A formação de um bloco econômico pode proporcionar desenvolvimento, estimular a tecnologia e, especialmente, melhorar a qualidade de vida das populações da região
Desde o final dos anos 1950, diversos especialistas defendem que a criação de blocos econômicos envolvendo as nações latino-americanas pode ser uma ferramenta poderosa para alavancar a economia e valorizar a relevância internacional da região. Na época, o cenário pós-guerra, marcado por crises financeiras, crescimento populacional e dificuldades de diálogo na comunidade internacional, era favorável a instigar o desejo de construir um conjunto mais influente de países, unindo forças de Estados vizinhos, mas, que até então, mantinham relações limitadas durante a resolução de seus desafios. Movidas por esse cenário surgem, nas décadas de 1950 e 1960, as primeiras tentativas de integrar a economia da América-Latina, lideradas pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e pela Associação Latino-Americana de Livre-Comércio (ALALC).
Apesar do conceito promissor e do cenário favorável, essas e outras iniciativas integracionistas enfrentaram desafios que, ao menos temporariamente, puseram fim ao sonho de unificar a economia latino-americana. Regimes políticos, dificuldades econômicas e a ausência de mecanismos para tomadas de decisões mais justa foram somente alguns dos obstáculos que levaram ao fim da ALALC e ao enfraquecimento da proposta do CEPAL. “O avanço das relações e das articulações do Brasil com os vizinhos data mais do fim do período militar”, explica Luciano Wexell Severo, ex-consultor da CEPAL e professor do curso de Ciências Econômicas, Economia, Integração e Desenvolvimento da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).
Com o colapso da ALALC e a democratização, a construção de blocos econômicos regionais menores, formados apenas por parte dos países da região, foi favorecida. Alguns dos frutos dessas agregações, como a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul), persistem até hoje e contribuem, por exemplo, para facilitar o comércio entre os países-membros. (Figura 1)
Figura 1. O Mercado Comum do Sul (Mercosul) é uma iniciativa que persiste até hoje e contribui para facilitar o comércio entre os países-membros.
(Foto: Mercosul. Divulgação)
Desafios
Segundo Márcio Bobik, professor do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (USP), os problemas econômicos internos ainda costumam ser os principais inimigos da cooperação econômica regional no século XXI. O pesquisador conta que tais questões podem se manifestar de formas diferentes, como em taxas de câmbio instáveis e alta inflação, que afetam os custos das operações entre os países, desencorajam investimentos e diminuem o poder competitivo com relação às outras nações do mundo.
Márcio Bobik destaca também que, mesmo com o avanço de regimes democráticos na América-Latina, a situação política dos países ainda se mostra como um dos desafios a ser superado. “Tormentas políticas internas, bem como divergências em políticas monetárias e fiscais, dificultam a criação de um consenso em torno do avanço da integração”, afirma o pesquisador. Ele explica que a política é apenas um dos problemas internos que pode dificultar o caminho até a integração e que ainda não há respostas sobre como incorporar a resolução desses problemas no processo integrativo.
“Tormentas políticas internas, bem como divergências em políticas monetárias e fiscais, dificultam a criação de um consenso em torno do avanço da integração.”
Nesse cenário, talvez, a união com os países vizinhos seja uma alternativa para colaborar para a solução das tormentas internas de cada nação – mas, para isso, é necessário que os líderes políticos entendam se e como o processo integrativo pode atuar como um facilitador. Para Luciano Severo, na América-Latina, é o Brasil quem deve disseminar essa noção para os demais países: “é papel do Brasil atrair os países vizinhos para um processo de dinamismo econômico, político, democrático e socialmente inclusivo, fazendo com que eles se sintam beneficiados por esse processo de integração; todos esperam essa liderança do Brasil”. O pesquisador explica que as dimensões continentais e o posicionamento geográfico do Brasil, que garante fronteiras diretas com nove dos 11 países sul-americanos, pode proporcionar uma articulação comercial e econômica inédita: “temos metade do território, metade da população, metade da economia e mais de 60% da produção industrial da América do Sul. O Brasil tem que crescer e com o seu crescimento, promover e estimular o crescimento dos vizinhos”.
