Cientistas que não falam inglês passam mais tempo lendo e escrevendo estudos do que falantes nativos. Falantes de línguas indígenas enfrentam dupla discriminação.
Os cientistas que não falam inglês enfrentam muitos desafios ao longo de sua carreira. Para quem fala línguas indígenas, a limitação é dupla: além do inglês, eles precisam aprender outro idioma para acessar o sistema educacional de seus países. As conclusões são de uma pesquisa publicada recentemente na revista PLOS Biology.
A pesquisa incluiu 908 pesquisadores de ciências ambientais de oito países (Bangladesh, Bolívia, Inglaterra, Japão, Nepal, Nigéria, Espanha e Ucrânia) e revelou que, em comparação com falantes nativos de inglês, os cientistas que não falam inglês gastam 19,1 dias a mais de trabalho lendo publicações científicas. Além disso, precisam de 51% mais tempo para escrever suas pesquisas antes de submetê-las a um periódico. Da mesma forma, a rejeição de empregos por pessoas que não falam inglês é 2,6 maior.
Além das publicações, outro aspecto importante do desenvolvimento profissional em ciências é a participação em conferências e apresentações orais. No entanto, 30% dos falantes não nativos de inglês entrevistados afirmaram que muitas vezes optam por não participar de conferências devido ao idioma. Metade prefere não expor o seu trabalho e aqueles que o fazem passam quase o dobro do tempo a preparar-se.
Somado ao aumento do tempo, a pesquisa constatou que mais de metade dos seus inquiridos recorreram a serviços de edição e quase um terço contratou tradutores, serviços que por vezes representam um quarto ou metade do salário de um estudante de doutoramento.
Povos indígenas
Entre os países não anglófonos pesquisados está a Bolívia, onde 41% da sua população com mais de 15 anos é indígena, segundo o Censo Nacional de 2012, e 35% têm uma língua indígena como primeira língua aprendida quando criança. Apesar disso, todos os participantes da pesquisa responderam que a sua língua materna era o espanhol.
No México, das 254.529 pessoas que tinham doutorado em 2020, apenas 1,6% eram falantes de uma língua indígena. Apenas 1.402 pessoas desse grupo eram mulheres, segundo análise feita ao Censo Demográfico e Habitacional de 2020 pela Agendapropia.
Jhonnatan Rangel, linguista do Laboratório de Estrutura e Dinâmica das Línguas da França, destaca que “a ciência é um microcosmo da sociedade, onde existem poder e estruturas hierárquicas”. Nesse sentido, explica que a discriminação linguística não ocorre de forma isolada, ou seja, a forma de falar ou escrever é utilizada como “um proxy linguístico para discriminar uma pessoa de outra forma”, como o seu nível socioeconômico ou origem étnica. Além disso, cientistas apontam que o fortalecimento das revistas científicas na América Latina poderia contribuir para o princípio do multilinguismo na ciência aberta.
Com informações de SciDev.Net