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Os primeiros computadores nos laboratórios brasileiros

Artigos publicados na Ciência & Cultura mostram como o computador foi se tornando, a partir dos anos 1950, um equipamento cada vez mais essencial para a pesquisa científica 

 

Em 1936, o matemático inglês Alan Turing, com apenas 24 anos, submeteu um artigo ao periódico Proceedings of the London Mathematical Society. Publicado no ano seguinte, o artigo “On Computable Numbers, with an Application to the Entscheidungsproblem descreve como “números computáveis podem ser descritos brevemente como números reais cujas expressões como decimais são calculáveis ​​por meios finitos”. E o que eram os tais números computáveis? “De acordo com minha definição, um número é computável se o seu decimal puder ser anotado por uma máquina”, disse Alan Turing. Resumindo, foi a primeira descrição do computador moderno.

No artigo, Alan Turing reformulou resultados obtidos cinco anos antes pelo austríaco Kurt Gödel, substituindo a linguagem formal universal baseada na aritmética de Gödel pelos dispositivos hipotéticos que chamou de “máquinas universais”. Essas máquinas, que poderiam ser programadas para realizar qualquer cálculo matemático ou executar as tarefas de qualquer outra máquina, tornar-se-iam conhecidas como “máquinas de Turing” antes de virarem simplesmente “computadores”.

Com a urgência promovida pela Segunda Guerra Mundial, cientistas e engenheiros do Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos desenvolveram e colocaram em funcionamento a partir de 1940 diversos computadores eletromecânicos programáveis, entre eles o próprio Turing, em Bletchley Park. Um dos mais conhecidos foi o Harvard Mark I, construído pela IBM em 1944 nos Estados Unidos. Foram máquinas que realizavam feitos inimagináveis poucos anos antes, mas que tinham em comum o fato de serem todas analógicas. Um grande salto ocorreu em 1945, com a entrada em funcionamento do Eniac, sigla de Electronic Numerical Integrator and Computer, que foi o primeiro computador de uso geral, programável, eletrônico e digital. O ano que marcou o fim da Segunda Guerra viu o início de uma era tecnológica que continua nos dias de hoje. (Figura 1)


Figura 1. Construído em 1945, o ENIAC foi o primeiro computador digital programável
(foto: U.S. Army / Wikipedia. Reprodução)

 

Alguns anos após o lançamento do Eniac, o termo “computador” (ou “computador eletrônico”, inicialmente) tornou-se presença frequente na revista Ciência & Cultura. A primeira menção foi publicada em 1956 (volume 8, número 3), no artigo “Um tanque analítico para a Análise de Servomecanismos”, de Philip Bartlett Smith e Iuda Dawid Goldman vel Lejbman, do então Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. “Enquanto o ponto de proa caminha sobre este equipotencial, um computador eletrônico calcula o integral do fluxo varrido”, escreveram os autores, ainda teorizando com relação ao uso, uma vez que os modernos computadores não haviam dado as caras em universidades e institutos de pesquisa no Brasil.

Em 1958, no artigo “Complementação de Tabela de Níveis de Energia para Rotores Quase-simétricos” (volume 10, número 3), Nicolau Januzzi e Sérgio Pereira da Silva Porto, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), destacaram os “os resultados foram obtidos pelo método utilizado pelos autores e os cálculos feitos num computador eletrônico – Univac 120 – gentilmente cedida pelo Sr. S. Barros Martins, chefe da Divisão Powers da Remington Rand de São Paulo, a quem os autores agradecem sensibilizados”.

 

“Em São Paulo, talvez houvesse um ou dois computadores em algumas empresas, mas com aplicações comerciais. O da USP foi o primeiro computador para aplicações científicas.”

 

O Univac (Universal Automatic Computer) foi o primeiro computador eletrônico produzido comercialmente nos Estados Unidos. Sua história remonta ao fim da década de 1940, quando a Remington Rand começou a desenvolver o sistema, em equipe liderada por J. Presper Eckert e John Mauchly, os mesmos engenheiros responsáveis pelo Eniac. O desenvolvimento do Univac foi financiado em parte pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, que viu o potencial dessas máquinas para a realização de cálculos complexos, como os necessários em projetos militares. Depois, além de ser usado no censo, o Univac se tornou conhecido no país quando foi usado pela rede de televisão CBS para prever os resultados das eleições presidenciais de 1952. (Figura 2)


Figura 2. Com o Univac, os computadores deixam as instalações militares e passam a ser vendidos
(Foto: Wikipedia. Reprodução)

 

A terceira vez em que o termo computador entrou nas páginas de Ciência & Cultura foi em 1962 (volume 14, número 1), no artigo “A estrutura eletrônica do ácido violúrico”, de Yvonne Mascarenhas, então pesquisadora no Departamento de Física da Escola de Engenharia de São Carlos. Para calcular a densidade eletrônica por meio da síntese de Fourier, Yvonne Mascarenhas usou um computador.

