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Correndo mais devagar do que o leão

O que o mundo – e o Brasil – está fazendo para proteger o clima e barrar o avanço dos impactos das mudanças climáticas?

 

Não faltam dados alarmantes sobre o aquecimento global e suas consequências para a vida na Terra. Segundo dados da Organização Meteorológica Mundial (OMM), 2023 foi o ano mais quente já registrado. A temperatura média anual global chegou muito perto de 1,5 oC acima dos níveis pré-industriais (período em que a humanidade não queimava grandes quantidades de combustíveis fósseis). O aumento de 1,5 oC na temperatura da Terra foi o limite estabelecido pelo acordo de Paris em 2015 por ser considerado um ponto de inflexão entre uma situação passível de ser controlada e revertida e o colapso climático global. Se aquecermos a Terra acima deste limite, os efeitos podem ser desastrosos. Ainda assim, o recorde mundial da emissão de gases de efeito estufa (GEE) é batido ano a ano. A concentração de GEE atingiu um nível inédito em 2022 – 2023 e 2024 parecem caminhar para quebrar esse recorde.

A corrida para evitar o superaquecimento do planeta começou a ser travada no século passado. Seu marco inicial foi a RIO92, uma das maiores reuniões de chefes de estado de toda a história. Na ocasião, a “Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima” definiu que impedir uma elevação da temperatura média do planeta era imperativo, em nome do princípio da precaução. Em uma análise desses últimos 30 anos, Sérgio Besserman Vianna, presidente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, afirma que o mundo está muito atrasado na proteção ao clima e no objetivo de barrar o avanço dos impactos das mudanças climáticas: “Tudo que foi feito de lá para cá é muito insuficiente em relação ao necessário. É como se alguém que está correndo de um leão na savana com um fone de ouvido e fosse indagado sobre como estão as coisas e respondesse ‘estou correndo’. Sim, disso nós sabemos. A questão é se você está correndo mais do que o leão ou menos do que o leão. Se você estiver correndo menos do que o leão, não fará a menor diferença. Estamos correndo menos do que o leão. Muito menos do que o necessário foi feito nesses últimos 32 anos e nós estamos caminhando para uma situação extraordinariamente difícil”. (Figura 1)


Figura 1. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92, foi um marco no combate às mudanças climáticas
(Foto: Rio92 Divulgação)

 

É preciso fazer mais

Um dos principais aliados na redução de gases de efeito estufa na atmosfera é a floresta. Como as plantas armazenam e absorvem o carbono do ar, proteger os habitats é imprescindível para diminuir a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Cientistas vêm apontando que a proteção dessas áreas traz benefícios diretos e indiretos para todos, na medida que atuam na regulação do clima terrestre. “Existe uma relação intrínseca entre os modos de vida de uma população e as condições ambientais e climáticas. Quando conseguimos fazer o restauro produtivo da floresta e trazer de volta serviços ecossistêmicos que foram sendo perdidos por conta dessa degradação, é possível conter a incidência de enchentes e o impacto direto na infraestrutura, tanto no meio rural como nas cidades”, explica Patricia Pinho, diretora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

 

“Quando conseguimos fazer o restauro produtivo da floresta e trazer de volta serviços ecossistêmicos que foram sendo perdidos por conta dessa degradação, é possível conter a incidência de enchentes e o impacto direto na infraestrutura, tanto no meio rural como nas cidades.”

 

A agricultura também pode desempenhar um papel importante no sequestro do carbono do ar, desde que sejam implementadas práticas de produção sustentáveis. Josileia Acordi Zanatta, engenheira-agrônoma e pesquisadora na Embrapa Florestas, aponta que a agricultura pode deixar de ser emissora para tornar-se mitigadora de gases de efeito estufa. Para isso é preciso incorporar nos sistemas produtivos práticas de manejo sustentáveis que garantam o aumento dos estoques de carbono para o solo. Com esse objetivo, o governo lançou em 2022 o plano ABC+ (Plano de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária). O plano, que conta com a colaboração da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), visa mitigar a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera pelo setor agrário por meio de incentivos e fomentos a tecnologias ambientais. Alguns dos objetivos do plano são: recuperação de pastagens degradadas; integração lavoura-pecuária-floresta e sistemas agroflorestais; sistema de plantio direto e florestas plantadas. (Figura 2)


Figura 2. A agricultura pode deixar de ser emissora para se tornar mitigadora de gases de efeito estufa
(Foto. Embrapa. Reprodução)

 

