Cientista vencedora do prêmio Nobel inspirou início da radioterapia no país
Com 59 anos e dois prêmios Nobel – um feito extraordinário para a época, especialmente para uma mulher – Marie Curie visitou o Brasil em 1926, agitando o cenário científico nacional. A cientista esteve no país entre 15 de julho e 28 de agosto de 1926. Durante esses 44 dias, visitou universidades e centros e pesquisa, conheceu pesquisadores e pontos turísticos, e inspirou o início da radioterapia no país.
Marie Curie desembarcou no Rio de Janeiro, capital do país, vinda de Marselha, na França, a bordo do luxuoso navio a vapor Pincio, acompanhada de sua filha primogênita, Irène Joliot-Curie, que desempenhava o papel de secretária particular. A cientista detentora de dois prêmios Nobel – o primeiro de Física em 1903 e o segundo de Química em 1911 – foi recebida calorosamente por uma comissão de notáveis brasileiros, incluindo os médicos Juliano Moreira e Roquette Pinto, figuras proeminentes na psiquiatria e radiodifusão brasileiras, respectivamente.
A Embaixada do Brasil na França ofereceu o convite para a viagem e o governo francês apoiou o evento. Marie Curie, então professora da Sorbonne, foi convidada pela Universidade de Paris para ministrar os cursos do Instituto Franco Brasileiro de Alta Cultura, que fica anexo à Universidade do Rio de Janeiro. As conferências de Marie Curie foram realizadas na Escola Politécnica e transmitidas pela Rádio Sociedade.
A Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que representava a intelectualidade brasileira feminina, organizou uma comissão para acompanhar Marie e Irène Curie no Brasil, como a bióloga Bertha Lutz, a mecenas Laurinda Santos Lobo, Maria Bandeira, primeira botânica do Jardim Botânico do Rio de Janeiro; e a médica Carlota Pereira de Queiroz, que seria a única mulher eleita deputada à Assembleia Nacional Constituinte, na legenda da Chapa Única por São Paulo, em 1933. Além disso, a chegada de Marie Curie foi saudada com o artigo “A mulher e a ciência”, publicado na Revista da Semana de 10 de julho de 1926. A Revista O Malho, de 24 de julho de 1926, também saudou a presença da cientista no Brasil com o artigo “O verdadeiro feminismo”.
Rio de Janeiro
Logo após sua chegada, mãe e filha foram recebidas na Escola Politécnica, onde realizaram conferências e experimentos, acompanhadas pelo diretor Tobias Moscoso e outros professores. A visita também incluiu encontros com autoridades, como Artur Bernardes, então presidente da República, e o secretário da Embaixada da França.
A contribuição de Marie Curie para a ciência foi evidenciada durante seu curso sobre o elemento rádio, ministrado na Escola Politécnica. Suas conferências atraiam grande interesse, contando com a participação não só de estudantes, mas também de autoridades e membros da comunidade científica.
Durante sua estada no Brasil, Marie Curie foi acompanhada por Bertha Lutz, destacada líder feminista e presidente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF). Testemunhas da época descreveram a chegada da cientista como a de uma verdadeira estrela, sempre acompanhada de um vagão de luxo reservado para ela e sua filha. Entre uma série de compromissos científicos, Marie Curie também visitou locais históricos, como o Pão de Açúcar e o Jardim Botânico. (Figura 1)
Figura 1. Marie Curie e sua filha, Irène, visitam o Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro
(Fonte: Acervo João Pedro Braga. Reprodução)
São Paulo e Minas Gerais
Após sua marcante visita ao Rio de Janeiro, Marie Curie e sua filha foram convidadas pelos governos de São Paulo e Minas Gerais para uma série de eventos e homenagens.
Acompanhadas por Bertha Lutz e Carlota Pereira de Queiroz, as Curie visitaram os dois estados, atendendo ao convite de Pedro Dias da Silva, diretor da Faculdade de Medicina de São Paulo, e de Borges da Costa, diretor do Instituto de Radium de Minas Gerais.
No dia 18 de agosto de 1926, um evento marcante agitou o ambiente acadêmico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Guimarães Rosa, Juscelino Kubitschek e Pedro Nava, jovens de 18 a 24 anos na época, estavam entre os espectadores de uma palestra revolucionária sobre radioatividade e seu potencial para o tratamento do câncer. Na ocasião, Maria Curie doou duas agulhas de rádio para o Instituto de Radium de Minas Gerais, o primeiro hospital especializado em radioterapia contra o câncer no Brasil, inaugurado em 1922.
Em 19 de agosto, Marie Curie foi agraciada com as insígnias de membro da Academia Nacional de Medicina, entregues por Miguel Couto. Sua contribuição para a ciência foi reconhecida em uma sessão solene da Academia Brasileira de Ciências (ABC), onde foi aclamada como membro correspondente. A Federação Brasileira para o Progresso Feminino também prestou homenagem às Curie em uma cerimônia realizada no Teatro Casino do Passeio Público. Bertha Lutz proferiu um discurso em sua homenagem. Como reconhecimento, Marie recebeu o primeiro diploma de honra concedido pela FBPF, elaborado pela renomada pintora patrícia Silvie Meyer. (Figura 2)
Figura 2. Marie Curie e sua filha Irène Joliot-Curie ao lado de Bertha Lutz em visita ao Museu Nacional do Rio de Janeiro em 1926.
(Fonte: Arquivo do Museu Nacional. Reprodução)
A passagem de Marie Curie pelo Brasil não só inspirou gerações de cientistas, mas também deixou um legado tangível na luta contra o câncer no país. Seu espírito desbravador e sua dedicação à ciência continuam a ecoar através das conquistas que alcançou e das vidas que impactou.
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