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Educação ambiental como aliada no enfrentamento das mudanças climáticas

Os desafios de implementar a educação climática em um processo abrangente e transversal dentro das escolas

 

Em maio de 2024 o Brasil presenciou um de seus maiores desastres climáticos, o pior no estado do Rio Grande do Sul: 163 pessoas perderam suas vidas, mais de 775 mil ficaram desabrigadas e os prejuízos já somam mais de R$ 10,4 bilhões, com mais de 108,6 mil casas danificadas ou destruídas segundo o Boletim da Confederação Nacional de Municípios (CNM). Em contrapartida, no mês de julho, mais de 200 Municípios da Região Norte encontram-se em situação de emergência devido aos efeitos da seca que se arrasta desde o início do ano e que assola mais de 900 mil pessoas, causando prejuízos econômicos de mais de R$ 1,1 bilhão.

Em ambos os cenários e praticamente ao mesmo tempo, o país enfrenta consequências da abundância e da falta de água, onde seus reflexos devastam a população, biomas e diversos setores ambientais, civis, públicos e privados. Com tantas ocorrências cada vez mais devastadoras, especialistas e população se fazem a mesma pergunta: catástrofes climáticas podem ser evitadas? A busca por respostas é extremamente complexa, porém é possível encontrar na educação ambiental um caminho assertivo para promover o conhecimento necessário sobre as mudanças climáticas e seus efeitos. “A educação ambiental é um campo do conhecimento essencial para o enfrentamento das problemáticas socioambientais como a emergência climática e é uma das poucas estratégias capazes de fazer com que as pessoas se sensibilizem, compreendam o tema, e acima de tudo, se mobilizem para o enfrentamento desses problemas”, destaca Ana Lucia Suriani Affonso, professora do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná.

 

“A educação ambiental é um campo do conhecimento essencial para o enfrentamento das problemáticas socioambientais como a emergência climática.”

 

Para Daniele Saheb Pedroso, professora da Escola de Educação e Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Ambiental e Complexidade (GEPEACOM) “a educação ambiental tem um papel muito importante em relação à crise climática, onde por meio dela, as pessoas conseguem desenvolver a consciência sobre a sua responsabilidade diante deste cenário e entender que não se trata de um fenômeno natural e que não é algo que vai ser revertido. Há a necessidade de um comprometimento de cunho social para que futuramente esses impactos sejam minimizados”.

A educação climática visa aumentar a compreensão sobre a ciência do clima, suas implicações sociais e ambientais e capacitar indivíduos para tomar medidas eficazes contra as mudanças climáticas. Apesar de sua definição ter tomado mais contornos atualmente com o agravamento da emergência climática, o tema da educação ambiental é alertado por especialistas desde os anos 1990. Pautas como a ciência do clima, impactos ambientais e sociais, mitigação, adaptação e resiliência buscam envolver e engajar comunidades para agir, promovendo a sustentabilidade e a justiça climática através de práticas cotidianas, políticas públicas e movimentos sociais.

 

Desafios dos educadores

Longe de ser tratada como uma disciplina isolada, Pedro Roberto Jacobi, professor da Faculdade de Educação e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), onde coordena o grupo de Estudos de Meio Ambiente e Sociedade do Instituto de Estudos Avançados e colabora com o Programa USP Cidades Globais, destaca que “a educação ambiental no contexto das mudanças climáticas precisa ser cada vez mais abordada desde uma perspectiva transversal. Contudo, um dos principais desafios é trazer o tema para a percepção dos educandos, justamente ao abordar uma reflexão em torno da prevenção e não como uma visão catastrofista. Nesse sentido, é muito importante trabalhar com diferentes tipos de metodologias interativas que possam contribuir para que nossos alunos tenham a percepção e a consciência de consultar esse termo sobre a problemática da mudança climática e seus diferentes tipos de impacto”. Já Ana Lucia Suriani Affonso destaca “percebo uma fragmentação do conhecimento e isso também é refletido nas diferentes maneiras de se abordar o mesmo assunto como emergência climática. É um problema de ordem complexa, a gente necessita do diálogo entre as diferentes áreas do conhecimento para tentar entender as diferentes dimensões que envolvem esse problema.”

 

“A educação ambiental no contexto das mudanças climáticas precisa ser cada vez mais abordada desde uma perspectiva transversal.”

 

Essa transversalidade é um princípio pedagógico que visa integrar os conhecimentos de diferentes áreas e disciplinas para abordar temas relevantes para a sociedade, como é o caso das mudanças climáticas. No entanto, Daniele Saheb Pedroso reconhece que há dificuldades para implementar essa proposta na prática educativa. “A maioria das escolas hoje da educação básica não tem uma disciplina específica de educação ambiental. Sendo assim, é necessária uma articulação da gestão para viabilizar o encontro e o diálogo desses professores para que cada um em sua área específica possa pensar em como contribuir para essa discussão, visto que é um tema transversal”. Além disso, os educadores enfrentam outras adversidades ao abordar a educação climática em sala de aula, sendo a falta de recursos e apoio institucional para implementar programas de educação climática alguns dos principais desafios onde muitos acabam por não ter a formação ou conhecimento suficiente sobre o assunto para ensiná-lo de maneira eficaz. “Abordar a educação climática nas escolas, obviamente, exige todo um trabalho metodológico, um trabalho de diálogos. O desafio da transversalidade é justamente o quanto a escola está aberta para essa reflexão associada ao tema ambiental”, complementa Pedro Roberto Jacobi.