A pecuária também é um setor de preocupação pela alta emissão de gases de efeito estufa na atmosfera. Algumas pesquisas científicas vêm tentando fornecer caminhos possíveis para que esse setor deixe de ser um vilão para tornar-se um aliado na transferência de carbono da atmosfera para o solo. “As práticas voltadas a garantir uma melhor qualidade da pastagem, como o bom manejo da altura de pasto, pastos com boa digestibilidade, geralmente retornam em menor emissão de metano por unidade de produto (carne/leite, por exemplo). Muitos estudos têm indicado que essa é a alternativa mais relevante, pois, ao mesmo tempo que reduz emissão de metano, também pode aumentar o acúmulo de carbono no solo. Há também alternativas como inibição das bactérias metanogênicas do rúmen de animais através de aditivos”, descreve Josileia Zanatta. Tais práticas, caso sejam incentivadas pelo governo por meio de subsídios aos produtores rurais, ou até mesmo por meio de taxação para os que não migrarem para práticas sustentáveis, podem ser poderosas ferramentas no combate aos gases de efeito estufa.

 

Uma governança global

Segundo os atuais cálculos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), para que a meta de 1,5 oC de aquecimento global não seja ultrapassada, precisamos reduzir as emissões globais de poluentes em metade até 2030 e totalmente até 2050. Essa meta, segundo Sérgio Besserman, configura-se como impossível — ou extraordinariamente difícil e só possível em um contexto de transformações de grandes proporções históricas.

 

“Nós temos que agir em todas as frentes, mas se a principal frente, que é reduzir o vício da civilização humana nos combustíveis fósseis, não é enfrentada, não há a menor possibilidade de êxito.”

 

Mudanças drásticas são necessárias. António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, afirmou recentemente que apenas reduzir o uso de combustíveis fósseis não será o suficiente para cumprir as metas. É preciso interromper completamente o seu uso o mais rápido possível. Sérgio Besserman também acredita que essa seja a única saída: “temos que agir em todas as frentes, mas se a principal frente, que é reduzir o vício da civilização humana nos combustíveis fósseis não é enfrentada, não há a menor possibilidade de êxito. Para isso é preciso intervenção dos governos, adotando medidas de incentivo a energias limpas, taxando e limitando os combustíveis fósseis”.

Quando falamos em grandes mudanças, como a transferência de uma matriz energética baseada em carvão, petróleo e gás para energias limpas e renováveis, a discussão esbarra na questão econômica. Países como a China e os Estados Unidos ainda se mantêm resistentes a eliminar completamente os combustíveis fósseis de suas matrizes energéticas por receio de queda no crescimento econômico. Fontes renováveis como a eólica e a solar podem sofrer oscilações de acordo com condições climáticas (pouco vento ou pouco sol) enquanto os combustíveis fósseis seriam fontes estáveis. Sérgio Besserman acredita que essa preocupação não se justifica precisamente sob o ponto de vista econômico: “A ideia de áreas prioritárias que não interfiram tanto com o crescimento econômico é completamente equivocada. Os estudos demonstram que a queda do crescimento econômico derivada do aquecimento global é muitas vezes superior”. Previsões já apontam que se as metas não forem atingidas, os eventos climáticos extremos ocorrerão com cada vez mais frequência e os custos com perda de plantações, infraestrutura urbana e sistema de saúde serão muito superiores.

 

“O mundo precisa de uma sociedade civil planetária e de formas de governança global com capacidade de traduzir as metas em uma execução programada com custo elevado para quem se retirar do processo.”

 

O pesquisador acredita que a principal razão por estarmos perdendo essa corrida contra o aquecimento global é a incapacidade de criar mecanismos efetivos de controle e sanções aos países que não cumprem as metas: “Os mercados se globalizaram, mas a governança não se globalizou. A ONU, responsável pelo tratado de Paris, não tem os poderes necessários para que essas metas sejam efetivamente cumpridas. Essas metas deixaram de ser voluntárias no sentido político e jurídico, mas do ponto de vista econômico, o custo de não cumprir o tratado de Paris é irrisório. Praticamente não há custo a não ser reputacional. A ONU sequer levou a questão do clima ao conselho de segurança.”

A solução para esse problema, segundo o pesquisador, passa inevitavelmente pela criação de uma governança global focada na manutenção do clima no planeta: “Como construir uma governança global? Essa é uma das principais lacunas do processo histórico e político conturbado que temos pela frente nos próximos anos e décadas, tendo esses primeiros trinta anos caracterizados pela incapacidade de estar à altura do desafio. O mundo precisa de uma sociedade civil planetária e de formas de governança global com capacidade de traduzir as metas em uma execução programada com custo elevado para quem se retirar do processo”, conclui Sérgio Besserman.

 

Capa. Brasil possui protagonismo na luta contra as mudança climáticas, mas ainda está longe de cumprir seu papel
(Foto: Alex Pazuello/Secom. Reprodução)
Paula Gomes

Paula Gomes

Paula Gomes é escritora, doutora em cinema e especialista em divulgação científica.
Paula Gomes é escritora, doutora em cinema e especialista em divulgação científica.
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