Confira entrevista com Debora Foguel, professora do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e coordenadora de Educação da Rede CpE
Até 2002, o país tinha apenas 45 universidades federais, concentradas, principalmente, nas regiões Sudeste e Sul. De acordo com dados do Censo da Educação Superior 2013, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), esse número elevou-se para 63, em 2014, com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Os 148 campi aumentaram para 321 no período, construídos principalmente em cidades de médio porte no interior do país, visando a desconcentração regional. Dados do Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o percentual de brasileiros com nível superior completo passou de 4,4%, em 2000, para 7,9%, em 2010, o que representa a passagem de 6,1 milhões para 12,8 milhões de brasileiros detentores de um diploma universitário. Hoje é preciso expandir ainda mais, porém com mais planejamento. “Hoje, talvez, seja mais interessante fazermos algumas ponderações de modo que um novo programa de expansão possa ser feito de forma acoplada às necessidades locais”, afirma Debora Foguel, professora do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora de Educação da Rede Nacional de Ciência para Educação (Rede CpE). Para a pesquisadora e editora científica deste número da Ciência & Cultura, a expansão vivida pelas universidades federais nas últimas décadas também contribuiu para a diversificação do perfil dos universitários brasileiros. “Quem transita hoje pelas instituições de ensino superior (IES) públicas no país percebe uma mudança clara no perfil dos discentes, agora oriundos de famílias mais empobrecidas, muitas sem história prévia no ensino superior, de diferentes cores, crenças e origens”, aponta. Mas também alerta que não bastam políticas que incentivem a entrada desses alunos: é preciso pensar também em como mantê-los nas universidades. “Para que esses estudantes concluam seus estudos, é necessária uma política mais agressiva de concessão de bolsa de auxílio e permanência por parte do governo”. Foguel também destaca que a ciência – que está intimamente ligada à educação – é uma das forças motrizes do desenvolvimento do país, seja econômico ou social. “Pensar em novas formas de economias solidárias e emancipatórias com vistas a um mundo mais sustentável me parece um caminho que precisa e deve passar pelas universidades ‘antenadas’ com a sua importância histórica”, conclui.
Confira a entrevista completa!
Ciência & Cultura – Como ampliar o acesso ao ensino superior e aumentar a qualidade do ensino na universidade brasileira? Quais são os desafios para o Brasil alcançar essas metas?
Debora Foguel – O ensino superior público no país foi ampliado de maneira expressiva a partir do programa Reuni de 2008-2009. Foi impressionante o aumento que houve no número de matrículas, incluindo a criação de cursos novos e, até mesmo, de novas instituições de ensino superior (IES) e campi por todo o país, incluindo os institutos federais tecnológicos. Nesse programa houve criação de cursos de todas as áreas sem, de fato, haver um estudo ou compatibilização com demandas nacionais e regionais por determinados profissionais. Na verdade, a necessidade de profissionais no país a época era enorme, portanto uma primeira ampliação indiscriminada pode ter sido acertada. Hoje, talvez, seja mais interessante fazermos algumas ponderações sobre essas necessidades de modo que um novo programa de expansão possa ser feito de forma acoplada às necessidades locais, sempre com vistas a um futuro incerto, onde certas previsões e apostas precisam ser feitas. Quanto à qualidade, não tenho muitas dúvidas que os estudantes formados nas IES públicas e algumas poucas privadas são qualificados!
“Sem levarmos ciência para todos e sem outras visões de mundo, será difícil enfrentar conjuntamente os desafios contemporâneos, que passam pela criação de novas soluções, mas, também, por mudanças na nossa forma de vida e de interação com o planeta.”
C&C – Como as políticas afirmativas (cotas, bolsa de permanência, etc.) contribuem para democratização do ensino no Brasil? O que ainda precisa ser feito?
DF – As políticas afirmativas foram, sem dúvida, a maior e mais eficaz política pública para a democratização do ensino no país. Quem transita hoje pelas IES públicas no país percebe uma mudança clara no perfil dos discentes, agora oriundos de famílias mais empobrecidas, muitas sem história prévia no ensino superior, de diferentes cores, crenças e origens. No entanto, para que esses estudantes concluam seus estudos, é necessária uma política mais agressiva de concessão de bolsa de auxílio e permanência por parte do governo. O número dessas bolsas em qualquer instituição que se analise é insuficiente para atender a demanda. Muitas vezes, aqui na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), temos que recusar o pedido de uma bolsa para um estudante cuja história é compatível com essa forma de auxílio. Muitos se vão sem completarem seus estudos deixando no caminho seus sonhos…
C&C – Um dos objetivos do Ano Internacional das Ciências Básicas para o Desenvolvimento Sustentável, estabelecido pela ONU, é promover a educação e a formação científica. Por que isso é importante para alcançar os ODS?