“Quando em 1959 comecei a trabalhar nos Estados Unidos no Departamento de Cristalografia chefiado pelo inglês G. A. Jeffrey, tive uma oportunidade extraordinária de atuar em um grupo onde já se usava computador a fim de realizar os longos cálculos necessários para, utilizando as intensidades dos feixes difratados, obter a estrutura molecular e cristalina das substâncias em estudo. A Universidade de Pittsburgh tinha um computador IBM 650 lançado no mercado pela IBM um ano antes”, disse Mascarenhas à revista Pesquisa Fapesp. “Entretanto, quando cheguei a São Carlos, não havia computador no campus. O único computador existente na USP ficava na Escola Politécnica. Era um IBM 1620 e eu passei a viajar frequentemente para São Paulo para usá-lo por cerca de duas horas. Insisti muito para que alguma das verbas que o nosso Departamento de Física da Escola de Engenharia de São Carlos recebia dos órgãos financiadores fosse dedicada a comprar um computador. Isso foi feito com recursos do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento]”, disse.

O uso e a inserção de dados nos computadores da época eram bastante diferentes do que estamos acostumados hoje em dia. Os dados eram inseridos principalmente por meio de cartões perfurados. Os programadores preparavam esses cartões usando uma máquina chamada perfuradora de cartões. Cada cartão continha uma linha de dados ou instruções, perfuradas em posições específicas para representar caracteres alfanuméricos ou comandos do sistema. Os cartões perfurados eram então organizados em pilhas e inseridos no leitor de cartões do computador.

Tanto o primeiro computador da IBM a chegar ao Brasil, em 1959, o IBM 650, quanto o IBM 1620, eram baseados em tubos de vácuo e tinham uma unidade central de processamento (CPU) que executava as instruções contidas nos cartões. As operações eram realizadas sequencialmente, processando um cartão de cada vez. O computador lia os cartões perfurados, executava as operações especificadas e, em seguida, passava para o próximo cartão. A saída de dados era geralmente feita por meio de impressoras ou perfuradoras, que produziam resultados na forma de cartões perfurados ou de impressos em papel.

 

“As pesquisas em eletrônica e computação revolucionaram as técnicas industriais, de comunicação, de ensino e muitas outras. A computação amplifica a capacidade humana de acumular, classificar e analisar dados.”

 

Os cartões perfurados eram propensos a erros e danos. Um único furo fora do lugar poderia causar grandes problemas nos resultados do processamento. A preparação dos cartões perfurados era um processo lento e propenso a erros humanos. A depuração de programas também era desafiadora, pois envolvia a identificação manual de erros nos cartões perfurados. O tempo de espera para a obtenção dos resultados era considerável. Uma vez que o computador processava os dados de forma sequencial, grandes volumes de dados poderiam levar horas, ou até dias, para serem processados. Em geral, o uso de computadores na década de 1960 era uma tarefa complexa e exigia habilidades técnicas significativas. O processo de entrada de dados por meio de cartões perfurados, juntamente com as limitações de velocidade e capacidade de processamento dos computadores da época, tornava o uso dessas máquinas uma atividade desafiadora e demorada.

Yvonne Mascarenhas lembrou desse processo no artigo “Science in my life, publicado em 2019 na Pure and Applied Chemistry, em que apresenta um panorama de sua carreira desde o primeiro contato com a Química em 1948. “Antes de iniciar a coleta de dados, tive que decidir como realizar nossas medições para obter os melhores dados possíveis para o cálculo da densidade eletrônica (…) As intensidades de 425 reflexões foram estimadas por comparação visual com uma escala padrão. Depois, tive que perfurar manualmente os cartões do tipo Hollerith – um cartão por reflexão – que foram usados ​​para alimentar dados ao computador IBM no Centro de Processamento de Dados da Universidade. Depois veio o próximo passo: produzir modelos e testá-los utilizando os programas existentes para cálculo de fatores de estrutura e densidades eletrônicas”, escreveu. (Figura 3)


Figura 3. O IBM 650 foi o primeiro computador digital produzido em escala industrial e o primeiro a chegar ao Brasil
(foto: IBM/ Arquivo. Reprodução)

 

Em 1964, a palavra “computador” volta às páginas de Ciência & Cultura (volume 16, número 2), novamente com Yvonne Mascarenhas, com a comunicação “Alguns resultados preliminares relativos à estrutura cristalina do clorocuprato de 11-Amino-undecanóico”. “Todos os cálculos foram realizados no computador IBM 1620 da Universidade de São Paulo (…) Queremos agradecer ao pessoal do Computador e em particular ao Sr. Alain Lepine que se encarregou do processamento dos dados”, escreveu a pesquisadora.

