Proteção ambiental é um passo importante no desenvolvimento econômico da América Latina
No começo de agosto, representantes de oito países-membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) se reuniram para discutir o futuro do desenvolvimento sustentável da região. Na ocasião, participantes da Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela levantaram ações e oportunidades necessárias para impulsionar uma cooperação coordenada.
Foram mencionadas a necessidade de implementar políticas públicas para segurança alimentar e nutricional, o combate ao desmatamento ilegal e a conservação do patrimônio genético da floresta. Também destacou-se a importância de incluir os povos originários em todos os debates envolvendo o desenvolvimento sustentável da Amazônia nos próximos anos, incluindo mulheres e amazônidas urbanos.
Conforme disse o embaixador Ruy Pereira no evento, diretor da Agência Brasileira para Cooperação (ABC), todas essas iniciativas são importantes regionalmente porque os impactos em um continente interconectado como a América do Sul são inevitáveis em todos os seus países.
Ciência
A relevância de aprofundar as pesquisas científicas sobre os temas também foi apontada como um elemento central das estratégias futuras para o desenvolvimento da região amazônica. Uma das prioridades, conforme apontaram Radjindredath Narain, assessor de políticas do Ministério de Planejamento Espacial e Meio Ambiente do Suriname, e Ali Peña, vice-presidente do Instituto Geográfico Venezuelano Simon Bolívar, é ampliar o financiamento de pesquisas sobre mudanças climáticas, uma vez que eles consideram a proteção ambiental um passo importante no desenvolvimento econômico da região.
Neste sentido, o Brasil tem desenvolvido atividades de pesquisa abrangentes e inovadoras para estudar os impactos das mudanças climáticas na floresta Amazônica. Em iniciativa envolvendo mais de 40 pesquisadores do Brasil, Estados Unidos, Europa e Austrália, um experimento está sendo construído para medir como a floresta amazônica responde a condições de altas quantidades de gás carbônico (CO2) atmosférico – uma das principais causas das mudanças climáticas.
Trata-se do AmazonFACE, localizado em uma floresta da bacia Amazônica próxima a Manaus e esperado para começar a operar em 2024. Por meio de torres espalhadas pela floresta, o projeto simulará situações de temperaturas elevadas esperadas para o futuro e gerará dados sobre como o ecossistema responde a elas. (Figura 1)
Figura 1. AmazonFACE simulará situações de temperaturas elevadas esperadas para o futuro e gerará dados sobre como o ecossistema responde a elas por meio de torres espalhadas pela floresta
(Imagem: Unicamp/ amazonface.unicamp.br)
O relatório do projeto aponta que, ao mesmo tempo em que altas taxas de CO2 causam mudanças climáticas – provocando aumento de temperaturas e ocorrência crescente de fenômenos extremos – é possível que o CO2 em excesso seja aproveitado para aumentar a produtividade da floresta, por meio da fotossíntese. Por isso, uma das hipóteses que o projeto busca verificar é a possibilidade da floresta utilizar o gás carbônico para manter o seu equilíbrio, possivelmente se protegendo dos impactos das mudanças climáticas.
“O experimento vai nos dar muitos insights de como a floresta pode se comportar e o quão resiliente ela estará às mudanças climáticas e isso reverbera em muitos setores socioeconômicos na região”, explica David Lapola, coordenador do programa AmazonFACE. Segundo o pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o projeto afetará diretamente as políticas públicas relacionadas às maneiras com que o Brasil reporta as suas emissões de carbono à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (United Nations Framework Convention on Climate Change – UNFCCC) e ao mercado de carbono. Além disso, poderá afetar indiretamente as futuras regulamentações de produção agrícola, extrativismo, produção de energia, pesca e transporte.
O projeto usa a tecnologia FACE (Free-Air CO2 Emission), tradicionalmente utilizada em florestas temperadas de outros continentes. É a primeira vez que ela será aplicada no Brasil e no contexto de uma floresta tropical – que possui particularidades importantes para o estudo de mudanças climáticas, como temperaturas mais elevadas e maior biodiversidade. Essas florestas também têm uma composição de nutrientes diferentes às florestas temperadas, que pode afetar a maneira com que ela se comporta frente a temperaturas elevadas.
“As comunidades tradicionalmente atuam na preservação dos recursos naturais dos seus territórios e de áreas preservadas, incluindo as terras e rios da região.”
Dada a inovação, a colaboração internacional com países experientes na tecnologia é importante, além de garantir diversidade na equipe. No momento, o projeto recebe apoio financeiro do Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação do Brasil (MCTI) e do governo do Reino Unido para a construção da infraestrutura.
Indo por outro caminho, pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) exploram essas questões partindo de métodos da Antropologia. No projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, integrantes de povos e comunidades tradicionais da Amazônia são convidados a produzirem seus próprios mapas da região, utilizando a sua própria terminologia e linguagem. “O nosso projeto cria condições das pessoas produzirem seus próprios mapas. Esses mapas podem ser – e têm sido – elementos de defesa e de força para garantir territórios e para denunciar desmatamentos, queimadas e devastação em tempo real”, explica Alfredo Wagner, professor da UFAM e coordenador do projeto. (Figura 2)
Figura 2. Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia convida integrantes de povos e comunidades tradicionais para produzirem seus próprios mapas da região, utilizando a sua própria terminologia e linguagem.
(Imagem: Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia/ novacartografiasocial.com.br)
Alfredo Wagner detalha que, no que diz respeito às iniciativas de garantir desenvolvimento sustentável e levantar ações para combater mudanças climáticas, o projeto dá condições para os povos que habitam a região promoverem as suas próprias formas de proteção e defesa dos territórios, independentemente de empresas, ONGs e partidos políticos. Ele destaca que essas são comunidades que, tradicionalmente, atuam na preservação dos recursos naturais dos seus territórios e de áreas preservadas, incluindo as terras e rios da região.
Colaboração
Ao longo dos seus 13 anos de atuação, o projeto coordenado por Alfredo Wagner conta com mapas criados por povos de todos os oito estados brasileiros da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins). Também existem materiais feitos em parceria com outros países amazônicos, incluindo Bolívia, Colômbia, Guiana Francesa e Suriname. “Essa abrangência tem sido responsável pelo êxito do projeto e ela também é importante para entendermos que essas realidades da pan-Amazônia não são exclusivas do nosso país. Há também florestas tropicais na América Central, por exemplo”, destaca.
“Não só as colaborações são necessárias para o avanço das pautas de desenvolvimento sustentável, como é importante garantir que as instituições científicas e os profissionais de pesquisa da região estejam devidamente amparadas.”
A importância de aumentar as colaborações entre países da Pan-Amazônia também é reconhecida pela equipe do AmazonFACE, que se reuniu, no final de agosto, com a OTCA. A intenção é que, daqui para frente, sejam discutidas e implementadas oportunidades de pesquisa envolvendo mais países da região. “Como o experimento é relevante para toda a Amazônia, faz muito sentido a gente poder atrair a comunidade de toda a Pan-Amazônica para trabalhar no projeto”, afirma David Lapola.
Marilene Corrêa, professora do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura da Amazônia (PPGSCA ) da Ufam, destaca também que não só as colaborações são necessárias para o avanço das pautas de desenvolvimento sustentável, como é importante garantir que as instituições científicas e os profissionais de pesquisa da região estejam devidamente amparadas. “É preciso que o Estado fortaleça mais as instituições locais: o INPA [Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia], a Embrapa, o museu Emílio Goeldi e as universidades federais. É preciso também interiorizá-las, ou seja, incluí-las na parte mais profunda da floresta amazônica brasileira”, afirma.
1 comment