DF – É importante aproveitarmos o Ano Internacional da Ciência Básica para o Desenvolvimento Sustentável para promover a ciência para todos. Para os alunos que estão nas escolas e na graduação. Mas também para as pessoas que não estão em escolas ou no mundo acadêmico. Trata-se de um direito que todo cidadão precisa ter. Sem levarmos ciência para todos e sem outras visões de mundo, será difícil enfrentar conjuntamente os desafios contemporâneos, que passam pela criação de novas soluções, mas, também, por mudanças na nossa forma de vida e de interação com o planeta. Conhecer para entender e mudar…
“É na escola que podemos mostrar a beleza da ciência, suas limitações e até mesmo equívocos.”
C&C – De que modo a educação, em especial a educação básica, é essencial para a formação de cientistas? E o que os cientistas podem fazer para colaborar nesse sentido?
DF – É na escola que podemos mostrar a beleza da ciência, suas limitações e até mesmo equívocos. Cativar o interesse e o gosto pela ciência e carreiras associadas a ela deve começar cedo. Mas, para isso, experimentar o fazer científico é muito necessário. Engajar os estudantes em projetos colaborativos que envolvam a busca pelo conhecimento (em todas as áreas e temas!) me parece interessante. Quero citar aqui o PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) para o ensino médio. Acredito muito nesse programa e acho que é um excelente instrumento que permite colocar escola e universidade frente a frente; professores do ensino básico e do ensino superior lado a lado. Esse é um bom exemplo de algo que pode cativar um jovem para a carreira científica. Que possamos agora voltar a turbinar esse belo programa!
C&C – Quais os principais desafios que envolvem a formação de profissionais para a ciência comprometidos com a qualidade, o pensamento crítico e a inovação?
DF – Em tese, a formação de profissionais para ciência se faz na pós-graduação. Nessa área, os avanços do país são notórios e de dar inveja a muito países. Hoje, temos um sistema de pós-graduação no país consolidado e, embora ainda assimétrico, tem crescido de forma mais expressiva nas regiões Norte e Nordeste do país. Estamos caminhando! E, também, nos qualificando, pois muitos desses programas tem avançado e se qualificado. Eu defendo que o papel da pós-graduação é formar excelentes doutores capazes de, se confrontados e a eles forem dadas as condições, responder a perguntas que se originam da academia, de empresas, do setor público, dos movimentos sociais, etc. Bons doutores são aqueles que trazem na mochila uma rica história de formação, o domínio dos seus conteúdos, facilidade de contar o que fazem e o que estudam, que tenham produzido algo, mas que saibam aplicar esses elementos da sua mochila para resolver as questões relevantes do solo em que pisam!
“A ciência é fundamental para o desenvolvimento econômico de um país, mas eu acrescentaria que também é importante para o desenvolvimento social, ambiental e até mesmo humanístico.”
C&C – Quais as principais dificuldades que um cientista enfrenta hoje no Brasil? E uma mulher cientista?
DF – Uma das maiores dificuldades agora é restabelecer o fluxo de recursos e financiamento em todo país. Os últimos anos, em especial os quatro últimos anos, foram muito deletérios para a manutenção e sobrevida de grupos e projetos de pesquisa. Não só para isso, pois o que assistimos foi uma afronta, um desprezo e uma ataque às universidades e ciência. No que tange as mulheres, já maioria entre doutores(as) formados(as) em quase todas as áreas, ainda é difícil conciliar a maternidade com algumas exigências acadêmicas. É muito importante a movimentação de várias partes – agências de financiamento, em especial – para dar mais tempo após o doutorado na submissão de propostas em editais de pesquisa para mulheres que tiveram filhos no período. Algumas áreas da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) também já permitem que se aponte nos relatórios mães no quadriênio para que sua produção seja relativizada. Enfim, vamos que vamos…
C&C – Por fim, qual a importância da ciência para a economia e o desenvolvimento do país?
DF – A ciência é fundamental para o desenvolvimento econômico de um país, mas eu acrescentaria que também é importante para o desenvolvimento social, ambiental e até mesmo humanístico. No aspecto econômico, e diferente de outros países, ainda é a universidade brasileira que responde por muitas patentes, e não as empresas. Muitas dessas patentes trouxeram riquezas para o país. Acho importante as universidades fazerem essas parcerias com empresas, mas acho que também devem se voltar para atender as demandas de outros setores da sociedade que podem trazer renda e desenvolvimento para o país. Pensar em novas formas de economias solidárias e emancipatórias com vistas a um mundo mais sustentável me parece um caminho que precisa e deve passar pelas universidades “antenadas” com a sua importância histórica.