 

Implementação da educação climática e metodologias eficazes na educação básica

Implementar a educação climática pode ser um processo abrangente e multifacetado envolvendo escolas, comunidades, governos e organizações não-governamentais. Ela pode ser estabelecida através de estratégias práticas na educação formal, educação não formal, políticas públicas e governamentais, uso da tecnologia e mídias digitais, engajamento e participação ativa, e recursos e parcerias. É a partir desse diálogo que se pode começar a buscar a construção da transversalidade. “Considero que a educação ambiental é absolutamente estratégica. Quanto mais cedo começar, melhor. E para isso também é muito importante todas essas atividades coletivas, produção de material, filmes, peças teatrais, todos os temas são fundamentais e devem ser colocados como centrais”, afirma Pedro Roberto Jacobi.

 

“É importante considerar as injustiças socioambientais que são geradas pela crise climática, que afeta de forma desigual as populações mais vulneráveis.”

 

“As metodologias participativas são as principais, já que nesse processo a gente consegue fazer com que todos os envolvidos participem das tomadas de decisões, além deste diálogo permear todo este processo que é contínuo e participativo”, analisa Ana Lucia Suriani Affonso. Ela defende que a educação climática deve ser construída coletivamente, respeitando as diferentes vozes e saberes dos participantes e reconhece que deve ser contextualizada e adaptada às necessidades e demandas de diferentes locais. “Como abordar este tema? A questão é complexa e sistêmica. Porém, é importante mostrar com exemplos já concretos que, o que ocorre em um determinado lugar, mesmo que distante, impacta diretamente na vida de todos. Acredito que o caminho é essa integração”, complementa Daniele Saheb Pedroso.

 

Iniciativas no Brasil

No Brasil, a educação climática tem ganhado destaque nos últimos anos através de diversas iniciativas governamentais, acadêmicas e da sociedade civil. O Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), o Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA) – um documento oficial do governo brasileiro que estabelece estratégias e ações para aumentar a resiliência do país às mudanças climáticas – e o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA) – lançado em 2016 com o objetivo promover a adaptação às mudanças climáticas em setores-chave da economia e da sociedade brasileira, como agricultura, recursos hídricos, saúde, biodiversidade, cidades e infraestrutura – são exemplos de ações governamentais que incluem a educação climática como uma das estratégias para mitigar e adaptar-se às mudanças climáticas. (Figura 1)


Figura 1. O Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA) visa promover a educação ambiental de forma a contribuir para a participação cidadã na construção de sociedades sustentáveis.
(Foto: ICMBio. Reprodução)

 

Organizações não-governamentais (ONGs) e sociedade civil, como o Instituto Socioambiental, SOS Mata Atlântica e Greenpeace Brasil, também realizam projetos de conscientização e educação ambiental, incluindo programas específicos sobre mudanças climáticas e consumo sustentável. Projetos acadêmicos e universitários, como a Rede Brasileira de Educação Ambiental (REBEA) e a Rede de Educação Ambiental do Paraná (REA-PR), também promovem a educação climática através de programas de pesquisa e extensão. “O Brasil tem avançado nessa temática nos últimos anos, mas ainda falta uma articulação entre as diferentes ações realizadas pelo governo, pela academia e pela sociedade civil. Existe uma carência de um mecanismo integrador dessas iniciativas, no sentido de socializar experiências, mas sempre tentando respeitar e identificar as especificidades de cada local, já que o nosso país é tão amplo com regiões que compreendem biomas com aspectos culturais, sociais, econômicos muito distintos”, analisa Ana Lucia Suriani Affonso. “Também é importante considerar as injustiças socioambientais geradas pela crise climática, que afeta de forma desigual as populações mais vulneráveis”. (Figura 2)


Figura 2. ONGs SOS Mata Atlântica e Greenpeace Brasil realizam projetos de conscientização e educação ambiental nas escolas.
(Foto. Greenpeace Brasil. Reprodução)

 

O Projeto Pacto Global de Jovens pelo Clima implementado em mais de 20 países e coordenado por Daniele Saheb Pedroso é uma iniciativa que fornece subsídios para que os jovens possam compreender as diferentes dimensões e desafios do planeta, a evolução das mudanças climáticas e a busca por novas respostas que exijam desenvolver boas práticas educacionais. “O projeto teve início com grupos fora do Brasil em 2014 e em 2020 entrei agregando parcerias com professores da nossa região e com o professor doutor Alfredo Pena Veiga, que é coordenador do projeto ao nível mundial. Desta forma estendemos diálogos entre jovens de lugares completamente distantes e diferentes, mas interligados pelo mesmo tema, reforçando a ideia de que a questão do desafio da crise climática é global, não apenas localizada. É a importância deste protagonismo agregado à realidade de cada um”.

 

Capa. Mudanças do clima e proteção da biodiversidade são temas fundamentais na educação
(Foto: Mary Leal, Ascom/SEEDF. Reprodução)
Priscylla Almeida

Priscylla Almeida

Priscylla Almeida é jornalista e produtora de conteúdo para áreas de saúde e ciência, marketing e publicidade. Apaixonada por filmes, gatinhos e pela rotina dinâmica que a comunicação traz: o contato com gente, a curiosidade de assuntos diversos, a troca.
Priscylla Almeida é jornalista e produtora de conteúdo para áreas de saúde e ciência, marketing e publicidade. Apaixonada por filmes, gatinhos e pela rotina dinâmica que a comunicação traz: o contato com gente, a curiosidade de assuntos diversos, a troca.
João F. F. Nogueira é desenvolvedor de software, professor e pesquisador. Transita por diversos temas, das ciências humanas às exatas, sempre estudando algo novo. Adora jogar videogame quando não está viajando.
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