Para dar início a essa estratégia, Luciano Severo menciona que, primeiro, é essencial impulsionar o fluxo comercial de produtos industriais dentro da América-Latina. “Hoje, o Brasil vende para o mundo produtos de baixo valor agregado, sem muita intensidade tecnológica, como insumos básicos e matérias-primas. Quando observamos as relações com os países vizinhos, é diferente: vendemos produtos manufaturados, como motocicletas, automóveis, ceifadeiras e tratores”, explica. Com isso em mente, o ex-consultor da CEPAL defende que “a capacidade de explorar a face mais desenvolvida e moderna da economia brasileira, a indústria, é com o mercado regional”. Ele destaca que as trocas de produtos mais elaborados estimulam a economia, mas também são combustíveis potentes para a tecnologia, a ciência, a geração de empregos e renda e a capacitação e inovação tecnológica, áreas de extrema relevância em um processo que busca alavancar o desenvolvimento. “É essencial compreender que é importante vender commodities para a Ásia e para o mundo, mas é fundamental ampliar essa articulação com os vizinhos”, completa o professor. (Figura 2)
Figura 2. As trocas de produtos mais elaborados estimulam a economia e também o desenvolvimento de tecnologias, a geração de empregos e renda e a inovação tecnológica.
(Foto: Alberto Coutinho/GOVBA via Fotos Públicas. Reprodução)
Integração
De acordo com a linha de pensamento de Luciano Severo, o Brasil parece estar no caminho certo para tornar o sonho da integração uma realidade ainda mais difundida. No dia 30 de maio de 2023, cinco meses após a posse de seu terceiro mandato, o presidente Lula reuniu em Brasília, pela primeira vez depois de oito anos, os 12 presidentes ou chefes de Estado de países da região. “Há claramente uma intenção do governo brasileiro de voltar a estimular a articulação regional. Por exemplo, o governo tem a ideia clara de voltar à carteira de projetos do COSIPLAN, o Comitê Sul Americano de Infraestrutura e Planejamento, que está paralisado desde 2017, 2018”. O COSIPLAN é um importante articulador da integração infraestrutural e política na América-Latina e iniciativas que direcionam à adesão de seus projetos evidenciam a busca por uma maior união com os Estados vizinhos.
“É papel do Brasil atrair os países vizinhos para um processo de dinamismo econômico, político democrático e socialmente inclusivo.”
Para além das questões levantadas por Luciano Severo, Márcio Bobik acrescenta que o caminho para estabelecer mecanismos integrativos mais complexos, com a promoção de um mercado comum generalizado e, talvez, até mesmo de uma moeda comum aos países latino-americanos, envolve mais uma série de requisitos que ainda não são atendidos, mas devem começar a ser discutidos a fim de avançar no processo. “É necessário, pelo menos, a compatibilização dos planos nacionais de desenvolvimento econômico e a definição clara dos objetivos da integração. A estabilidade macroeconômica regional, que se manifesta pela baixa inflação e crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, por exemplo, e a estabilidade política e institucional dos países que se integram, também são essenciais”, diz.
Para Luciano Severo, ao menos um desses requisitos já tem resposta certa. O pesquisador defende que, além de proporcionar desenvolvimento econômico e financeiro, estimular a tecnologia e a união entre os países, a formação de um bloco econômico tem como principal objetivo e desafio melhorar a qualidade de vida das populações da região. “Aumentar o abastecimento de água potável, o saneamento básico, a oferta de hospitais, de centros médicos, a oferta de instituições de ensino, emprego com carteira assinada, de qualidade, com boa remuneração… Essa é a finalidade”, conclui.