 

Programa pioneiro

Em 1965, o artigo “Estimativa do efeito genético dos casamentos consanguíneos” (volume 17, número 4) foi publicado com um apêndice de Ivan Jelinek Kantor intitulado “Programa para se estimar a carga genética revelada pelo endocruzamento (…) usando-se um computador eletrônico IBM-1620”, que consistia nas linhas de código de um programa escrito na linguagem Fortran e usado no estudo genético feito por Ademar Freire-Maia e Newton Freire-Maia na Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas em Botucatu e no Laboratório de Genética Humana da Universidade do Paraná. Com a publicação do programa, outros cientistas poderiam empregá-los em seus trabalhos.

Na mesma edição saiu o artigo “O emprego do computador eletrônico na simulação de fenômenos genéticos populacionais”, de Luiz Edmundo de Magalhães, do Departamento de Biologia Geral da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e José Dion de Melo Teles e José Barbosa de Oliveira, do Centro de Cálculo Numérico da USP, que destaca: “a simulação eletrônica abre um novo caminho para a genética de populações”. “Os métodos de simulação apresentam, em geral, uma grande flexibilidade, isto é, podemos submeter os sistemas que estamos analisando à diferentes condições passando de uma para outra, simulando uma situação real que seria altamente complicada de analisar analiticamente. Diante dessas facilidades, antes de realizarmos uma experiência em laboratório, podemos simular no computador a experiência desejada, variando certos parâmetros e estudar cuidadosamente todos os resultados obtidos e assim determinar quais as condições mais apropriadas para a realização da experiência em laboratório ou na natureza”, disseram os autores.

“O computador é um dispositivo repetitivo e sujeito a uma lógica ditada pelo pesquisador através de um ‘programa’ em linguagem própria como a ‘linguagem básica’, o ‘Fortran’, etc. A diferença básica deste dispositivo para os de cálculos clássicos (máquinas de calcular) está na memória, onde é guardada a sequência de operações para processamento dos dados (entrada) e fornecimento dos resultados no formato desejado (saída). Os dados, programa e resultados, são guardados em “áreas” da memória; com os dados, o programa é processado e os resultados são fornecidos ao experimentador na forma e ritmo previstos no programa”, escreveram Magalhães, Teles e Oliveira sobre o funcionamento do novo instrumento que começava a fazer parte dos trabalhos de pesquisa no Brasil.

 

IBM 1620

O IBM 1620 se tornou um personagem famoso para a ciência da época, desde que chegou ao Centro de Cálculo Numérico no Departamento de Matemática da Escola Politécnica. “A iniciativa de instalar um computador na USP foi do professor [José Otávio] Monteiro de Camargo, o grande impulsionador de a USP ter um computador, com o professor Oscar Sala, do Instituto de Física, e o professor [Flávio Fausto] Manzoli, da Faculdade de Economia. Todas as universidades americanas já tinham computador. Era uma coisa que estava se espalhando no mundo e eles acharam que a USP também tem que ter”, disse o professor Valdemar Setzer, do Instituto de Matemática e Estatística, em entrevista ao Canal USP. (Figura 4)


Figura 4. O IBM 1620 foi o computador mais usado nos laboratórios brasileiros na década de 1960
(Foto: Todd Dailey / Wikipedia. Reprodução)

 

Isu Fang, que dirigiu o então Centro de Cálculo Numérico (CCN) da USP, estima que o IBM 1620 custou meio milhão de dólares, para uma máquina com então 20 K de memória – centenas de vezes menos do que uma única foto feita hoje com um smartphone. “Em São Paulo, talvez houvesse um ou dois computadores em algumas empresas, mas com aplicações comerciais. O da USP foi o primeiro computador para aplicações científicas. Começou em 1962 e foi uma coisa exponencial, pois cada vez mais gente queria usar”, disse o professor Tomasz Kowaltowski na mesma entrevista.

Em 1967, a Ciência & Cultura (volume 19, número 4) noticia a criação do Centro de Processamento de Dados da Escola de Engenharia de São Carlos da USP que tem, “entre outras finalidades, as de executar trabalhos que lhes forem solicitados por entidades públicas ou particulares e ministrar cursos sobre programação, processamento e operação de problemas que necessitem o emprego do computador eletrônico”.

