidos, os grandes desafios e problemas brasileiros. O que se espera de uma Reunião Anual é isso, que a gente se debruce sobre os problemas contemporâneos da nossa sociedade e consiga trazer debates, soluções, amadurecer ideias, nesse grande fórum”, declara.

A primeira Reunião Anual da SBPC foi realizada na cidade de Campinas, dentro das salas do Instituto Agronômico do Estado de São Paulo. A edição de número 75 está para acontecer em Curitiba, sediada na Universidade Federal do Paraná (UFPR), entre os dias 23 e 29 de julho. Entre uma e outra, a SBPC não deixou de realizar o evento em nenhum ano sequer. Nem mesmo durante a pandemia de coronavírus, quando nos vimos obrigados a passar um longo período isolados. Seguindo à risca as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), a SBPC se adaptou e promoveu dois grandes eventos de forma virtual, a 72ª e a 73ª edições, em 2020 e 2021.

A RA, como é carinhosamente chamada (alguns a chamam também, simplesmente, de SBPC), é um evento itinerante e ocorre, a cada ano, em uma instituição de ensino – uma universidade, via de regra – diferente espalhada pelo País. E existem muitas formas de se chegar a estas instituições, como detalha Sales:

“Por exemplo, a gente achou que fazer a reunião do ano passado, na UnB (Universidade de Brasília), uma vez que era o Bicentenário da Independência do País e o aniversário de 60 anos da instituição, era muito pertinente. E aí você pode perguntar, mas por que uma universidade vai se meter a organizar um evento dessa dimensão? E a resposta é: por conta do legado, da história das Reuniões Anuais.”

E a secretária-geral da SBPC não está exagerando, muitos fatos da história científica e política do País tiveram como palco as Reuniões Anuais:

  • A 25ª Reunião Anual, em 1973, contou com a presença do médico polonês Albert Sabin. Ele foi o desenvolvedor da vacina oral contra a poliomielite e renunciou a patente de sua vacina, o que permitiu que a pólio fosse praticamente erradicada em diversos países, como o Brasil. Sabin ainda produziu outras pesquisas importantes, especialmente sobre pneumonia, encefalite, câncer e dengue.
  • Um ano depois, em 1974, na 26ª Reunião Anual, o economista Celso Furtado ainda era cassado e perseguido pela ditadura militar. A lei de anistia ainda não existia e, mesmo correndo riscos, ele voltou ao País após um exílio internacional para participar da RA, que foi em Recife (PE). Furtado viria a mais duas Reuniões Anuais: a 31ª, em 1979, e a 32ª, 1980 – nesta última, ele participou do debate “Crise Econômica e Democracia – A Conjuntura Crítica da Ciência Econômica”, junto aos professores Pedro Malan, Maria da Conceição Tavares e Francisco de Oliveira, e foi aplaudido por uma plateia de, aproximadamente, duas mil pessoas na concha acústica da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
  • Aliás, foi em uma Reunião Anual que a economista portuguesa Maria da Conceição Tavares decidiu se tornar cientista no Brasil. Foi na 8ª RA, que ocorreu em 1956. Lá, ela teve seu primeiro contato com a comunidade científica brasileira. Sufocada pela ditadura de Salazar em Portugal e encantada pelo campo científico de nosso país, ela decidiu ficar por aqui. Tavares também foi cassada na ditadura militar brasileira, se exilou, mas voltou ao país depois da anistia e contribuiu, por muitos anos, com a construção de políticas econômicas e sociais do Brasil.

 

Na obra A construção da ciência no Brasil e a SBPC, Ana Maria Fernandes buscou contar a história da SBPC usando muitas das publicações que a entidade fez ao longo dos anos. Ela encontrou um depoimento do físico Oscar Sala, presidente da entidade entre 1973 e 1979, falando das suas impressões quando teve contato com as reuniões que a SBPC realizava. O depoimento foi escrito e publicado em 1977:

“Eu confesso a vocês que na primeira vez que eu presidi uma reunião daquelas, pensei: o que tem a ver um pesquisador, digamos, de geologia, querer dar palpite sobre um problema econômico do país? Numa primeira reação, eu disse, eu, como cientista, só vou dar palpite naquilo de que eu realmente entendo. Mas percebi, à medida que a reunião começou a se desenvolver, me dei conta que eu estava errado. Aqueles homens de sociedade, que tinham o direito de estar preocupados com os problemas do país, que estavam procurando fazer umas sugestões. Às vezes são sugestões muito boas, às vezes são sugestões estúpidas. Mas eu acho que é um direito do homem da ciência, é um sentimento que ele está, hoje, tendo cada vez mais. A ciência é importante para a sociedade. Então ele quer também participar. Ele sente uma responsabilidade, como cientista, perante a sociedade moderna. Ele precisa participar de tudo o que se passa nessa sociedade. E é o que ele faz na SBPC.”

 

Debates regionais

Durante as Reuniões Anuais, a SBPC começou a perceber que somente esses encontros não eram o suficiente para a difusão da Ciência: era necessário levar o formato das RAs a outras regiões, mas de modo a colaborar com as comunidades locais e valorizar a ciência desenvolvida regionalmente. Assim nasceram, em 1983, as Reuniões Regionais, também chamadas de RRs.

“As reuniões anuais acontecem em centros urbanos que contam com universidades de grande porte, capazes de receber os milhares de participantes oriundos de todo o país. Como então levar ao interior, sobretudo nas regiões mais carentes do território brasileiro, as novidades da ciência e do mundo acadêmico? As Reuniões Regionais buscam atender a essas demandas, principalmente em localidades do Norte e do Nordeste”, explica a pesquisadora Fabíola Oliveira, no livro Ciência para o Brasil.

“Assim, proporcionam amplos debates, com temáticas do cotidiano dos municípios-sede, da região e do Brasil, além de resgatar e dar visibilidade às pesquisas e aos trabalhos desenvolvidos por alunos e professores locais”, conta a pesquisadora. Ao todo, foram realizadas 47 edições das RRs, que já passaram por todas as regiões do País.

 

Memórias de aniversário

Esta reportagem é parte de uma série especial para os 75 anos da SBPC, que serão comemorados no próximo sábado, dia 8 de julho.

Se quiser saber mais sobre as Reuniões Anuais da SBPC, basta ouvir o episódio Ciência é feita de debates, do podcast O Som da Ciência, uma produção da equipe de comunicação da SBPC.

A matéria também utilizou apuração do Centro de Memória da SBPC e trechos das obras A construção da ciência no Brasil e a SBPC, de Ana Maria Fernandes, e “Ciência para o Brasil: 70 anos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência”, organizado por Helena Nader, Vanderlan Bolzani e José Roberto Ferreira – este último está disponível para download gratuito no site da SBPC.

Jornal da Ciência

Chris Bueno

Chris Bueno

Chris Bueno é jornalista, escritora, divulgadora de ciências, editora-executiva da revista Ciência & Cultura, e mãe apaixonada por escrever (especialmente sobre ciência).
Chris Bueno é jornalista, escritora, divulgadora de ciências, editora-executiva da revista Ciência & Cultura, e mãe apaixonada por escrever (especialmente sobre ciência).
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