Como tradições culinárias, biodiversidade e direitos territoriais se entrelaçam na defesa de sistemas alimentares justos e sustentáveis na Amazônia.
A culinária amazônica é mais do que um repertório de sabores: é uma expressão viva da história, do território e das identidades dos povos da floresta. Baseada em ingredientes como mandioca, peixes de rio, frutas silvestres e milho, ela traduz modos de vida que atravessam gerações e conectam alimentação, cultura e natureza. Essa mesma base cultural sustenta o conceito de soberania alimentar — o direito de cada povo decidir como produzir, distribuir e consumir seus alimentos, de forma saudável, sustentável e coerente com seus valores e tradições. Não por acaso, preservar receitas, técnicas e saberes é também preservar a memória e a autonomia dessas comunidades.
A nova edição da Ciência & Cultura, dedicada ao tema “COP 30: ciência, política e ação”, destaca justamente essa relação profunda entre comida, território e direitos. Na Amazônia, soberania alimentar significa fortalecer práticas que respeitam os ciclos naturais e valorizam o conhecimento ancestral. Agricultura familiar, pesca artesanal, manejo florestal e o uso de ingredientes nativos formam a base de sistemas alimentares que equilibram nutrição, sustentabilidade e identidade cultural. São práticas que não apenas alimentam corpos, mas também sustentam modos de existência historicamente ameaçados. “A culinária ela é uma ciência ancestral e, ao mesmo tempo, ela está vinculada e alinhada com os princípios de soberania e desenvolvimento sustentável”, pontua Patrícia Chaves Gentil, diretora do Departamento de Promoção da Alimentação Adequada e Saudável da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Essas dinâmicas, porém, enfrentam tensões crescentes. A expansão de dietas ultraprocessadas, a insegurança territorial e a pressão de modelos produtivistas fragilizam tanto a saúde quanto a autonomia alimentar das comunidades amazônicas. A commoditização de ingredientes locais — quando produtos da floresta se tornam bens globais — pode desconectar alimentos de seus contextos culturais, enfraquecer economias tradicionais e acelerar impactos ambientais. Nesse cenário, discutir soberania alimentar é discutir também política pública, justiça social e direitos territoriais. “A comida ela é um instrumento político não só na COP, ela é um instrumento político na vida”, enfatiza Dalva Maria da Mota, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental.
Fortalecer os sistemas alimentares amazônicos passa por valorizar os saberes dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e agricultores familiares. Envolve proteger a floresta, apoiar práticas sustentáveis e garantir que políticas públicas considerem a diversidade cultural da região. Durante a COP 30, esse debate se torna ainda mais relevante: a cozinha amazônica não é apenas patrimônio, mas também resistência. “ A gente tem que aproveitar esse momento da COP para que a gente possa ter um território de diplomacia e consiga apresentar para todo mundo que estiver aqui que nós temos uma culinária sofisticada que merece ser conhecida e reconhecida”, afirma Nadya Helena Alves dos Santos, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) e vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Nutrição na Amazônia (PPGNAM/UFPA).
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