Em 1968 (volume 20, número 2), outra notícia sobre computador, desta vez a inauguração do Computador Científico da USP, com presença de altas autoridades e membros do Conselho Universitário da universidade e do Conselho Nacional de Pesquisas. Instalado no Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, na Cidade Universitária, o computador foi doado à USP pelo Conselho Nacional de Pesquisas e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “Com 128 mil posições de memória, este moderno aparelho destina-se, inicialmente, ao processamento de cálculos científicos”, noticiou.

Vídeo: 1962: chega à USP o IBM 1960!
(Fonte: USP. Reprodução)

 

Em 1969 (volume 20, número 2), Maria de Lourdes Bemfica, da Biblioteca Central da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais, no artigo “Biblioteca, Centro de Documentação e Universidade”, defende o uso de computador para auxiliar a “providenciar acesso apropriado e seguro ao conhecimento e à informação”. “A Automação na Biblioteca, ajuda o bibliotecário a conduzir melhor o trabalho de assistência ao leitor; o Processamento de Dados no Centro, informa o usuário, diretamente. A Universidade, por sua vez, é local apropriado para o funcionamento de um Centro de Informação, instalado na Biblioteca Central e controlado por um computador no campus”, pontuou Maria de Lourdes Bemfica.

Nos anos seguintes, vários artigos publicados na Ciência & Cultura mencionam o uso do computador nas mais diversas áreas do conhecimento, como química, agronomia, genética, biologia marinha, engenharia, física, matemática, astronomia, história e educação.

 

Ciência da computação

No artigo “A década dos 70 e perspectivas brasileiras”, publicado em 1970 (volume 22, número 3), Warwick Kerr, que presidiu a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) de 1969 a 1973, destaca a importância do computador. “As pesquisas em eletrônica e computação revolucionaram as técnicas industriais, de comunicação, de ensino e muitas outras. A computação amplifica a capacidade humana de acumular, classificar e analisar dados. Por isso o poder de computação dos EUA está sendo multiplicado por 10 em cada 2 anos e meio”, disse.

 

“A acelerada mudança e o desenvolvimento extraordinário que se verificou, nestes últimos anos, no desenvolvimento dos computadores digitais, tem tido seus reflexos nas modificações que se produzem na pesquisa em educação.”

 

Em 1971 (número 6), Joel Martins, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), no artigo “Objetivos e estrutura de um curso de pós-graduação para pesquisadores educacionais”, destaca a introdução do computador na pesquisa em educação. “A acelerada mudança e o desenvolvimento extraordinário que se verificou, nestes últimos anos, no desenvolvimento dos computadores digitais, tem tido seus reflexos nas modificações que se produzem na pesquisa em educação. O núcleo das influências tem sido o desenvolvimento das técnicas de análise de dados. Antes dos computadores, os métodos analíticos exigiam um cálculo infinito que podia ser aplicado apenas com grandes limitações. Hoje, todos os métodos de análise, ou quase todos, podem ser, pronta e repetidamente, usados com relativa facilidade, uma vez que se conheçam as possibilidades de análise e as limitações que os computadores oferecem. Esta posição determina um novo tipo de problema. Enquanto se usava o método da análise fatorial com alguma facilidade, os problemas que exigiam cálculos longos e trabalhosos eram proibitivos. No campo da personalidade e dos aspectos sociais da educação, como atitude e outras escalas e testes, o trabalho era quase proibitivo para os pesquisadores que não viam meios de executarem a complexidade e extensão dos cálculos. Sendo agora possível e realizável esta análise, o uso do computador influenciou a teoria psicológica e a construção de escalas e testes. O computador traz consigo alguns efeitos colaterais que influenciam muito a pesquisa em educação. De uma certa forma, o computador é um professor, pois força o pesquisador a aprender os seus métodos em profundidade. Para fazer o computador realizar algo, é preciso instruções operatórias detalhadas. Estas instruções, comumente, exigem uma compreensão funcional completa dos métodos usados. Um segundo efeito colateral, é que os pesquisadores precisam compreender os usos dos computadores e a programação”, escreveu.

A mesma edição noticiou o convite feito pela Unesco ao professor Sérgio Mascarenhas, da Escola de Engenharia de São Carlos e membro da Comissão de Tecnologia da USP, “para representar a América Latina na comissão de cinco consultores encarregada de organizar uma conferência sobre tecnologia educacional e o uso dos computadores a realizar-se em Moscou, em 1972”.

Vídeo: 1968: Computador da USP
(Fonte: Sebo dos Vïdeos. Reprodução)

 

 

A edição de outubro de 1973 publicou o artigo “O Brasil face ao desenvolvimento científico e tecnológico mundial”, no qual Jayme Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, diretor-presidente da Fapesp de 1962 a 1976, fala sobre a importância do computador e destaca suas limitações em um momento em que ainda não era comum nos laboratórios de pesquisa brasileiros.

“O computador tem utilidade real. A superioridade que apresenta sobre o espírito humano é a do seu poder de tirar conclusões de dados muito complexos. O espírito humano é capaz, facilmente, de compreender as relações determinantes entre duas variáveis. É incapaz, de fazê-lo, se as variáveis forem muitas, embora estas estejam ligadas por simples relação. Este fato tem sido comprovado muitas vezes. Evidentemente, o que é necessário é o aperfeiçoamento do processo de computação, e neste sentido ainda há muito o que fazer”, escreveu.

A edição de dezembro de 1973 publica o artigo “Estrutura de um Programa de Bacharelato em Ciência da Computação”, no qual Fulvia Stamato e José Stamato Júnior, da USP em São Carlos, apresentam o projeto de um currículo. Segundo os autores, “considerações sobre a natureza da Ciência da Computação levaram-nos à realização deste programa, sendo uma modificação do originalmente proposto para o Departamento de Matemática, e que procura servir como base para a criação de novos cursos de Ciência de Computação, quer como uma nova opção dentro dos currículos de Matemática Aplicada, Engenharia Elétrica, Engenharia de Sistemas, etc., quer como curso específico para a formação de especialistas na área de Computação Eletrônica”.

 

Patinho Feio

Na edição de Ciência & Cultura de julho de 1976, Selma Shin Shimizu Melnikoff, da Escola Politécnica da USP, descreve as atividades do Laboratório de Sistemas Digitais (LSD), que então contava com 30 engenheiros e 40 estagiários e desenvolvia projetos em várias áreas, e fala sobre o histórico computador desenvolvido na USP, o Patinho Feio.

“Em ‘hardware’, as principais atividades do grupo de concentram no projeto e implementação de dois computadores, o Pato Feio e G-10 (sendo esse último, com a colaboração de Equipamentos Eletrônicos S.A.), e das suas interfaces para os dispositivos de entrada e saída. Foram também desenvolvidos os programas de ‘software’ básico para essas máquinas: montadores, carregadores, compiladores (Algol e Patol para Pato Feio e Fortran para G-10) e outros. Esses projetos, tanto de ‘software’ como de ‘hardware’, foram bastante auxiliados pela utilização de simuladores e. interpretadores, construídos pela equipe. Além disso, está sendo atualmente desenvolvido um sistema de automação de projetos de ‘software’ e ‘hardware’. Alguns dos programas já se encontram implementados e outros em desenvolvimento. Ao lado desses trabalhos, existem inúmeros outros em andamento, como teses de doutoramento e mestrado e programa de treinamento de estagiários”, disse Selma Melnikoff.

Vídeo: A história do projeto Patinho Feio
(Fonte: Escola Politécnica da USP. Reprodução)

 

Na mesma edição, em “Simulação de Problemas Complexos da Inteligência Artificial”, Tamio Shimizu, também da Escola Politécnica da USP, aborda uma área da computação muito popular atualmente e também menciona a tecnologia por trás dos atuais chatbots, ao falar da aplicação das técnicas de inteligência artificial na construção de modelos para simulação de problemas complexos.

“As técnicas e métodos usuais de construção e testes de modelos matemáticos tornam-se ineficientes quando o problema a ser simulado requer um número elevado de variáveis para sua representação, ou quando o problema é do tipo especial com um simulador que responde pergunta ou efetua traduções. Um esquema geral com as frases principais, tais como busca global e local, busca heurística, aprendizagem e realimentação, é apresentado. Também é apresentado em exemplo de simulação complexa adotando tais esquemas, é um exemplo de sistemas simulador que responde a perguntas formuladas em sua linguagem natural”, disse.

A partir da década de 1980, diminuem as menções ao termo “computador” nas páginas de Ciência e Cultura. O equipamento deixou de ser novidade nos laboratórios e nas pesquisas, em todas as áreas do conhecimento. Tornou-se fundamental e onipresente.

 

Capa. Computadores marcaram desenvolvimento da ciência brasileira e presença nas páginas da revista
(Foto: Poli-USP/ Arquivo. Reprodução)
Heitor Shimizu

Heitor Shimizu

Heitor Shimizu é jornalista, editor executivo da Revista FCW Cultura Científica e coordenador do Setor Online da Fapesp.
Heitor Shimizu é jornalista, editor executivo da Revista FCW Cultura Científica e coordenador do Setor Online da Fapesp.
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